Acórdão nº 3071/16.4T8STS-F.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelANA PAULA BOULAROT
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

PROC 3071/16.4T8STS-F.P1.S1 6ª SECÇÃO ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I O Administrador da insolvência de LABORATÓRIO DE ANÁLISES CLÍNICAS MCT, LDA, requereu o incidente de qualificação, propondo-a como culposa, com fundamento nas alíneas f), g), h) e i) do nº 2 e da alínea b) do nº 3 do artigo 186.º do CIRE, com a afectação do ... AA.

O Ministério Público acompanhou tal requerimento.

Os Requeridos deduziram oposição, admitindo atraso na entrega de contabilidade e dizendo que em Dezembro de 2016 a devedora depositou contas de 2015 e que irá apresentar contas de 2016. Mais impugnam que o imobilizado da devedora fosse o alegado pelo Administrador de Insolvência, antes consubstanciava aparelhos antigos e obsoletos que foram reciclados pela Câmara Municipal ... aquando da entrega do locado onde laboravam. Os restantes equipamentos pertenciam a fornecedores a quem a devedora adquiria e consumia reagentes e que a estes foram normalmente devolvidos por serem os seus legítimos proprietários. As instalações de ... e de ... nunca pertenceram à devedora mas sim a uma terceira sociedade, e as instalações de ... eram um mero posto de colheitas de produtos biológicos, pelo que não necessitava de equipamentos e material para a realização de análises clínicas. Os problemas da devedora iniciaram-se com uma inspecção efectuada pela Entidade Reguladora da Saúde no final de 2013, cujas exigências esta não conseguiu cumprir, o que originou a que todas as análises tivessem sido transferidas para outro laboratório. A partir do início de 2015, o laboratório em causa deixou de colaborar com a devedora e a sua actividade reduziu-se de forma acentuada, mas não foi criada nova dívida. Entre o início de 2015 até à data da insolvência, o passivo dadevedora foi reduzido a expensas exclusivas do seu administrador. Mais alegam que o administrador da insolvente se encontra a pagar em nome pessoal os créditos contraídos pela devedora junto da Autoridade Tributária e Segurança Social, tendo para o efeito recorrido ao programa “PERES”. A Devedora recorreu a um processo especial de revitalização no ano de 2012, no âmbito do qual foi aprovado e judicialmente homologado, a 11.09.2013, a proposta de plano de recuperação por si apresentado, e desde 2012 foi pagando as prestações correntes à Segurança Social bem como amortizando as decorrentes do plano de recuperação aprovado e homologado até à data da declaração da insolvência. Não requereram a insolvência por estarem convictos da possibilidade de recuperação da empresa. Os veículos da devedora foram vendidos por valor correspondente ao seu valor de mercado para suprir dificuldades de tesouraria. Os outros bens foram entregues ao senhorio do imóvel como dação em pagamento e os legais representantes não retiraram para si qualquer benefício. Concluem pela qualificação da insolvência como fortuita e pela não afectação do Requerido.

O Administrador de Insolvência apresentou resposta à oposição deduzida, mantendo a qualificação da insolvência por si proposta.

Foi proferida sentença a qualificar a insolvência da devedora Laboratórios de Análises Clínicas MCT, Lda como culposa, declarando-se afectado por tal qualificação AA e decretando a sua inibição para administrar patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 2 (dois) anos, condenado-se o mesmo a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, pelo valor dos créditos incluídos na lista definitiva de credores.

Os Requeridos interpuseram recurso de Apelação, tendo a final sido proferido Acórdão a julga-la improcedente, com a confirmação da sentença recorrida quanto ao fundamento aludido no nº 2, alínea h) do artigo 186º do CIRE, julgando-se prejudicada a apreciação do fundamento aludido no nº 3 do mesmo normativo.

Os Requeridos recorreram de Revista, a qual veio a ser parcialmente concedida com a revogação da decisão plasmada no Acórdão recorrido quanto ao fundamento aludido no nº2, alínea h) do artigo 186º do CIRE, ordenando-se a remessa ao Tribunal da Relação ... para apreciação do fundamento abordado na sentença de primeira instância, aludido no nº3 do mesmo normativo, havido por prejudicado na decisão em crise.

O Tribunal da Relação ... veio a produzir novo Acórdão sobre a questão cujo conhecimento lhe foi solicitado, tendo julgado improcedente a Apelação e confirmado a sentença nesse particular.

De novo irresignados, recorrem os Requeridos de Revista excepcional, por oposição do Acórdão recorrido com um outro da Relação de Coimbra de 7 de Fevereiro de 2012, cuja cópia certificada fizeram juntar com as alegações, nos termos do artigo 672º, nº 1, alínea c) do CPCivil, a qual veio a ser admitida por Acórdão da Formação.

Concluiram do seguinte modo: «

  1. O Douto Acórdão ora recorrido julgou improcedente a apelação proposta porquanto é seu entendimento que os Recorrentes não lograram ilidir a presunção prevista no nº 3 do artigo 186º do CIRE, concluindo que a mera existência dos factos previstos nas suas alíneas a) e b) são suficientes para qualificar a presente insolvência como culposa.

  2. O Douto Acórdão refere que “Verificado algum destes factos, praticados pelo devedor, o juiz terá que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa, visto que ali está estabelecida uma presunção juris et de jure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo, por conseguinte a produção de prova em contrário.”.

  3. Conforme bem refere o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/02/2012 relativo ao processo 2273/10.1TBLRA-B.C1, pesquisável em www.dgsi.pt e transcrito no Acórdão fundamento, “a violação, pelos administradores, v.g., do dever de requerer a insolvência, apenas permite presumir a culpa grave daqueles – mas já não a imputação da situação de insolvência, ou o seu agravamento, à respectiva conduta”.

  4. Assim, torna-se bem evidente que a presunção do nº 3 do artigo 186º do CIRE se limita a presumir a culpa grave mas já não a criação ou agravamento da insolvência exigidos pelo nº 1 do mesmo preceito legal, os quais têm de ser alegados e provados por quem os invoca.

  5. “In casu” e como igualmente sucedeu no Douto Acórdão fundamento, “nada há na matéria de facto provada que permita, ainda que por ilação devidamente fundamentada, concluir pela verificação desse nexo de causalidade entre a apontada omissão do ora Apelante e a criação ou o agravamento da situação de insolvência da empresa.” F) A realidade é que tão pouco o Douto Acórdão ora recorrido refere existir tal matéria factual, limitando-se a interpretar a presunção prevista no nº 3 artigo 186º do CIRE de uma forma mais lata e abrangente, nela incluindo a prova da criação ou agravamento da situação de insolvência.

  6. É certo de que não se provou “in casu” o incumprimento da obrigação de apresentação à insolvência prevista na alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE, nem tão pouco que um eventual e alegado atraso...

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