Acórdão nº 262/22 de Tribunal Constitucional (Port, 05 de Abril de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução05 de Abril de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 262/2022

Processo n.º 186/21

Plenário

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Por decisão de 26 de fevereiro de 2019, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, «ECFP») julgou não prestadas as contas anuais, referentes a 2016, do Partido Liberal Democrata (PLD) [artigo 32.º, n.º 1, alínea a), da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro – Lei da Organização e Funcionamento da ECFP, doravante, «LEC»)].

2. Na sequência dessa decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou processo contraordenacional contra o PLD e contra Francisco José Rodrigues de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do Partido, pela violação do dever de entrega das contas anuais (Processo n.º 48/2019).

3. No âmbito do processo contraordenacional instaurado, a ECFP, por decisão de 18 de novembro de 2020, declarou extinta a responsabilidade contraordenacional do PLD e aplicou a Francisco José Rodrigues de Oliveira, na qualidade de responsável financeiro do Partido Liberal Democrata (PLD) nas contas anuais de 2016, uma coima no valor de € 2.130,00, equivalente a 5 (cinco) SMN de 2008, pela prática da contraordenação prevista e sancionada pelo artigo 29.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante “LFP”).

4. Inconformado, o arguido recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 23.º e 46.º, n.º 2, da LEC e do artigo 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, «LTC»), através de requerimento com o seguinte teor (cf. fls. 43-44):

«I. DO ENQUADRAMENTO

Algures em 2006, aceitei o repto que me foi lançado e partimos na aventura de tentar MUDAR PORTUGAL, através da constituição de um novo Partido Político, que acabou por nascer em 2007: MMS - Movimento Mérito e Sociedade.

O Partido em questão, apenas se apresentou a Eleições em 2009 (aos três atos eleitorais desse mesmo ano, europeias, legislativas e autárquicas], tendo recebido EXCLUSIVAMENTE donativos individuais, de acordo com a Lei.

Ainda cheio de “sonhos” e de uma imensa vontade de MUDAR PORTUGAL, acabei por ser eleito Presidente do Partido (em 2010), tendo promovido a alteração da sua denominação para PLD - Partido Liberal Democrata, visando a criação em Portugal de um Partido de matriz social liberal, colocado exatamente ao CENTRO (entre PS e PSD, portanto).

[…]

Talvez não isento de falhas processuais e de alguma inexperiência inerente ao amadorismo de um processo de constituição de um Partido, de raiz, APENAS VIVEMOS DE DONATIVOS ÍNDIVIDUAIS...NUNCA, REPITO, NUNCA obtivemos qualquer subvenção dos impostos dos Portugueses e acabámos, isso SIM, por pagar TUDO o que devíamos... Não houve NENHUM FORNECEDOR (mesmo os pequenos...) que não tivesse recebido TUDO o que estava em aberto!

Desde 2011 que o Partido NÃO TEVE QUALQUER receita de qualquer espécie, tendo, inclusive, enviado o saldo residual de que dispunha junto do Balcão da CGD na Assembleia da República (penso que cerca de 13 euros...) em cheque emitido ao próprio tribunal constitucional, quando foi solicitada a extinção do PLD, em 2014...

[...]

II - DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO

Sendo VÁRIAS as irregularidades da V. Missiva – como dirigir a “carta” ao Partido – já extinto – mas com a morada da minha habitação própria e permanente (como foram fazendo por dezenas (quase uma centena de vezes), até me continuar a ser atribuída a responsabilidade de “Responsável Financeiro” de um Partido EXTINTO DESDE 2014, (a seu tempo se saberá porque só o foi em 2019, depois de pedida a extinção em 2014...) tudo serviu e serve para “culpabilizar” quem cometeu a “heresia” de achar que seria com um novo partido que se mudaria o que quer que fosse neste nosso Portugal...

Para além de TODOS OS PRAZOS indicados para os atos aqui supostamente referidos – EM QUE A PRESCRIÇÃO É EVIDENTE – mais não me resta do que apresentar o meu maior e mais profundo REPÚDIO pela punição que me querem infringir, deixando bem claro que a meu “suposto ato ilícito” foi ter acreditado na democracia e ter promovido a pluralidade, sem que NUNCA o Estado tenha sido lesado com a minha conduta...

É-me atribuído um qualquer “dolo eventual” numa organização de base de um “partido” que já em 2012 não teve receitas nem despesas, sendo ÓBVIA A MINHA TOTAL AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DIRETA... AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE. QUE É. ESTAMOS PERANTE FACTOS QUE A TER OCORRIDO. DIZEM RESPEITO A 2012. PELO QUE SE IMPUGNA TODA E QUALQUER DECISÃO DE APLICAÇÃO DE QUALQUER COIMA.

Qualquer não-conformidade, aos olhos de Lei que regula o funcionamento dos Partidos Políticos em Portugal, nas contas de um Partido já extinto, que não prejudicou em 1 Euro o erário público (essa Lei é “cega” quanto à Subvenção do Estado, como V. Exas. da ECFP bem sabem...), visando APENAS e AGORA a penalização individual de quem quer que seja é INAPROPRIADA, INVEROSÍMEL e manifestamente INJUSTA, sendo clara a PRESCRIÇÃO (Artigo 27º do RGCO - DL n.º 433/82 de 27 de outubro de qualquer eventual coima a aplicar, pelo que muito gentilmente solicito que seja revista a V/ Decisão.».

5. Recebido o requerimento de recurso, a ECFP, ao abrigo do artigo 46.º, n.º 5, da LEC, sustentou a decisão recorrida e determinou a remessa dos autos ao Tribunal Constitucional.

6. O Tribunal Constitucional admitiu o recurso e ordenou a abertura de vista ao Ministério Público, nos termos do n.º 1 do artigo 103.º-A da LTC.

7. O Ministério Público emitiu parecer sobre o recurso, pronunciando-se pela sua improcedência (cf. fls. 58-63).

8. O arguido, regulamente notificado, apresentou resposta ao parecer do Ministério Público, reiterando, no essencial, os argumentos expostos no recurso (cf. fls. 67-69).

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

A. Considerações gerais sobre o novo regime de fiscalização das contas dos partidos e das campanhas eleitorais

9. A Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, veio alterar, entre outras, a LFP e a LEC, introduzindo profundas modificações no regime de apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e no regime de aplicação das respetivas coimas.

Considerando que à data de entrada em vigor desta lei – 20 de abril de 2018 (artigo 10.º) – os presentes autos aguardavam julgamento respeitante à legalidade e regularidade das contas, tal regime é-lhes aplicável, nos termos da norma transitória do artigo 7.º da referida Lei Orgânica.

A respeito do novo regime legal, quer quanto à competência de fiscalização, quer no que respeita ao regime processual, foram desenvolvidas algumas considerações no Acórdão n.º...

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