Acórdão nº 207/18.4T8AMD.L3-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 07 de Abril de 2022
Magistrado Responsável | ANTÓNIO MOREIRA |
Data da Resolução | 07 de Abril de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Lisbon (Portugal) |
Decisão Texto Parcial:
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: Antónia M. intentou acção especial de justificação da ausência de Fábio C., alegando que: - A A. é tia do R., nascido em 1985; - Quando o R., órfão de pai, tinha 4 anos de idade, acompanhou a mãe para França, tendo-se ausentado da casa onde moravam (a qual é desconhecida da A.) sem deixar representante ou procurador; - O R. esteve em Portugal no ano de 2004 e obteve bilhete de identidade em Lisboa; - A A. remeteu uma carta ao R. dirigida à morada que o mesmo indicou quando obteve bilhete de identidade, vindo a carta devolvida; - A A. e a sua família desconhecem o paradeiro do R. e nunca mais tiveram notícias do mesmo, o que os deixa desgostosos; - A A. é interessada com o R. na herança aberta por morte dos seus pais e avós, respectivamente, sendo sua intenção propor acção para partilhar os bens deixados e só não o tendo feito face à ausência do R., que torna a partilha impossível nessa situação, estando os bens da herança expostos à deterioração.
Conclui pedindo a declaração de morte presumida do R. na data de 27/5/2004, de acordo com o preceituado no art.º 114º do Código Civil, e a sucessão dos bens ou entrega deles com a designação de um curador e nomeação de vogais do conselho de família, sendo este convocado para dar parecer sobre o pedido e seus fundamentos.
Em sede de despacho liminar o R. foi absolvido da instância, por ilegitimidade da A.
A A. recorreu desta decisão, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em 20/9/2018 que, na procedência do recurso, revogou a decisão recorrida e substituiu-a por outra que determinou o prosseguimento dos autos “se nenhuma outra razão obstar a tal”.
No tribunal recorrido foi determinada a pesquisa do paradeiro do R., a sua citação pessoal e o cumprimento do disposto no art.º 881º, ex vi art.º 886º, ambos do Código de Processo Civil, tendo sido efectuada a citação por éditos de seis meses e a citação do Ministério Público.
A citação pessoal do R. não foi concretizada na única morada apurada, junto da base de dados da identificação civil.
Em representação do R. ausente o Ministério Público apresentou contestação, invocando a excepção da falta de verificação dos pressupostos para a declaração de morte presumida, sustentando que dos factos alegados pela A. não se extrai que possa ter ocorrido a morte do R., e sendo que a alta probabilidade dessa morte constitui pressuposto necessário da declaração de morte presumida. Conclui pela absolvição do R. do pedido, face à procedência da excepção peremptória invocada.
Na sequência da realização de audiência prévia foi proferida decisão final que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.
A A. recorreu desta decisão, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em 9/7/2020 que, na procedência do recurso, revogou a decisão recorrida e substituiu-a por outra que, julgando improcedente a excepção peremptória suscitada na contestação, determinou o prosseguimento da acção, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 883º do Código de Processo Civil No tribunal recorrido foi determinada a pesquisa do paradeiro da mãe do R., produzida a prova oferecida e proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o R. do pedido.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção da reprodução da factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida, constante das conclusões 2. e 3.): 1. A Requerente intentou contra o requerido a Acção de Processo Especial de justificação no caso de morte presumida, pedindo a condenação do aqui requerido.
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A Requerente alegou os factos constantes da petição inicial, sendo que após a audiência de discussão e julgamento foi dado como provado o seguinte: (…) 3. Mais o tribunal julgou não provados os seguintes factos: (…) 4. Na convicção sobre a matéria dada como provada supra discriminada o Tribunal estribou-se na prova documental junta aos autos, nas diligências por si efectuadas que se frustraram junto da Direcção de Serviços de Administração e Protecção Consulares, junto da Segurança Social e da Autoridade Tributária e ainda nas declarações prestadas pela testemunha Maria D., bem como, uns e outros elementos probatórios conjugados entre si e com as regras da experiência comum.
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No que concerne à factualidade consignada por não provada segundo o Tribunal não foi produzida prova que incidisse sobre a mesma e que lhe permitisse formar uma convicção sobre a sua veracidade, o mesmo é dizer, que as respostas negativas, não integram prova alguma, tudo se passando como se os factos nem sequer tivessem sido articulados.
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Decorre do preceituado no artigo 114º nº 1 do Código Civil, decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente tiver completado oitenta anos, podem os interessados – cônjuge n/separado judicialmente de pessoas e bens, herdeiros e todos os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente da condição da sua morte (cfr. artigo 100º do CCivil) requerer a declaração de morte presumida.
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A norma do artigo 100º do Código Civil, não é mais do que uma norma de legitimação.
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No caso, a requerente é interessada na morte presumida do sobrinho Fábio C.
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E só com o trânsito em julgado da sentença de morte presumida é que se abre a herança e será no processo de inventário que se aquilatará se ele é o único herdeiro da tia (requerente) ou se em vez disso a esta preferirão os filhos do requerido e a sua mãe (prioritários sucessíveis), caso os primeiros existam ou esta não tenha falecido, o que se desconhece.
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Estabelece ainda o nº 2, do artigo 114º do Código Civil, que “a declaração de morte presumida não será proferida antes de haverem decorrido cinco anos sobre a data em que o ausente, se fosse vivo, atingiria a maioridade”.
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O nº 3, do artigo 114º, do Código Civil, estatui que “a declaração de morte presumida do ausente não depende da prévia instalação da curadoria definitiva e referir-se-á ao fim do dia das últimas notícias que dele houver”.
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Nesta senda, os efeitos da declaração de morte presumida retrotraem-se ao dia do desaparecimento ou das últimas notícias do ausente.
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Por sua vez o artigo 115º do Código Civil, consagra o princípio da equiparação da declaração da morte presumida à morte real do ausente, ao prever que “a declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento …” 14. Note-se, pois, que o decurso do tempo – 17 anos – a contar da data de 27 de Maio de 2004, só pode consolidar a convicção de que é mais provável que o ausente se encontre morto, do que vivo, pese embora o legislador admita o seu regresso e estabeleça regras que regulem este caso (cfr. artigos 116º e 119ºdo Código Civil.
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Destrate, em conformidade com os dispositivos citados e considerando que o ausente Fábio C. ainda não completou, se fosse vivo, à data, oitenta anos de idade, bem como já decorreram cinco anos desde a data em que atingiu a maioridade - 3.1.2003 - somente poderá ser declarada a sua morte presumida se tiverem decorrido dez anos, contados da data das suas últimas notícias.
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Ora considerando que as últimas notícias do ausente Fábio C. foram na data em que este obteve o seu documento de identificação, isto é, em 27 de Maio de 2004 e que perdeu a validade em 27.6.2009; o desconhecimento da não renovação do documento de identificação posteriormente; as declarações da testemunha Maria D.; o desconhecimento do paradeiro de Fábio C. pela Direcção Geral dos Serviços Consulares, por resposta dada ao Tribunal na data de 9 de Dezembro de 2019; por não ter sido localizada a sua inscrição na base de dados Nacional da Segurança Social e das Finanças e ainda por ter sido aposto na carta enviada pela requerente para a morada conhecida do requerido na data de 14 de Setembro de 2017, que foi devolvida àquela com a informação em inglês “Not at this adress, Not Known”, ao contrário do decidido, encontra-se preenchido o pressuposto para que seja declarada a sua morte presumida, ou seja, por terem decorridos mais de dez anos contados da data das últimas notícias.
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O decurso do tempo acima aludido - desde 27 de Maio de 2004 - consolidou a convicção de que é mais provável que o ausente se encontre morto, do que vivo, pese embora o legislador admita o seu regresso e estabeleça regras que regulem este caso (artigos 116º e 119º do Código Civil).
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E que o mesmo é afirmar, face à factualidade provada e indicada em 16 e 17, que o Requerido em 27 de Maio de 2004, praticou um acto que corresponde à existência de notícias do mesmo, mas a partir desta data inexiste qualquer ocorrência relativa à sua pessoa que possa ser objectivamente qualificada como relato, demonstração ou constatação da sua presença.
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Os factos alegados pela requerente e provados não contrariam a existência de um desaparecimento...
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