Acórdão nº 245/22 de Tribunal Constitucional (Port, 31 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução31 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 245/2022

Processo n.º 1281/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

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Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. propôs ação de inventário para partilha de meações contra a ex-mulher, B., no Tribunal do juízo de família e menores de Faro (Juiz 2) da comarca de Faro. Do acervo a partilhar constava um imóvel arrolado como verba 1, que, na falta de outro acordo entre os ex-consortes, estes consensualizaram vender judicialmente. A venda foi efetuada por documento particular em 16.10.2019 e pago o respetivo preço.

A. e B. reclamaram pela anulação da venda, que foi indeferida pelo Tribunal de família e menores por despacho de 17.06.2020.

Desta decisão B. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a que aderiu A., pugnando pela revogação da decisão e pela declaração de nulidade da venda e demais atos na dependência da irregularidade alegada.

Por acórdão de 17.12.2020, o Tribunal da Relação de Évora negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a decisão recorrida.

2. Ainda inconformada, B. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, a que aderiu A..

Por decisão singular de 27.04.2021, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso, entendendo que o acórdão do Tribunal da Relação era irrecorrível por regime legal próprio, não pela verificação de dupla conforme entre a decisão da 1.ª e da 2.ª instância (fls.619-621).

B. e A. reclamaram da decisão para a conferência (fls. 622-625) que, por acórdão de 08.09.2021 (fls. 631-634), indeferiu a reclamação e rejeitou o recurso.

3. B. e A. vieram depois recorrer para o Tribunal Constitucional.

Pela decisão sumária n.º 70/2022, este Tribunal decidiu não conhecer do mérito do recurso por, quanto a uma parte do respetivo objeto, a norma e interpretação normativa cuja fiscalização se peticionou não constituírem a ratio decidendi exclusiva do acórdão recorrido e, noutra, com fundamento em inidoneidade do respetivo objeto.

Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

“(…) procurando encontrar uma formulação mais clara para a primeira questão de inconstitucionalidade arguida, os recorrentes pretendem a fiscalização da norma previsiva do artigo 854.º do CPC, na interpretação segundo a qual o preceito (estatutivo da preclusão de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça) é aplicável à venda judicial realizada em ação especial de inventário. Apontam a esta interpretação normativa a violação do “acesso ao Direito e à justiça no âmbito de um Estado de Direito democrático, violando os princípios constitucionais de acesso ao direito e da igualdade, consagrados nos artigos 20.º e 13.º” da Constituição da República.

A utilidade do recurso de fiscalização respeitaria à circunstância de, afastando a aplicabilidade do artigo 854.º do CPC aos processos de inventário, se dever entender o acórdão do Tribunal da Relação de Évora como recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, franqueando aos recorrentes o acesso a um terceiro grau de jurisdição. Sucede, porém, que para o Tribunal “a quo” a exclusão da revista in casu não se resulta apenas desta disposição, antes é consequência também do regime de recursos em processo declarativo. Veja-se a enunciação de fundamentos no acórdão:

“- aplicando-se à venda de bens o regime do processo executivo (art.º 549º, nº 2 do CPC (…)) aplicar-se-á igualmente o respetivo regime de recursos, segundo o qual não cabe revista das decisões atinentes à venda de bens (art.º 854º do CPC); (…)

- ainda que assim não se entenda, também não é admissível revista nos termos do art.º 671º, n.º1, do CPC, porquanto o acórdão recorrido não conhece do mérito da causa nem põe termo ao processo.

- tão pouco seria de aplicar o art.º 671.º, nº 2 do CPC porquanto este normativo apenas viabilizará, segundo alguma jurisprudência deste STJ (…), o recurso de revista relativamente a acórdão da Relação que aprecie questões processuais quando esteja em contradição com acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, conforme preceituado na sua alínea b) (…) e o acórdão-fundamento invocado é um acórdão da Relação.

- ainda que, na linha da tese contrária (…) assim se não considerasse, o certo é que não se verifica a invocada contradição com o acórdão da Relação de Coimbra de 15NOV2016 (…) uma vez que não há entre o acórdão recorrido e o invocado acórdão similitude circunstancial (requisito integrador do conceito de oposição de acórdãos, segundo jurisprudência consolidada)”

É entendimento do Tribunal “a quo”, pois, que, qualquer que seja o entendimento sobre a (in)aplicabilidade do artigo 854.º do CPC às vendas judiciais em ação especial de inventário, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora nunca comportaria revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por o impedir também o regime geral dos recursos em processo declarativo, isto porque, de uma parte, o acórdão da 2.ª instância não decidiu de mérito a causa (nem lhe colocou termo) nos termos do artigo 671.º, n.º 1 do CPC, nem, por outra parte, o objeto do recurso se compreende no elenco típico de decisões interlocutórias que admitem revista, fixado no artigo 671.º, n.º 2 do CPC.

Assim, ainda que este Tribunal Constitucional concluísse pela inconstitucionalidade da norma previsiva do artigo 854.º do CPC (na interpretação que assimila à acção de inventário o regime de irrecorribilidade do processo executivo), o efeito que é próprio às decisões na presente instância (impondo ao foro “a quo” nada mais que a reforma da decisão em função desse juízo – cfr. artigo 80.º, n.ºs 2 e 3 da LTC) seria insuficiente para que os recorrentes obtivessem a utilidade do recurso de fiscalização concreta que pretendem: sempre subsistiria o juízo decisório, incontornável e insindicável nesta sede, de que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora não é passível de revista para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos gerais, ex vi artigo 671.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, persistindo intocado o juízo final de não-admissão do recurso interposto.

Significa isto, portanto, que o recurso para o Tribunal Constitucional, confinado à sindicância do artigo 854.º do CPC, se acha desprovido de utilidade e que não possui o carácter instrumental face à causa principal de que depende a sua admissibilidade, irregularidade de instância obstativa da apreciação do mérito e de cujo conhecimento se impõe em sede de exame preliminar (…)

Resta concluir, em face de todo o exposto, pela existência de vício da instância de recurso constituída, nesta parte, por falta de verificação de pressuposto processual típico e próprio do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obsta à apreciação de mérito do recurso quanto à primeira questão de inconstitucionalidade suscitada (cfr. artigos 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República e artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 79.º-C, ambos da LTC (…)

neste segundo segmento do recurso, os recorrentes insurgem-se contra o facto de não terem sido notificados da data e hora designadas para realização da escritura de compra-e-venda no âmbito da venda judicial que se achava em curso, arguindo a violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do CPC, que caraterizam como nulidade secundária (artigo 195.º n.º 1 do CPC) e que, a seu ver, resultou na preterição do seu direito a transigir sobre a causa a todo o tempo, garantido pelo...

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