Acórdão nº 260/22 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 260/2022

Processo n.º 863/20

Plenário

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Por decisão de 24 de outubro de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Socialista (PS), relativas à campanha eleitoral para a eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores – cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, “LFP”) e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, “LEC”).

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Deficiente preenchimento da lista de ações e meios, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005;

b) Ações e meios não refletidos nas contas de campanha – subavaliação de despesas, em violação do dever genérico previsto no disposto no artigo 12.º da Lei n.º 19/2003, aplicável ex vi artigo 15.º, e dos n.ºs 1, 2 e 6 do artigo 16.º, todos da Lei n.º 19/2003;

c) Existência de despesas inelegíveis, em violação do disposto no artigo 19.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003;

d) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, em violação do artigo 16.º da Lei n.º 19/2013;

e) Existência de deficiências no suporte documental de algumas despesas e/ou inexistência de elementos complementares de análise, em violação do artigo 15.º da Lei n.º 19/2003;

f) Existência de deficiência da informação prestada, em violação do dever de organização contabilística previsto no artigo 12.º, n.º 1, aplicável por força do n.º 1 do artigo 15.º, ambos da Lei n.º 19/2003.

2. Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PS e contra o mandatário financeiro da campanha em questão, pela prática das seguintes irregularidades verificadas naquela decisão (Processo n.º 44/2019):

1) Despesas de campanha, refletidas nas contas apresentadas, que foram realizadas fora do período de seis meses imediatamente anterior à data de eleição;

2) Insuficiente comprovação de despesas de campanha resultante de:

2.1.) Falta de demonstração da razoabilidade de despesas, em virtude de os preços contratados serem divergentes dos indicados na listagem de referência n.º 38/2013;

2.2.) Falta de demonstração da razoabilidade de despesas por ausência de comparação de preços, inexistência de elementos complementares de análise e falta de concretização no respetivo suporte documental dos materiais e serviços prestados, inviabilizando a aludida comparação.

Os arguidos foram notificados do processo de contraordenação, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 44.º, n.ºs 1 e 2, da LEC e 50.º do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro – doravante “RGCO”), tendo o mandatário financeiro para a campanha em causa, Nuno Miguel de Andrade Miranda, apresentado a sua defesa.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 31 de julho de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Partido Socialista, uma coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 5.964,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido Nuno Miguel de Andrade Miranda, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 5 (cinco) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 2.130,00 (dois mil cento e trinta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

3. Inconformados, os arguidos impugnaram esta decisão junto do Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC, e do artigo 9.º, alínea e), da LTC, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:

«A. A ECFP aplica ao arguido PARTIDO SOCIALISTA, a sanção de coima no valor de 14 (catorze) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de €5.64,00 (cinco mil novecentos e sessenta e quatro euros).

B. E ao arguido NUNO MIGUEL DE ANDRADE MIRANDA, a sanção de coima no valor de 5 (cinco) SMN de 2008, o que perfaz a quantia de €2.130,00 (dois mil cento e trinta euros).

C. Alega que os ora arguidos praticaram (alegadamente, diga-se) ambas as infrações melhor descritas nos pontos 5. a 5.6., e 6. a 6.6. dos factos provados (para cuja descrição se remete), a título de DOLO EVENTUAL.

D. Considera como violado o artigo 12° ex vi artigo 15º n.º 1 da Lei n.º 19/2003, e cuja violação conduz ao preenchimento do elemento subjetivo da contraordenação em apreço por força do artigo 31° n.º 1 e 2 da identificada lei.

E. O Partido Socialista e seu Mandatário financeiro aqui arguidos não aceitam a decisão condenatória, pois que não praticaram qualquer infração ou irregularidade, o que vai ficar aqui provado junto do Tribunal Constitucional.

F. Refere a ECFP, que “…não foram apresentados elementos complementares de comparações de preços que permitissem concluir sobre a razoabilidade das despesas face aos valores de mercado (…)”

G. Conforme largamente explicitado na resposta, da norma incriminatória, não resulta qual o fundamento da tal razoabilidade, não se extraindo da norma do artigo 12º supratranscrito, qual, ou quais as razoabilidades que estão em causa.

H. A entidade administrativa fiscalizadora e decisória não esclarece que tipo de razoabilidade está em causa - Razoabilidade, dos montantes? Será? Razoabilidade, no tipo de despesa? Será? Ficamos sem saber, pelo que daí não pode resultar qualquer condenação…

I. Apenas refere que a infração exclusivamente sustentada no seguinte facto - Falta de demonstração da respetiva razoabilidade.

J. Conforme se comprova do texto acusatório, se uma coisa que não existe é a determinabilidade do tipo legal, uma vez que é pura e simplesmente ininteligível qual ou quais os normativos violados, afetando, na sua totalidade o princípio da legalidade invocado supra (cfr. aprofundado na terceira nota prévia supra – ponto II das alegações).

K. Na decisão que deu origem aos presentes autos de contraordenação, nem agora através da acusação aqui sob recurso, é feita prova da alegada infração, bem sabendo que o ónus da prova cabe – “in casu” – ao Estado, através dos seus agentes/ órgãos.

L. Pelo que a acusação agora notificada aos ora arguidos é NULA, não podendo subsistir, nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos.

M. Por outro lado, e não menos importante, os factos que sustentam a presente condenação em relação a todas as infrações são insuficientes ou inadequados para concluir pela existência de qualquer infração contraordenacional.

N. O auto de notícia não menciona – claramente – “os factos que constituem a infração, e as circunstâncias em que foi cometida”, sendo que no caso em concreto tais “circunstâncias”, porque factuais, se apresentavam de extrema importância para indicar e sinalizar que, ou que tipo de infração está em causa.

O. Com efeito, como já referido anteriormente, o auto de notícia apresenta-se amputado de factos, conclusivo, vago e genérico, viciado pela ausência de uma concreta factualidade sinalizadora do (alegado) comportamento infrator dos arguidos, com todas as suas consequências e reflexos em termos acusatórios, quer como delimitador do próprio libelo acusatório e sustentáculo-básico de uma posterior decisão condenatória, quer ainda, e não menos importante, no quadro e em parâmetros do cabal exercício de um direito de defesa por parte dos arguidos.

P. A verdade é que a totalidade dos vícios imputados ao auto de notícia estão vertidos na acusação aqui sob recurso.

Q. E muito embora estejamos no domínio do direito contraordenacional prevenido no RGCO, não se pode ignorar nem minimizar, tal como já foi enquadrado mais acima, o apelo que nos arts. 32º e 41° se faz ao direito penal e processual criminal, corno direito subsidiário, com todas as suas consequências.

R. Assim, e consequentemente, há que considerar nula a acusação aos arguidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41º n.º 1, do DL 433/82 e al. b) n.º 3 artigo 283° do CPP.

S. A ECFP lavra em erro na interpretação de tal inciso legal, na medida em que a incerteza, ou a falta dela, não tem qualquer arrimo ao dispositivo legal invocado pela entidade administrativa.

T. E não se diga que da leitura do disposto na Lei nº 19/2003 (na redação atual) se retira tal efeito da razoabilidade, na medida em cabe à entidade fiscalizadora (e também sancionadora) indicar qual ou quais os normativos violados, e não aos arguidos fazer um juízo de prognose no sentido de tentar perceber qual a norma violada e em que medida concreta o seja.

U. Logo, e recorrendo à transcrição da norma do artigo 12º ex vi artigo 15º, não se retira qual a razoabilidade, na regularização das despesas, ou falta dela, que a ECFP viu, ao ponto de acoimar o Partido Socialista e o seu responsável financeiro ora arguidos.

V. Ora, a lei, in casu o artigo 12° (na terminologia utilizada pela entidade administrativa a fls.12 da acusação) transcrito, não refere, nem remete para outras normas, que sustentem a tesis da razoabilidade, invocada pela ECFP.

W. Nem o legislador ao longo de todo o diploma legal faz qualquer referência à matéria da razoabilidade da despesa, nem se extraindo da Lei o que tal significa, muito menos a título de infração contraordenacional.

X. Tudo para invocar aqui a inexistência de infração descrita no ponto 5. a 5.6 e ponto 6. a 6.6 dos factos provados, devendo a presente acusação ser liminarmente arquivada, atenta a nulidade já...

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