Acórdão nº 02883/16.3BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), deduzida e requerida a arguição de nulidade por A………. – CONSULTADORIA, GESTÃO E SERVIÇOS S.A.
, melhor sinalizado nos autos, do acórdão de 12/01/2022, que decidiu negar provimento ao recurso.
Irresignada, a recorrente A……….. – CONSULTADORIA, GESTÃO E SERVIÇOS S.A.
formulou a arguição de nulidade, nos termos e pelos seguintes fundamentos: 1.
Ao decidir como decidiu, salvo o devido respeito, este Venerando Tribunal obviou à tutela jurisdicional peticionada pela Recorrente, na medida em que ressuma do acórdão em causa uma evidente omissão de pronúncia quanto a relevantes aspectos do recurso – não abordados ou tratados anteriormente pela Jurisprudência convocada – com a inerente falta absoluta de fundamentação do segmento decisório onde este Tribunal afirma, sem qualquer exteriorização, ter ponderado as questões invocadas nas alegações recursivas.
Vejamos: 2.
Como ressuma do acórdão em causa, entendeu este Venerando Tribunal, reproduzindo o constante no acórdão dado no processo n.º 372/17.8BEPRT, que «o acento tónico, da dilucidação do antagonismo apontado, reside no preenchimento do conceito de “ sujeitos passivos ” presente, com centralidade , no normativo em apreço ” .
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Para tanto, refere-se no acórdão em causa, que foi efectuada uma “ponderação do alongado e diversificado rol de argumentos coligidos, pela rte ” .
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Mais resulta do acórdão em causa que, feita a aludida ponderação- e na medida em que um dos Venerandos Juízes – Conselheiros integrou um colectivo que assim decidiu – vingava a posição segundo a qual o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo.
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Com o devido respeito, e a ser conforme se afirma no acórdão em causa, jamais ocorreria qualquer oposição de jurisprudência – com absoluta desnecessidade da sua uniformização – porquanto, uma vez decidida determinada questão, o Tribunal estaria dispensado de ponderar argumentos adicionais ou densificar matizes da discussão jurídica.
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É precisamente o caso paradigmático dos presentes autos, em que, logo ab initio, o recurso para este Venerando Tribunal teve precisamente como pressuposto a insuficiente densificação hermenêutica da norma em causa.
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E isto na medida em que, no Processo n.º 01065/17.1BEPRT de 19.02.2020, a expressão “sujeitos passivo” , ínsita no artigo 88.º n.º 14 do CIRC, foi interpretada, pelo seu teor literal , como reportando-se à sociedade dominante do grupo – a qual procede ao cálculo do lucro tributável .
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Todavia, sempre salvo o devido respeito, reiterando agora o antes exposto em sede recursiva, tal constitui uma ponderação que peca pela sua excessiva simplicidade – dado que, segundo as regras da hermenêutica jurídica, para além do elemento literal, deve o intérprete socorrer-se também dos elementos histórico, racional ou teleológico.
Ora, 9.
Estando em causa uma interpretação declarativa do artigo 88.º n.º 14 do CIRC, a mesma foi efectuada apenas com apelo ao elemento literal, desconsiderando, salvo o devido respeito, tanto o elemento sistemático como o elemento racional ou teleológico.
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Através do exercício do seu direito à tutela jurisdicional efectiva, e pretendendo a reapreciação da questão jurídica à luz dos aludidos critérios de hermenêutica, a Recorrente fez um esforço para explanar de forma criteriosa e exaustiva - ao longo de mais de duzentos articulados, que condensou em menos de um terço de conclusões – os fundamentos jurídicos cuja ponderação e análise acarretariam, necessariamente, a formação de uma jurisprudência diversa.
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Simplesmente, para decidir pela falta de provimento do recurso, e sempre salvo o devido respeito, este Venerando Tribunal limitou-se a referir, por remissão, que havia efectuado uma ponderação dos argumentos da Recorrente, 12.
o que fez, no entanto, sem externar no acórdão, de modo explicito e fundamentado, qualquer efectivo conhecimento e ponderação sobre as conclusões que, nos termos da lei, delimitam o objecto do recurso.
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De facto, e sempre com o devido respeito que nos merece este Supremo Tribunal, a tutela jurisdicional não se basta com a afirmação de que foi efectuada uma ponderação dos argumentos esgrimidos pela Recorrente e, bem assim, o juízo conclusivo de que tais argumentos não foram considerados suficientes para inverter o sentido da posição antes assumida.
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Desde modo, e face ao teor do acórdão em causa, a Recorrente fica completamente impedida de conhecer qual a ponderação que, afinal, foi efectuada pelo Tribunal relativamente aos argumentos que coligiu e que erigiu como objecto do recurso.
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Ora, a obrigação da fundamentação das decisões judiciais, visa exactamente dar a conhecer ao seu destinatário quais foram as concretas razões que levaram o órgão decisor a proferir decisão no sentido em que esta foi emanada – mormente, como aqui sucede, quanto ao juízo incidente sobre as conclusões recursivas.
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Nestes termos, e face à singela menção de que foi efectuada uma ponderação do alegado em sede de recurso, a Recorrente desconhece em absoluto quais foram as concretas razões pelas quais o Tribunal conclui pela incorrecção, insuficiência ou irrelevância de tais questões, bem como o percurso cognitivo que levou a que a decisão proferida fosse aquela e não outra.
De facto, 17.
para julgar pela falta de provimento do recurso, o Tribunal limita-se a reafirmar o decidido anteriormente – quando, precisamente, tal decisão fora abordada de forma frontal no recurso, para efeito de recrutar dimensões materiais da questão jurídica das quais resulta evidenciada, na tese da Recorrente, a errónea simplificação da questão quando atende exclusivamente ao elemento literal 18.
Dito de outro modo, a Recorrente sabia ab initio por que motivo o Tribunal havia julgado no sentido agora reiterado; mas desconhece em absoluto por que motivo o Tribunal desconsidera agora as questões jurídicas esgrimidas no recurso.
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Nos termos do artigo 154.º n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 2.º e) do CPPT, “As decisões (judiciais) proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas ” e, nos termos do artigo 205.º n.º 1 da CRP, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei ” .
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A necessidade de fundamentação, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático - artigo 2º da CRP - prende-se igualmente com a própria garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma (Acórdão do TC n.º 55/85, de 25.03.1985, in Acs. TC, 5.º-467 e ss..).
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Conforme Acórdão do TC, n.º 680/98, de 02.12.1998, in DR, II, de 05.03.1999, págs. 3317 e ss ., “A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral , comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo” .
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“E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões”, escreve-se naquele douto aresto.
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Aliás, “O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário” (Cfr. Pessoa Vaz, in Direito Processual Civil – Do Antigo ao Novo Código, Coimbra, 1998, p. 211.
).
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Como escreve Eduardo Correia, in BFDUC, vol. xxxvi i (1961), p. 184, “Só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça”.
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A “justiça” da decisão revê-se, assim, necessariamente, num mínimo de fundamentação – o que, salvo o devido respeito, não pode considerar-se cumprido com a indicação de que a motivação do recurso foi ponderada na decisão.
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Com efeito, “Não basta, nesse ponto, que o tribunal declare vencida uma das partes; é essencial que procure convencê-la, mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica, da sua falta de razão em face do Direito” (Cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 689.
).
Ora...
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