Acórdão nº 850/13.8TBTVD-F.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelGRAÇA AMARAL
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1. Nos autos de reclamação de créditos apensos ao processo de insolvência referente a FUNDIÇÃO DE DOIS PORTOS, SA. declarada Insolvente, o Sr. Administrador da Insolvência (AI) veio juntar a lista dos créditos a que se refere o artigo 129.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE). Apresentadas várias impugnações as mesmas foram objecto de decisão no saneador.

  1. Após reconhecimento e verificação de créditos, foi proferida sentença de graduação de créditos, que para o que neste âmbito assume relevância, decidiu nos seguintes termos: “Graduação especial, quanto à verba imóvel 6: 1º. Créditos laborais, na parte não paga pelo Fundo de Garantia Salarial 2º. Créditos do Fundo de Garantia Salarial 3º. Crédito garantido por direito de retenção da sociedade DST 4º. Créditos garantidos por hipoteca 5º. Créditos privilegiados da Fazenda Nacional emergentes de IRS, a par com os créditos privilegiados do ISS, IP 6º. Créditos comuns 7º. Créditos subordinados Quanto aos demais imóveis: 1º. Créditos laborais, na parte não paga pelo Fundo de Garantia Salarial 2º. Créditos do Fundo de Garantia Salarial 3º. Créditos garantidos por hipoteca 4º. Créditos privilegiados da Fazenda Nacional emergentes de IRS, a par com os créditos privilegiados do ISS, IP 5º. Créditos comuns 6º. Créditos subordinados Quanto às verbas móveis 11, 12, 20, 126, 134 e 136: 1º. Créditos privilegiados do ISS, IP 2º. Crédito garantido por penhor da sociedade BNP PARIBAS FORTIS - SUCURSAL EM PORTUGAL 3º. Crédito privilegiado da sociedade ICC - IMP. Comércio Carvões, Lda.

    4º. Créditos laborais, na parte não paga pelo Fundo de Garantia Salarial 5º. Créditos do Fundo de Garantia Salarial 6º. Créditos privilegiados da Fazenda Nacional emergentes de impostos 7º. Créditos comuns 8º. Créditos subordinados.

    Quanto às demais verbas móveis: 1º. Crédito privilegiado da sociedade ICC - IMP. Comércio Carvões, Lda.

    2º. Créditos laborais, na parte não paga pelo Fundo de Garantia Salarial 3º. Créditos do Fundo de Garantia Salarial 4º. Créditos privilegiados da Fazenda Nacional emergentes de impostos, a par com os créditos privilegiados do ISS, IP 5º. Créditos comuns 6º. Créditos subordinados.” 3. DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA, SA e MISTLEGROVE ISSUER HOLDINGS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY apelaram da sentença.

  2. Após prolação da sentença de verificação e graduação de créditos, o tribunal de 1.ª instância proferiu despacho (de 28-05-2021) de indeferimento da arguição de nulidade processual (por falta de notificação aos credores de despacho judicial de 26-04-2021) por parte da credora DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA, SA.

  3. Deste despacho a referida credora interpôs apelação.

  4. O Tribunal da Relação ..., conhecendo dos recursos, proferiu acórdão que decidiu: - julgar improcedente o recurso de apelação referente ao despacho de indeferimento da arguição de nulidade processual suscitada pela credora DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA, SA; - julgar procedente o recurso de apelação referente à sentença de graduação de créditos por parte da credora DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA SA, alterando a mesma nos seguintes termos: “a. relativamente à graduação especial, quanto à verba nº 6, gradua-se, em primeiro lugar, o crédito garantido por direito de retenção da sociedade DST, SA, e, em segundo lugar, os créditos garantidos por hipoteca; b. no mais, mantém-se na íntegra a graduação constante da sentença.” - julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela MISTLEGROVE ISSUER HOLDINGS DESIGNATED ACTIVITY COMPANY, alterando a sentença de verificação e graduação de créditos, nos seguintes termos: “a. quanto aos imóveis das verbas nºs 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 10, gradua-se, em primeiro lugar, os créditos garantidos por hipoteca; b. no mais, mantém-se na íntegra a graduação constante da sentença.” 7. Inconformado o credor AA recorre para este tribunal, concluindo nas suas alegações: “1.ª A graduação especial realizada pelo Tribunal recorrido quanto à verba nº 6 não pode proceder, já que foi graduado, em primeiro lugar, o crédito garantido por direito de retenção da sociedade DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA, SA, e, em segundo lugar, os créditos garantidos por hipoteca.

    1. Mais improcede, ainda, a graduação especial levada a efeito pelo Tribunal “a quo” no que respeita aos imóveis das verbas nºs 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 10, dado que graduou, em primeiro lugar, os créditos garantidos por hipoteca, na sequência do recurso apresentado pela empresa MISTLEGROVE ISSUER HOLDINGS DESIGNATED ACTIVITYCOMPANY 3.ª Ora, o douto Acórdão recorrido não teve em consideração que o privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho incide sobre todos os imóveis apreendidos nos autos (verbas n.ºs 1 a 10).

    2. Consequentemente, os créditos do aqui recorrente devem ser graduados em primeiro lugar sobre todos os imóveis apreendidos no processo, nomeadamente sobre as verbas aqui em causa n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 10, devidamente identificadas nos autos.

    3. O privilégio em causa prefere à hipoteca e ao direito de retenção, conforme o disposto no artigo 751.º do Código Civil.

    4. A douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” restringiu o privilégio imobiliário especial laboral às verbas n.ºs 1 e 2, o que fez sem fundamento legal.

    5. Tal decisão colide com os seus direitos e legítimos interesses e com uma Decisão de direito completa e justa que a presente causa impõe.

    6. O recorrente tem créditos reclamados e reconhecidos, nos presentes autos, como ex-trabalhador da Insolvente, no valor de € 39.471,33, conforme consta da lista definitiva de créditos reclamados e reconhecidos rectificada apresentada pelo Senhor Administrador de Insolvência no apenso da reclamação de créditos.

    7. O pagamento da referida quantia se encontra em risco face ao decidido pelo Venerando Tribunal da Relação ...

    8. O atendimento e reconhecimento do privilégio imobiliário especial, previsto no artigo 333.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho, é um imperativo de justiça material e moral, assumindo igualmente uma dimensão económico-social muito importante.

    9. In casu, é de aplicar uma concepção ampla consentânea com a razão de ser da atribuição do privilégio creditório aos créditos laborais, que é a especial protecção que devem merecer esses créditos, em atenção à sua relevância económica e social.

    10. No âmbito dos privilégios imobiliários só se deve excluir o património do empregador não afecto à sua organização empresarial, o que no presente caso não se verifica relativamente aos imóveis das verbas em causa n.ºs 3 a 10, devidamente identificados nos autos, dado que estavam afectos à actividade industrial e empresarial da Insolvente Fundição de Dois Portos, S.A., constituindo o seu suporte organizacional.

    11. Resulta expressamente dos autos que as verbas n.ºs 1, 2 e 8 são contíguas e compõem a totalidade da unidade fabril – anúncio junto ao apenso de liquidação a 25-06-2015 e 26-01-2017.

    12. Pelo que não se vislumbra qualquer fundamento válido para afastar o reconhecimento ao aqui recorrente e aos demais trabalhadores da Insolvente do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, al. b) do Código do Trabalho relativamente ao imóvel da verba n.º 8.

    13. Com o devido respeito, ao não aplicar o referido privilégio à mencionada verba n.º 8, o douto Tribunal da Relação ... incorreu em claro erro de apreciação.

      16.º O mesmo se diga no tocante à verba n.º 6, devendo ser reconhecido ao aqui recorrente o privilégio imobiliário especial laboral sobre essa verba, com as legais consequências.

    14. Efectivamente, resultados autos que a verba n.º 6 era onde a empresa DST – DOMINGOS DA SILVA TEIXEIRA, SA estava a construir as novas instalações da Insolvente.

    15. Tanto mais que a douta Decisão proferida pelo Tribunal “a quo” observou que: “(…) a verba nº 6 corresponde a terreno rústico sobre o qual se encontra implantado pavilhão industrial (em fase de construção da nova Fundação, como referiram alguns trabalhadores reclamantes, quando se pronunciaram sobre o despacho de 28/05/2021, refª ...). Quer dizer, a verba nº 6 trata-se de um prédio rústico pertencente à Insolvente, onde se situa uma construção industrial inacabada, construção essa realizada pela ora Recorrente, e que se destinaria às novas instalações daquela” (sublinhados nossos).

    16. É indiscutível que a verba n.º 6 visava permitir à Insolvente Fundição de Dois Portos, S.A. o exercício da sua actividade, constituindo o seu suporte físico, pelo que não poderá deixar de ser considerada como um bem integrante da organização empresarial da Insolvente.

    17. O mesmo se diga no que tange às demais verbas, concretamente as verbas n.ºs 3, 4, 5, 7, 8, 9 e 10 devidamente identificadas nos autos, pois que o estabelecimento da Insolvente compreendia todas as verbas imóveis apreendidas.

    18. Sendo certo que não se apurou nos autos destino de arrendamento ou comercialização, fundamento para o afastamento do privilégio.

    19. Com o devido respeito, mal andou o Tribunal recorrido ao alterar a graduação de créditos constante da douta Decisão proferida pela primeira instância.

    20. Na interpretação do preceito legal em apreço, a jurisprudência dominante tem entendido que o privilégio em apreço abrange todos os imóveis existentes na massa Insolvente que estavam afetos à atividade empresarial do Insolvente, independentemente de uma qualquer conexão específica ou imediata entre o imóvel e a concreta atividade do trabalhador reclamante(neste sentido cfr. Ac. STJ de 30/05/2017, relatado pela Cons. Ana Paula Boularot e Ac. TRC de 12/06/2012, relatado pelo Desemb. Jaime Carlos Ferreira, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

    21. O recorrente e os demais trabalhadores da Insolvente integram a organização empresarial da Insolvente e estão, todos eles, funcionalmente ligados aos imóveis que, constituindo património da empresa, servem de suporte físico a essa atividade.

    22. No caso em...

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