Acórdão nº 251/17.9T8VIS.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

AA, por si, e na qualidade de liquidatário e sócio único da F..., Unipessoal, Lda. — doravante F..., Unipessoal, Lda. — veio requerer a reforma do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20 de Janeiro de 2022, “ao abrigo do artigo 616.º, n.° 2, alínea a), ex vi [do] artigo 666.° e 685.° todos do Código de Processo Civil”.

  1. — FUNDAMENTAÇÃO 2.

    O art. 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil é do seguinte teor: 2. — Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

    1. A doutrina e a jurisprudência chamam constantemente a atenção para que o texto do n.º 2 do art. 616.º do Código de Processo Civil pressupõe um lapso manifesto, revelado por referência a elementos exteriores [1].

      Ora, como se escreve no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 2010, proferido no processo n.º 364/04.4TBPCV.C1.S1, “lapso manifesto será o erro grosseiro, um evidente engano, um desacerto total no regime jurídico aplicável à situação ou na omissão ostensiva de observação dos elementos dos autos”.

    2. Entre os casos de lapso manifesto na determinação da norma aplicável estão aqueles em que o juiz aplique uma norma que não esteja em vigor, p. ex., por ter sido revogada, e aqueles em que o juiz não aplique uma norma que esteja em vigor [2]. Entre os casos de lapso manifesto na qualificação jurídica dos factos, ou seja, na coordenação dos factos às normas aplicáveis, estão aqueles em que haja “ofensa de conceitos… elementares”, ou de “princípios elementares de direito” [3].

    3. Entre os casos de lapso manifesto na apreciação das provas estão aqueles em que “o juiz… não repare que está feita a prova documental, por confissão ou por admissão de certo facto, incorrendo assim em erro grosseiro que determine a decisão… tomada” [4].

    4. Como se escreve no sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2009 — proferido no processo n.º 08A2680 —, “O incidente de reforma não deve ser usado para manifestar discordância do julgado ou tentar demonstrar error in judicando (que é fundamento de recurso) mas apenas perante erro grosseiro e patente, ou aberratio legis, causado por desconhecimento, ou má compreensão, do regime legal” [5].

    5. Os fundamentos do requerimento de reforma deduzido pelo Requerente AA dividem-se em duas partes: I. — Considerações introdutórias; II. — Do direito.

    6. A primeira parte — Considerações introdutórias — transcreve o acórdão impugnado.

    7. A segunda parte — Do direito — transcreve, praticamente palavra por palavra, a alegação e/ou as conclusões do recurso de revista.

    8. As conclusões n.º 1-14 do recurso de revista dizem o seguinte: 1 - O recorrente não se conforma com a decisão proferida, porquanto a mesma fez menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.

      2 – Atenta a matéria de facto dada como provada em 1.1. a 1.73. e supra elencada, impunha-se a interpretação e aplicação do direito ao caso concreto a seguir detalhada.

      3 - Entre o A., a título pessoal e individual, e a R. foi celebrado um acordo pelo qual a R. se obrigou a vender os produtos, por si produzidos, distribuídos e comercializados, ao A., desde logo, cervejas, vinhos, refrigerantes e águas, tendo o A. obrigando-se a comprá-los e a revendê-los a terceiros, por tua conta e de modo estável com o intuito lucrativo na circunscrição territorial dos concelhos ... e ..., com inicio em 1991.

      4 - Para o efeito, o A. adquiriu um terreno onde construiu um armazém tipo industrial, sito na Estrada ..., Lugar ..., ... ..., União das Freguesias ... e ..., concelho ..., distrito ..., com área de 500 m2, destinado ao comércio e serviços em construção tipo industrial, com ... piso e ... divisão, inscrito na matriz sob o artigo ...55º, cuja titularidade pertence ao A. em propriedade plena, assim como, adquiriu veículos automóveis, entre eles, o veículo ligeiro de mercadorias, de marca ..., ..., matrícula ..-..-HE e o veículo ligeiro de passageiros, de marca ..., matrícula ..-..-RP e diverso equipamento de escritório e de apoio à atividade, tendo ainda procedido ao caucionamento de barris e tubos CO2 pela liquidação à R. dos valores por esta atribuídos ao vasilhame que em 30 de Setembro de 2002 era de 9 645,00 €, que o A. pagou à R. conforme Aviso de Lançamento nº ...09.

      5- A partir do mês de Julho de 2009, foi fixado em 15 185,00 €, de acordo com o aviso de lançamento da R. com o Nº ...84, com data de 30 de Junho de 2009 a ser pago pelo A. à R. em 12 prestações mensais, de 1 265,41 €, das quais o A. pagou à R. as prestações mensais de Julho de 2009 a Dezembro de 2009, no valor total de 7 592,50 €, tudo conforme cumprimento de exigência da R..

      6– A R. sempre garantiu ao A. que os investimentos efetuados se justificavam por se tratar de uma relação comercial sólida, estável, duradoura, por tempo indeterminado e para toda a vida e no que o A. sempre acreditou e confiou e assim contratou com a R., situação que se manteve até ao ano de 2009.

      7 – Em 22 de Agosto de 2008, foi constituída a S... Unipessoal, Lda com a natureza jurídica de sociedade comercial unipessoal por quotas e com o objeto social de comércio e distribuição de bebidas, comércio de outros produtos alimentares cujo capital social ascendeu a 5 000,00 €, o qual foi distribuído pela quota de 5 000,00 €, pertencente ao A. como sócio único, tendo o A. transmitido para esta a sua posição contratual composta pelos direitos e obrigações que lhe advieram do acordo que havia celebrado com a R., tendo esta, quer antes, quer depois da cessão, consentido na transmissão.

      8 - A F..., Unipessoal, Lda passou a comprar à R. as cervejas, vinhos, refrigerantes e águas, por ela produzidos e comercializados, e a revendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável, com intuito lucrativo, na circunscrição territorial dos concelhos ... e ..., mas, sempre em exclusividade para a R., com o seu apoio e supervisão, passando a usar, gozar e fruir do armazém do A. a título gratuito, por mera tolerância e especial favor para depósito e stock dos produtos comprados à R. para e teve de adquirir outro material de escritório, bem como, do material de escritório e dos veículo automóveis tendo esta sociedade ingressou nos direitos e obrigações relativas ao caucionamento do vasilhame – barris e Tubos de CO2, designadamente no valor de 9 645,00 € conforme Aviso de Lançamento nº ...09 da R., e nessa sequencia, com os direitos e obrigações que eram do A. referentes às prestações mensais de Julho de 2009 a Dezembro de 2009, no valor total de 7 592,50 € do Aviso de Lançamento da R. Nº ...84.

      9 – A F..., Unipessoal, Lda pagou à R. a parte remanescente do caucionamento do vasilhame – barris e Tubos de CO2 correspondente ao Aviso de Lançamento Nº ...84 no valor referente às prestações mensais de Janeiro a Julho de 2010, no total de 7 592,50 € e procedeu ao pagamento à 1ª R. da atualização do Caucionamento de Vasilhame – Barris e Tubos de CO2, constante do aviso de lançamento ...12, no valor total de 6 089,52 € para acerto de preço de caucionamento de vasilhame à data de 1 de Maio de 2011.

      10 - A R. exigiu, da F..., Unipessoal, Lda a atualização do caucionamento do vasilhame antigo no valor de 24 830,00 €, que a sociedade teve que pagar à R., tendo ainda exigido o caucionamento do vasilhame novo pelo valor de 2 840,00 €, que a sociedade pagou à R. sendo que todo o vasilhame se encontra, neste momento, a circular na rede comercial da zona que estava adstrita à sociedade.

      11 - A sociedade contraiu ainda junto da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL, uma garantia bancária a favor da 1ª R, destinada a garantir o bom e pontual cumprimento de todas as obrigações do requerente perante a R., com validade por um ano, automaticamente renovável por períodos iguais e sucessivos, e pelo valor de 25 000,00 €, prestada com data de 16 de Julho de 2010, tendo ficado como fiador das responsabilidades o A. a título individual.

      12 - Por carta registada com A/R, com data de 24 de Setembro de 2015, a R. denunciou o relacionamento contratual e comercial de distribuição que vinha mantendo com a F..., Unipessoal, Lda. a produzir efeitos no dia 31 de Dezembro de 2015, cuja cópia enviou à F..., Unipessoal, Lda. por carta com dará de 29 de Setembro de 2015.

      13 - A relação contratual entre a F..., Unipessoal, Lda. e a R. cessou os seus efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2015, por decisão unilateral da R..

      14 - O contrato de concessão comercial é um “contrato de distribuição comercial” que tem lugar essencialmente, em situações que exigem elevados investimentos e em que o produtor dos bens ou serviços a distribuir não quer ou não pode efetuá-los diretamente, tratando-se de “um acordo pelo qual uma das partes (o concedente) se obriga a vender os produtos por si produzidos (o concessionário), a qual se obriga a comprá-los e a (re)vendê-los a terceiros, por sua conta e de modo estável”.

    9. Os fundamentos de direito do recurso de revista dizem o seguinte: Nas palavras de Menezes Cordeiro “o contrato de concessão «é um contrato atípico e inominado e que tem sido definido como aquele no qual uma pessoa – o concedente – reserva a outra – o concessionário – a venda de um seu produto, para revenda, numa determinada circunscrição», correspondendo a um esquema destinado a distribuir produtos de elevado valor, com exemplo clássico nos veículos automóveis. Efectivamente, o sector dos veículos automóveis é aquele em que tradicionalmente mais se recorre à actividade de concessionários”.

      O contrato de concessão não tem base legal direta.

      Trata-se de um contrato assente na autonomia privada.

      De...

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