Acórdão nº 6/16.8T8PBL-A.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

Em 02.3.2016, AA deduziu oposição por embargos à execução que lhe é movida por Novo Banco, S. A. a qual havia sido instaurada em 28.12.2015, pedindo que os presentes embargos sejam julgados procedentes.

Alegou, em síntese: a livrança dada à execução foi preenchida abusivamente pela exequente, uma vez que não o poderia ter sido na medida em que apenas estava autorizado a preencher o Banco Espírito Santo, S. A. (BES); a garantia dada pelo aval cessou no termo do prazo fixado no contrato - 90 dias -, não estabelecendo o contrato que as garantias acompanham a renovação do empréstimo; nunca lhe foi explicado que o aval se pudesse prolongar para além do prazo do empréstimo, e a sociedade devedora chegou a pagar totalmente a conta caucionada em 2010; renunciou ao cargo de administrador da sociedade devedora em 2008, facto registado em 2009; a exequente/embargada sabia que o executado/embargante já não era administrador da sociedade e ainda assim preencheu a livrança (em 30.10.2015 - Cf. o documento reproduzido a fls. 142 do processo físico.), sendo que voltou a permitir a utilização do saldo da conta caucionada (depois de pago o montante devido) sem comunicar ao opoente/avalista e numa altura em que este já não era administrador da sociedade; a exequente/embargada actua em abuso de direito.

  1. A exequente/embargada contestou, referindo, além do mais: é parte legítima na execução, face à transferência de activos operada do BES; a livrança foi subscrita para garantia do incumprimento das obrigações assumidas no contrato celebrado com a sociedade A..., S.A., sendo o crédito reutilizável como ficou a constar do contrato, para além dos 90 (noventa) dias fixados; é irrelevante a renúncia ao cargo de administrador na medida em que tal não extingue o aval prestado. Concluiu pela improcedência dos embargos.

  2. Proferido saneador-sentença, objecto de recurso, a Relação determinou o prosseguimento dos autos para realização de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do art.º 591º do Código de Processo Civil (CPC).

  3. Observado o assim determinado, foi então proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de (i)legimitidade activa, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

  4. Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 03.5.2021, julgou improcedentes, por não provados, os presentes embargos à execução.

  5. Inconformado, o executado/embargante apelou.

  6. O Tribunal da Relação conheceu da apelação e veio a negar-lhe provimento, confirmando a sentença, sem voto de vencido.

  7. O executado, não se conformando, veio interpor recurso de revista – normal e excepcional – no qual formulam as seguintes conclusões (transcrição): 1.ª - O Supremo Tribunal de Justiça pode “cassar uma decisão sustentada em determinado facto cuja prova, dependente de documento escrito, foi declarada a partir de depoimento testemunhal, de documento de valor inferior, de confissão integral ou de presunção judicial. Por outro lado, deverá também introduzir as modificações na decisão da matéria de facto que se revelarem ajustadas quando, por exemplo, tenha sido descurado o valor probatório pleno de determinado documento”, ABRANTES GERALDES, Ob. Cit., 2.ª edição, pág. 344.

    1. - O art.º 344.º do Cód. Civil configura a presunção legal, regulada no artigo 350.º, preceitos violados na decisão recorrida, como um caso de inversão do ónus da prova. O beneficiário da presunção não precisa de provar o facto que lhe aproveita (facto presumido), como sucederia se se aplicassem as regras legais do artigo 342.º n.º 1 e 2, mas é à outra parte que cabe a prova que o facto presumido não ocorreu. O mesmo se aplica aos outros casos de inversão do art.º 344.º n.º 1 e 2 do Cód. Civil: em vez de certo facto, por exemplo, o cumprimento ter de ser demonstrado pela parte, segundo as regras gerais, é o facto contrário, no caso, o incumprimento que tem de ser demonstrado pela outra parte.

    2. - Por lapso o recorrente alegou que tinha renunciado ao cargo de administrador em 2008. No entanto essa posição foi retificada na audiência prévia realizada em 21-01-2020 e foi inserido após os temas de prova que, “designadamente os seguintes pontos da matéria de facto alegada: - Se após a cessão de funções do cargo de administrador o embargante teve contacto …”.

    3. - Da existência de presunção legal, artigo 11.º do Cód. Registo Comercial, que nos termos do artigo 350.º n.º 2 do Cód. Civil, impunha decisão diferente sobre o ponto 9 da matéria de facto, impunha que se extraíssem as devidas consequências da prova dos factos registados no Registo Comercial e determinava que se desse por provado outro facto que decorrendo do registo é oponível ao recorrido que não pode dizer que não tinha conhecimento.

    4. - O registo comercial visa dar publicidade a determinadas situações jurídicas comerciais. É “uma publicidade organizada pelo Estado, através dos serviços públicos competentes e mais: de uma publicidade tornada, no essencial, obrigatória por lei. … Quem se submeta a registo há-de ter alguma vantagem. E quem adira ao que o registo proclame merecerá, também, uma certa proteção: decorre de fé pública”, aut., ob. e loc. Cits..

      O primeiro efeito que resulta do registo comercial é presuntivo, art.º 11.º Cód. Reg. Comercial, sendo a presunção derivada do registo comercial, de acordo com a regra geral do artigo 350.º n.º 2 do Código Civil, artigos estes todos violados na decisão recorrida, pode ser ilidida mediante prova do contrário.

    5. - Do ponto dado como provado sob o n.º 9, no Acórdão recorrido afirma-se que para além da certidão junta de fls. 15, “nenhuma outra prova se produziu nos autos a respeito desta problemática”. Sendo assim, não foi feita prova do contrário que consta da presunção que a seu favor tem o recorrente e inserido nos temas de prova, ou seja, o recorrido beneficia da presunção que sem prova do contrário tem de ser dado por assente.

      O ponto 9 dos factos assentes pela existência de presunção legal que foi violada na decisão recorrida e impunha decisão diferente da que foi proferida deve ser alterado para: “O executado/embargante cessou as suas funções de administrador da sociedade “A..., S.A.”, em 2008, tendo sido registados novos administradores em 23 de junho de 2009, devendo pela existência de presunção legal não ilidida ser dada por assente esta matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça ou ser ordenado ao Tribunal da Relação ... que altere a decisão da matéria de facto pela existência de presunção legal a favor do recorrente.

    6. - Foi dado por não provado que o embargado tivesse conhecimento do descrito em 9) dos Factos provados ou que lhe tenha sido dado esse conhecimento pelo embargante. Para dar por não provado este facto, afirma-se que nenhuma prova foi produzida. que a factualidade não apurada resultou da ausência de prova que a permitisse sustentar.

    7. - Não foram extraídos do documento autêntico, certidão do registo comercial, os efeitos do registo comercial pois o recorrente beneficia da presunção a seu favor do Registo Comercial, tendo a prova do contrário de ser feita pelo recorrido.

      Atendendo às funções de publicidade do Registo Comercial artigo 1.º n.º 1 Cód. Reg. Comercial, o recorrido tinha que ter conhecimento da cessação de funções do recorrente, sendo-lhe este facto oponível, artigos 3.º n.º 1 m) e 14.º do Cód. Registo Comercial, artigos violados na decisão recorrida. Quando o banco contratou sabia que a duração do cargo de administrador do embargante era limitado por um período temporal, o que se encontrava registado e o banco no momento da contratação sabia e tinha de saber. Por beneficiar da presunção legal, por o recorrido não a ter ilidido e por o banco quando contratou ser conhecedor que o tempo da administração era limitado no seu exercício, de 2006 a 2008, conforme certidão do registo comercial junta o facto dado por não provado, tem, ao invés de ser dado por assente, devendo-se, por conseguinte, alterar a matéria de facto.

    8. - Deve, por conseguinte, ser dado por assente, atendendo à presunção decorrente do Registo Comercial e do Cód. Civil e ausência de prova do contrário, que: O embargado recorrido sabia quando contratou com a A..., S.A. que o mandato de administrador do embargante recorrente terminava em 2008, devendo pela existência de presunção legal não ilidida ser dada por assente esta matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça ou ser ordenado ao Tribunal da Relação ... que altere a decisão da matéria de facto pela existência de presunção legal a favor do recorrente.

    9. - Da existência de presunção legal, artigo 380.º do Cód. Civil, que de acordo com o disposto no artigo 350.º n.º 2 do Código Civil, artigos esses violados na decisão, impunha decisão diferente sobre o ponto 9 da matéria de facto determinava que se extraíssem as devidas consequências da prova dos factos registados no Registo Comercial tendo como consequência que se desse por provado outro facto que, decorrendo do registo, é oponível ao recorrido.

    10. - Existem algumas regras especiais no que tange a uma categoria especial de documentos, onde se inserem os extratos bancários onde se anotam pagamentos e respetiva sua força probatória. Os registos e outros escritos onde alguém tome habitualmente conta dos pagamentos que recebe fazem prova contra o seu autor, nos precisos termos do artigo 380.º do Cód. Civil, que tem uma força probatória geral contra o seu autor, no tocante aos pagamentos que lhe sejam efetuados.

      Trata-se de uma presunção que o autor desses documentos pode provar por qualquer meio que a nota onde foi anotado o pagamento não corresponde à verdade.

    11. - O extrato junto aos autos, da conta com o número ...61, referente ao financiamento a que a livrança diz respeito, com o n.º ...61/07, não tem qualquer correspondência com o extrato n.º ...29, datado de 12-11-2014. No extrato 5/2014 datado de 1-05-2014 referente à conta com o número ...61, constam duas transferências da...

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