Acórdão nº 822/15.8T8VNG-C.P2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 15 de Fevereiro de 2023

Data15 Fevereiro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

REVISTA n.º 822/15.8T8VNG-C.P2.S1 ACORDAM NA 6ª SECÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I - Relatório 1. Em apenso aos autos de insolvência de AA, no âmbito do incidente de qualificação da insolvência, veio a credora BB, nos termos do n.º1 do art.º 186 e do art.º 188 do CIRE, apresentar requerimento pretendendo que a insolvência fosse considerada culposa.

1.1. Alega que o seu crédito é proveniente de vários empréstimos feitos à Insolvente e ao irmão CC, seus sobrinhos por via paterna, no valor total de 32.000,00€, que foram pagos em parte pela Insolvente em 2013 e 2014, pelo que o valor devido à data do incumprimento, era a título de capital, 4.200,00€, acrescendo juros de mora desde fevereiro de 2012.

A Insolvente apesar de ganhar um bom ordenado, resolveu viver acima das suas possibilidades, contraindo dívidas junto de entidades bancárias, e após a recusa destas, recorreu a particulares, como a Requerente, sua tia, que tinha parcas poupanças, fruto de uma vida de trabalho, vivendo sozinha, realidade que a Insolvente não quis saber, assumindo dívidas do irmão, e contribuindo de forma consciente e intencional para a sua situação de insolvência, cometendo irregularidades com prejuízo sério para sua condição patrimonial, conforme o disposto no art.º 186, n.º2, alínea h), parte final do CIRE.

Com efeito, ocultou a sua situação económica quando efetuou o empréstimo, o que nunca deveria ter efetuado, não se tendo apresentado à insolvência, nos termos do n.º1, do art.º 18, do CIRE, prejudicando a Credora, e atendendo ao previsto no art.º 238, n.º1, e) do CIRE, atuou de forma culposa e consciente, ao delapidar o único bem que tinha que responderia pelo passivo, alienando a sua habitação, utilizando o produto da venda para liquidar dívidas de pessoas consigo especialmente relacionadas, o irmão, em detrimento dos outros credores, para além de justificar a sua incapacidade para liquidar as suas dívidas com um falso agregado familiar, dizendo ter a seu cargo, a mãe, o irmão e a filha deste, quando nunca teve ninguém a tal título, violando a sua obrigação de colaboração constante do art.º 186, n.º2, alínea i) do CIRE.

1.2. A Insolvente veio responder, invocando que só se aplicariam ao caso em análise as alíneas a), b) e d) do n.º 2, do CIRE, não tendo ocultado, sonegado ou delapidado o seu património, ocorrendo o incumprimento generalizado a partir de outubro de 2014, apresentando-se à insolvência em 2 de fevereiro de 2015, verificando-se que a Requerente/credora, não intencionalmente, foi a beneficiada, face à pressão exercida, bem como por acreditar que teria meios para regularizar os débitos contraídos, pelo que a insolvência deve ser qualificada como fortuita.

  1. A Administradora da Insolvência (AI) no parecer apresentado, refere que a Insolvente tem vindo a cumprir com o pagamento a um dos credores, praticando uma conduta subsumível às hipóteses previstas nas alíneas a), b) e d) do n.º 2, do art.º 186, do CIRE, mais aludindo aos pressupostos enunciados em qualquer das alíneas do referenciado n.º 2, do art.º 186, devendo todos os credores se pronunciarem.

    2.1. A Insolvente, veio responder, pugnando pelo carácter fortuito da insolvência.

    2.2. O Ministério Público veio solicitar a clarificação do parecer da AI.

    2.3. A AI veio pronunciar-se no sentido que a insolvência deve ser qualificada como culposa porque a situação foi criada e agravada pela atuação da Insolvente dolosamente e com culpa grave.

    2.4. O Ministério Público veio aderir às alegações e parecer da AI, por reporte ao disposto nos artigos 186, n.º1, a), d) e i) do CIRE, para eventual qualificação da insolvência como culposa.

  2. Citada, veio a Insolvente deduzir oposição, alegando não ter praticado qualquer das condutas previstas no n.º 2, do art.º 186, do CIRE, nem contribuído voluntariamente para a sua situação de insolvência que lhe adveio por querer ajudar um irmão, ou a agravou depois de ter consciência da impossibilidade de cumprimento das obrigações, pois não contraiu novos créditos, fez escolhas para saldar as dívidas sem intenção de beneficiar ou prejudicar alguém, ficou sem nada, prestou os esclarecimentos necessários, inexistindo nexo de causalidade entre as condutas, manutenção da viatura, composição do agregado familiar, não entrega em parte do seu vencimento, venda do imóvel, manutenção de penhoras no seu salário, e o agravamento da sua insolvência.

  3. Após efetivadas as diligências tidas por convenientes, foi realizado o julgamento, e proferida sentença, em 7.05.2022, que qualificou a insolvência como culposa, e: a) determinou a inibição da Insolvente para o exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de dois anos; b) condenou a indemnizar os credores no montante dos créditos incluídos na lista de credores reconhecidos, 113.528,93€, não satisfeitos no âmbito dos autos e até à força do seu património.

    4.1. Inconformada veio a Insolvente/afetada interpor recurso de apelação, sendo proferido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.09.2022, que julgou o recurso parcialmente procedente em matéria de facto e totalmente procedente em matéria de direito, revogando a decisão recorrida, qualificando a insolvência como fortuita.

  4. Ora inconformada, a credora BB Madeira veio interpor recurso de revista, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões: (Transcritas ) I. O presente recurso, vem na sequência do Acórdão proferido pela Relação do Porto, no qual considerou a insolvência de AA como fortuita.

    1. O Objeto desde recurso está limitado à matéria de direito ao abrigo do artigo 14, n.º 1 do CIRE.

    2. O artigo 615º do C.P.C. versa-nos sobre as causas de nulidade da sentença.

    3. E no caso do acórdão em crise, e salvaguardando o devido respeito por entendimento diverso, a mesma encontra-se ferida de nulidade.

    4. O Acórdão da Relação, refere a passagens no âmbito da motivação que fundamentou a decisão:“ Ora, lendo a factualidade que temos por assente, o que se evidencia, com “meridiana clareza”, é a absoluta insuficiência e inadequação da mesma para imputar à Insolvente, a Apelante AA, uma conduta culposa, tanto na forma de dolo como de negligência grave, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência, enquanto causa adequada da criação da situação de insolvência ou do seu agravamento. Quanto à específica factualidade vertida no ponto 1.1.2), também ela marcada por ambiguidades e falta de concretização dos documentos que a Insolvente não terá feita chegar “tempestivamente” à Exma. Administradora da Insolvência”, também ela se mostra claramente insuficiente para presumir qualquer espécie de atuação da Insolvente suscetível de justificar a qualificação da insolvência como culposa, por via da livre apreciação pelo juiz, ao abrigo do preceituado no art.º 83.º, n.º 3, do CIRE.

    5. O Acórdão da relação, não fundamentou por que motivo considerou que não existe uma conduta culposa da insolvente.

    6. Apenas se escudando que não tendo a Insolvente entregue os documentos à Administradora tempestivamente que não é motivo para considerar como culposa a insolvente.

    7. Não houve nenhuma alteração dos factos que levasse a uma alteração da fundamentação da primeira instância para a relação.

    8. Porque existem factos que foram considerados como provados que são importantes para a qualificação de insolvência e que não foram objetos de qualquer alteração pelo tribunal da Relação.

    9. Sendo que, apenas dizendo que a Insolvente não terá feita chegar “tempestivamente” à Exma. Administradora da Insolvência”, também ela se mostra claramente insuficiente para presumir qualquer espécie de atuação da Insolvente suscetível de justificar a qualificação da insolvência como culposa, parece-nos que não é suficiente para a fundamentação e revogação da decisão recorrida, mesmo apesar de se justificar na livre apreciação do Juiz.

    10. E sobretudo, é manifesto e notória a ambiguidade/obscuridade da análise efetuada.

    11. Nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 615º do C.P.C. que aqui e agora se invoca com todas as consequências legais que advêm da mesma.

    12. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou a apelação procedente e, em consequência, revogou a sentença recorrida na parte em que declarou AA afetada pela qualificação da insolvência como culposa e considerou a insolvência como fortuita.

    13. A questão central sub judice prende-se com o entendimento surgido e sufragado pelo douto acórdão no que concerne à previsão e aplicação da al. n.º 2 e 3 do artigo 186º do C.I.R.E.

    14. A Recorrente discorda in totum da motivação e decisão explanada no acórdão, ora objeto de recurso.

    15. Verificada uma das situações do n.º 2 do artigo 186.º do C.I.R.E. presume-se iuris et de iure que atuação da devedora tenha sido causa da situação de insolvência ou do seu agravamento e, em consequência, a insolvência não pode deixar de ser qualificada como culposa.

    16. Este segmento normativo, atentos os conceitos indeterminados, obriga-nos a apelar à materialidade em discussão e às circunstâncias específicas do caso em análise, que não foram atendidos pelo Tribunal a quo.

    17. Foram considerados os seguintes factos como provados, essenciais para a análise desta insolvência como culposa:“ - a insolvente não fez chegar tempestivamente à Exma. AI. os comprovativos legais autênticos da justificação das suas despesas e rendimentos, igualmente não tendo junto os comprovativos dos rendimentos auferidos pelo remanescente agregado familiar. -A insolvente foi notificada pela Exma. A.I. para proceder à transferência da parte do vencimento apreendida nos presentes autos e nunca o fez, como se recusou. -Por outro lado insistiu com o escritório da Exma.AI para lhe bloquear as contas bancárias e assim poder receber o valor pago, após a data da insolvência, pela AT a título de IRS -a insolvente sempre se recusou a entregar...

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