Acórdão nº 3130/16.3T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelRICARDO COSTA
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 3130/16.3T8AVR.P1.S1 Revista Excepcional – Tribunal recorrido: Relação ..., ... Secção Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I) RELATÓRIO 1. AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB e cônjuge mulher, CC, «S... Unipessoal, Lda..» e «Axa Portugal, Companhia de Seguros Fidelidade, S.

A.”, peticionando a condenação destes a pagarem-lhe: (i) a quantia de € 111.360,00 (cento e onze mil, trezentos e sessenta euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, desde a citação, até efetivo pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais; (ii) as importâncias que se vierem a liquidar em incidente de liquidação pelos danos futuros previsíveis, emergentes da incapacidade parcial permanente que for fixada, dos tratamentos e cirurgias a que tiver que ser submetido, das deslocações que tenha de efetuar para o efeito, dos medicamentos que necessite e demais consequências definitivas e despesas conexas.

Para esse efeito, o Autor alegou os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência de uma máquina agrícola, composta por tractor agrícola e capinadeira acoplada, quando efectuava a limpeza num terreno, a seu pedido, a qual, manipulada pelo seu proprietário, o primeiro Réu, projectou um fragmento de uma pedra que foi atingir o Autor, no olho direito, causando-lhe as lesões que menciona, que se ficaram a dever à não observância de deveres de cuidado pelo 1.º Réu. Mais alega que os serviços a prestar foram acordados com o 1.º Réu, sendo esta a sua profissão, da qual retira os rendimentos, sendo os 1.

os Réus casados. Demanda, por cautela, a Ré Sociedade, uma vez que o 1.º Réu constituiu uma sociedade e desconhecer se o mesmo prestou os serviços em nome individual ou da sociedade, apesar de ter negociado com o 1.º Réu, pessoa singular, e a 3.º Ré, por ter celebrado um contrato de seguro a cobrir os riscos pelos danos causados a terceiros pela circulação do tractor que o 1.º Réu conduzia no dia do sinistro.

Os Réus apresentaram Contestação.

O Autor respondeu às excepções invocadas, pugnando pela sua improcedência.

2.

Realizou-se audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, em que foi conhecida da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e da excepção de ilegitimidade processual passiva dos 1.

os Réus, sendo ambas julgadas improcedentes. Foi ainda fixado nos termos legais o valor da causa: € 111.360,00.

3.

O Juiz ... do Juízo Central Cível ...

proferiu sentença em 1/9/2020, assim julgando: “Pelo exposto e na parcial procedência da acção decide-se condenar os réus BB e mulher, CC: a) No pagamento ao autor da indemnização de: - € 150,00 (cento e cinquenta euros) por mês, correspondente aos 125 dias em que o autor esteve com incapacidade temporária total para o exercício da actividade profissional, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação, até efectivo e integral pagamento.

- € 61.000,00 (sessenta eum mil euros), a título de dano biológico e danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, devidos desde a presente sentença, até efectivo pagamento, calculados à taxa legal, até efectivo pagamento; b) No dano futuro que vier a resultar da necessidade de: - Agravamento das sequelas, atendendo à possibilidade de agravamento da acuidade visual; - Ajudas técnicas permanentes em tratamentos médicos regulares, em concreto num regular seguimento em consulta de oftalmologia visando evitar o agravamento do prognóstico, podendo ser necessária a realização de novos tratamentos cirúrgicos; - Ajudas técnicas, nomeadamente óculos para correção ótica da acuidade visual do olho esquerdo e óculos de sol; Em valores a liquidar em incidente de liquidação, nos termos previstos pelos artigos 565º do C.

Civil e 609º, n.º 2 do CPC; c) Absolver os primeiros réus do demais peticionado pelo autor; d) Absolver a segunda ré, “S... Unipessoal, Lda..” e a terceira ré, “Axa Portugal, Companhia de Seguros S.

A.” de todos os pedidos contra si formulados nesta acção.

4.

Inconformados, os Réus condenados interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ...

(TR...), visando a absolvição do pedido indemnizatório que se arbitrara parcialmente em 1.ª instância a cargo dos Réus Foram identificadas as seguintes questões decidendas: “1.

Do dever deste Tribunal de determinar a baixa do processo à 1ª instância para fundamentação de factos essenciais ao julgamento da causa indevidamente fundamentados (nos termos do art. 662.º n.º 2 al. d) do Código de Processo Civil); 2.

Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto: - do alegado erro na apreciação da prova e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto aos pontos mencionados pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (os 3, 4 e 9 dos factos provados); 3.

Do erro na subsunção jurídica: 3.1.

Da errada subsunção do caso no regime do nº 2, do art.

493.º (acidente decorrente de laboração sendo a atividade perigosa), por se enquadrar no regime (…) consagrado no art.

503.º (acidente causado por veículo), ambos do Código Civil, e da ausência de responsabilidade, pessoal, do Apelante pelos danos sofridos pelo Autor/Apelado; 3.2.

Da culpa do lesado; 3.3.

Da incomunicabilidade da dívida.” Em acórdão proferido em 25/1/2021, o TR... decidiu rejeitar o pedido de descida dos autos com base no art. 662º, 2, d), do CPC, rejeitou a alteração da decisão sobre a matéria de facto e julgou a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.

5.

Novamente sem se resignarem, os Réus condenados interpuseram recurso de revista para o STJ, normal (por insubsistência da “dupla conformidade”, que alegam e sustentam) quanto ao segmento relativo à questão da “incomunicabilidade da dívida”, e excepcional quanto às demais questões de direito decididas, invocando para o efeito o art. 672º, 1, a) e b), do CPC.

Apresentaram contra-alegações: — o Autor, invocando a “dupla conformidade decisória” em todos os segmentos decisórios, o que obsta ao conhecimento da revista normal interposta, assim como pugnando pela inadmissibilidade da revista excepcional; — a «Ageas Portugal – Companhia de Seguros, S.A.», igualmente sustentando essa “dupla conformidade decisória” em todos os segmentos decisórios e seu reflexo no objecto da revista normal, e pugnando pela improcedência do demais impugnado em sede de revista excepcional.

6.

Incidindo a revista sobre as als.

  1. e d) do dispositivo decisório correspondente à sentença de 1.ª instância, reapreciada pela Relação: — foi proferida Decisão Singular pelo aqui Relator, na qual se dispôs (i) não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista normal (tendo em conta a existência de “dupla conformidade decisória” na fundamentação coincidente das instâncias no que toca à questão de direito relativa à “(in)comunicabilidade da dívida” assente na indemnização decretada: Conclusões II. a V.

e LIX. a LXXIV.

), e (ii) ordenar a remessa dos autos à Formação prevista no art. 672º, 3, do CPC, para análise e verificação da admissibilidade do recurso de revista excepcional (Conclusões VI. a XVII.

e XXV. a LVIII.

); — foi proferido Acórdão pela Formação Especial do STJ, que admitiu a revista excepcional para “apreciação da responsabilidade civil extracontratual por danos causados no exercício de actividade perigosa pelo Réu BB, previsto pelo artigo 493º, nº 2 do CCivil, aquando este se encontrava a cortar o mato e desfazer a palha do terreno agrícola, com a utilização de uma máquina agrícola denominada capinadeira”.

Consignados os vistos nos termos legais, cumpre apreciar e decidir.

II) APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS 1. Objecto do recurso De acordo com a decisão da Formação, o tema recursivo delimita-se na aplicação do regime do art. 493º, 2, do CCiv. ou, em alternativa, do art. 503º do CCiv.

à situação descrita, com as consequências decorrentes da disciplina legal de cada uma das hipóteses de enquadramento normativo em sede de responsabilidade civil.

Tendo em conta esta delimitação, devem ser consideradas as Conclusões XXV. a XXXVII.

, a saber: “XXV. Como se conclui pela leitura atenta da motivação de direito da Sentença de primeira instância, considerou o Tribunal que “a utilização de máquinas agrícolas como a dos autos, é uma actividade notoriamente perigosa, matéria sobre a qual as partes não divergem, perigosidade expressamente assumida pelos réus no seu articulado de contestação, perigosidade, quer pela sua natureza, quer pela natureza dos meios que emprega”, resultando inquestionável que a sobredita Sentença moveu-se dentro dos trâmites do art.

493.º, n.º 2, do Código Civil.

  1. Sobre essa questão decidenda, juízo idêntico resultou doAcórdão sub specie.

  2. Não podemos, no entanto, olvidar que o uso da capinadeira é reconduzível a um outro regime de responsabilidade civil, maxime o da responsabilidade objetiva por acidentes causados por veículos (art. 503.º Código Civil).

  3. Importadestacar queotermoVEÍCULO deveser encaradoemsentidolatíssimo, e é que com muita sagacidade que escreve RAUL GUICHARD, in Brandão Proença (coord.), Comentário ao Código Civil.

    Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral, Universidade Católica, 2018, pág. 402, que: “O veículo, como se disse, tendencialmente qualquer máquina de locomoção (de coisas ou pessoas) que circule em terra, não tem de ser motorizado (nem releva a forma da sua motorização, indubitavelmente carros elétricos cabem aqui), o modo de tração não importa (não tem de se tratar de...

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