Acórdão nº 1759/20.4T8CBR.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo N.º 1759/20.4T8CBR.S1 Revista “per saltum”: Tribunal recorrido – Juízo Central Cível ... (Juiz ...), Tribunal Judicial da Comarca ...

Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. «Zurich Insurance Public Limited Company – Sucursal em Portugal» intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra «Sonae Arauco Portugal, S.A.» (antes «Sonae Indústria – Produção e comercialização de derivados de madeira, S.A.») e «Fidelidade Companhia de Seguros, S.A.», peticionando o pagamento da quantia de € 57.796,49, relativa às despesas com o sinistro (acidente de trabalho) sofrido por trabalhador da sua segurada «Mecmancbr, Lda.», acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, assim como todos os montantes que a Autora vier a despender com o sinistro por força da sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho.

Em síntese, alegou ter celebrado contrato de seguro de responsabilidade infortunística (decorrente de acidentes de trabalho) com a sociedade «Mecmancbr», tendo esta como trabalhador (...) AA, que, soborientaçãoeordensda sua entidade patronal, prestou trabalho nasinstalações da Ré «Sonae» (em oficina de manutenção mecânica), no âmbito de prestação de serviços a essa mesma Ré, e, nessa prestação funcional, o referido trabalhador sofreu um acidente de trabalho, com esmagamento do pé esquerdo e várias lesões. Participado o sinistro ao Tribunal de Trabalho competente (Juízo de Trabalho ...) e instaurado o processo especial n.º 9575/17...., veio a ser proferida sentença em 31/1/2020, condenando a aqui Autora a pagar ao sinistrado: (i) uma pensão anual e vitalícia, no montante de € 8.220,80, reportada a 14/06/19; (ii) a título de subsídio de elevada incapacidade, a quantia de € 5.312,36; (iii) a título de despesas de deslocações obrigatórias, a quantia de €.45,00; e ao pagamento de juros à taxa legal sobre cada uma das prestações desde o respetivo vencimento até integral pagamento; mais declarou que o sinistrado ficou afectado por uma incapacidade parcial permanente de 96% desde 14/6/2019. A Autora pagou diversas quantias emergentes do sinistro, seja por força do processo especial de acidente de trabalho – por incapacidade temporária absoluta (incluindo as superiores a 365 dias), transportes, assistência por terceira pessoa, consultas médicas, exames complementares de diagnóstico, despesas hospitalares/clínica, próteses e ortóteses, fisioterapia e medicamentos –, seja para cumprimento da sentença – pensões, subsídio de elevada incapacidade, juros e transportes –, numa quantia total de € 57.796,49 para “regularização do sinistro”; estando ainda a Autora obrigada a pagamentos futuros de pensões ao sinistrado, constituindo para o efeito uma provisão de € 125.893,33. O acidente deveu-se ao incumprimento pela Ré «Sonae» das normas de segurança no trabalho, em especial os arts. 3º a 5º e 14º-15º do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro, pelo que a Autora vem demandar a Ré «Sonae Arauco» e a Ré «Fidelidade», para quem a 1.ª Ré transferiu a responsabilidade civil, o regresso da quantia total despendida com o sinistro, ao abrigo dos arts. 18º, 1, e 79º, 3, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, acrescido dos juros moratórios devidos.

A Ré «Sonae Arauco» apresentou Contestação, invocando a excepção dilatória da falta de interesse em agir da Autora, com a consequente absolvição da instância, e, caso assim não se entenda, a improcedência da acção com a absolvição dos pedidos formulados pela Autora.

A Autora, no exercício do contraditório, atravessou a sua Resposta, batendo-se pela improcedência da excepção invocada. A Ré «Fidelidade» apresentou Contestação, pugnando pela absolvição do pedido.

  1. Após suscitar a questão de conhecimento oficioso relativa a “saber se a presente acção deveria ter sido instaurada no Juízo Central ..., por ser o tribunal materialmente competente, e não no Juízo Central Cível ..., isto é, se o Juízo Central Cível é absolutamente incompetente, em razão da matéria (cf. art. 578º do CPC), e por arrastamento, se se verifica, assim, a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Juízo Central Cível, em razão da matéria, para apreciar o presente pleito, com a consequência processual daí decorrente (ou seja, absolvição das rés da instância, por força do disposto nos arts. 99º, nº 1, 576º, nº 2 e 577º, al. a), do CPC)”, e oferecido o contraditório nos termos do art. 3º, 3, do CPC, todas as partes apresentaram a sua pronúncia (sendo que a Ré «Fidelidade» subscreveu integralmente o requerimento apresentado pela Ré «Sonae Arauco»), todas elas sustentando não se verificar a aludida incompetência do Juízo Cível para apreciar a presente causa.

  2. Veio de seguida o Juiz ...

    do Juízo Central Cível ...

    proferir despacho saneador-sentença, no qual se julgou procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo Central Cível ...

    e, assim, absolveu da instância as Rés «Sonae Arauco» e «Fidelidade».

  3. Inconformadas e visando obter decisão judicial que conclua pela competência material do Juízo Central Cível ...: a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação ...

    ; a Ré «Sonae Arauco» interpôs recurso de revista “per saltum” para o Supremo Tribunal de Justiça.

    Notificada, a Autora veio aos autos manifestar a sua não oposição a que o recurso por si interposto fosse tramitado como revista “per saltum” para o STJ.

    Foi proferido despacho de admissão de ambos os recursos como “per saltum” para o STJ.

    5.

    A Autora apresentou as seguintes Conclusões recursivas: “1. Na presente ação proposta pela Autora ZURICH INSURANCE PUBLIC LIMITED COMPANY – SUCURSAL EM PORTUGAL contra a Ré SONAE ARAUCO PORTUGAL, S.A. e F..., S.A, pede-se a condenação destas entidades a pagar à Autora a quantia de 57.796,49€ (cinquenta e sete mil, setecentos e noventa e seis euros e quarenta e nove cêntimos), relativa às despesas tidas com a Regularização do Acidente de Trabalho ocorrido com um trabalhador da sua segurada a Sociedade MECMANCBR, LDA e descrito nos autos, invocando, para tanto, o direito de regresso contra a Ré SONAE ARAUCO PORTUGAL, S.A., ao abrigo do artigo 79º, nos 4 e 5 da Lei nº 98/2009, de 04/09.

  4. Por despacho datado de 5 de maio de 2021, suscitou o tribunal a quo, oficiosamente, a questão da incompetência material do Tribunal.

  5. Pronunciaram-se as partes pugnando pela competência do Juízo Central Cível ..., afastando a competência material do Juízo Central ..., nos termos das respostas que se encontram juntas aos autos.

  6. No seguimento das respostas apresentadas, veio o Tribunal a quo proferir despacho de saneador sentença onde decidiu pela incompetência absoluta do Juízo Central Cível ..., absolvendo as Rés da Instância.

  7. É com este despacho que a Autora não se conforma e que dele agora interpõe recurso.

  8. A competência do Tribunal, que constitui um pressuposto processual, corresponde à medida de jurisdição dos diversos tribunais, nomeadamente ao modo como entre eles se fraciona e reparte o poder jurisdicional (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pág. 88, e Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2º Edição, 1985, pág. 196).

  9. A competência em razão da matéria para as diversas espécies de Tribunais, situados entre si no mesmo plano horizontal, sem qualquer relação de hierarquia, resulta da natureza da matéria alegada na ação, tendo por justificação o princípio da especialização, com as vantagens inerentes.

  10. A Natureza da matéria invocada na ação afere-se pela pretensão jurisdicional deduzida e pelo fundamento alegado ou pelo pedido e causa de pedir (Manuel de Andrade, ibidem, pág. 91.).

  11. São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, cabendo às leis de organização judiciária, a determinação de quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais judiciais e das secções dotados de competência especializada – artigos 64.º e 65.º do Código de Processo Civil e 40.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).

  12. O art. 211.º da Constituição da República Portuguesa dispõe, no n.º 1, que “Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e...

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