Acórdão nº 7748/17.9T8PRT-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCARLOS PORTELA
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação nº 7748/17.9T8PRT-B.P1Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca ... de Execução do ...

Relator: Carlos Portela Adjuntos: António Paulo Vasconcelos Filipe Caroço Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório:Nos presentes autos de Execução Sumária (Ag. Execução) em que é exequente a Banco1..., S.A. e executados AA e BB e no âmbito do incidente de habilitação de cessionário instaurado por P..., foi proferida a seguinte decisão cujo conteúdo integral aqui se passa a reproduzir: “Veio P..., lançar mão nos presentes autos da habilitação de cessionário, nos termos do regime previsto no DL 42/2019 de 28.3.

Trata-se de um regime simplificado de habilitação, nos termos do qual: 1 - O cessionário considera-se habilitado em todos os processos em que estejam em causa créditos objecto de cessão.

2 - Para efeitos do número anterior, compete ao cessionário juntar ao processo cópia do contrato de cessão, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 356.º do Código de Processo Civil.

3 - O cedente deve informar o cessionário sobre quaisquer causas que sejam instauradas contra si respeitantes a certo crédito cedido nos termos do presente decreto-lei, no prazo máximo de cinco dias após a sua citação.

(cfr.

art.º 3.º) Por seu lado, nos termos do disposto no art.º 4.º do mesmo diploma, quanto à forma do contrato: 1 - A cessão de créditos em massa é celebrada por documento particular.

2 - O documento particular referido no número anterior constitui título bastante para efeitos do registo da transmissão dos créditos hipotecários, ou das respectivas garantias sujeitas a registo, quando contenha o reconhecimento presencial das assinaturas do cedente e do cessionário.

Ora, junto este requerimento nos termos estatuídos na lei, vieram os executados oporem-se a esta cessão, de créditos, nos termos dos requerimentos juntos a estes autos e ao apenso de embargos.

Cumpre decidir, Decorre do artigo 577º, nº1 do C.Civil que “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.

Alegam os requeridos que só com a notificação do presente incidente ficaram informados de que tinham sido cedidos os créditos que o exequente reclamara no presente processo, não tendo sido informados de tal cessão, pelo que declaram que não consentem na cessão de créditos titulados pelo documento que deu origem à presente habilitação.

Ora, caso os requeridos não tenham sido informados da referida cessão extrajudicialmente, como alegam, tal não implica que tal negócio não tenha produzido os seus efeitos entre as partes que o celebraram, sendo que tal notificação apenas se prende com a eficácia de tal negócio no que respeita ao devedor.

Com efeito, “Em relação ao devedor, a cessão de créditos só produz efeitos depois de lhe ter sido notificada ou por outro modo levada ao seu conhecimento (...)” --- Ac.

do STJ de 12.01.73, in www.dgsi.pt---, sendo que “I-A notificação ao devedor (prevista no artigo 583º do C.C.) de que o seu credor cedeu o crédito a outrem pode ser feita através da citação para a acção proposta pelo credor-cessionário contra o devedor.

II-Até à citação o crédito é inexigível porque a cessão é inoponível ao devedor (a quem até aí nada havia sido comunicado); com a citação a cessão torna-se eficaz e, por extensão, o crédito exigível nos termos do artigo 662º, nºs 1 e 2 do C.P:C.” --- Ac.

do S.T.J.

de 03.06.2004, in www.dgsi.pt--- “A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite” --- artigo 583º, nº1 do C.

Civil ---.

Acresce que tal consentimento dos devedores, designadamente dos ora requeridos, não era necessário.

Com efeito, conforme decorre da supra invocada disposição legal, a cessão de créditos configura um contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário), independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou uma parte do seu crédito.

De tal disposição legal decorrem apenas três restrições: se a cessão for interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

Ora, não existe qualquer norma legal que interdite tal cessão, ao contrário do que vem invocado pelos executados, e dos documentos juntos aos autos não decorre que tenha havido qualquer convenção das partes nesse sentido, a qual aliás, nem vem alegada pelos requeridos, restando-nos, assim, apreciar se se trata de um crédito que pela própria natureza da prestação esteja ligado à pessoa do credor, como alegam os requeridos.

É verdade que o sistema bancário possui regulamentação própria e o requerente nada disse que demonstrasse que face à lei portuguesa fosse considerada uma instituição financeira capaz de intervir em actos de compra e venda de habitação própria com o regime do crédito na qualidade de mutuante, sendo que os devedores almejam o interesse destas instituições em procurar soluções que permitissem uma resolução do problema levantado pelo incumprimento.

Todavia, daí não se pode concluir que o crédito em questão está pela própria natureza ligado à pessoa do credor.

Com efeito, o facto da cedente do crédito ser uma instituição bancária, só por si não lhe confere que o crédito pela sua natureza esteja ligado à pessoa do credor, pois se assim fosse então todos os créditos estariam ligados à pessoa do credor, por uma forma ou por outra, o que nos levaria ao caso extremo de uma instituição bancária não poder ceder o seu crédito a outra instituição bancária, sem o consentimento do devedor, pois, conforme decorre das regras da experiência, há instituições bancárias que concedem mais facilidades do que outras, que apresentam melhores propostas do que outras na concessão de créditos.

De resto, a cedência do crédito em nada contende com a retoma das prestações, caso os requeridos assim o queiram, nem dos temas da prova constantes do despacho proferido nestes autos.

Na verdade, cfr.

decorre do artigo 582º, nº1 do C.

Civil, “Na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”.

“Verifica-se a cessão de um crédito quando o credor, mediante negócio jurídico, transfere para outrem o seu direito.

Consiste, portanto, esta figura na substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.

Sublinhe-se que não se produz a substituição da relação obrigacional antiga por uma nova, mas a simples transferência daquela pelo lado activo.” --- Almeida Costa, Obrigações, 269--- Assim sendo, não careceria às partes que celebraram o mencionado negócio, designadamente ao exequente, obter o consentimento dos executados para cederem o seu crédito.

Acresce que “Porque a cessão de créditos não transmite a posição contratual do cedente - mas apenas o crédito e as suas garantias - o devedor não pode invocar contra o cessionário a excepção do não cumprimento do contrato” --- Ac.

do T.R.L., de 11.11.99, in www.dgsi.pt --- Por fim, cumpre referir que o negócio em questão observou a forma legal de imposta pela disposição legal supra citada.

Examinado o mencionado documento verifica-se que o mesmo prova que o exequente Banco1..., S.A., cedeu à requerente P...

o seu direito de crédito-exequendo, respectivas garantias e acessórios a ele inerentes.

Assim sendo, o presente incidente terá de proceder, sem prejuízo da apreciação das pertinentes questões em sede de embargos de executado, incluindo a inexigibilidade da quantia exequenda, por falta de possibilidade de retoma das prestações...

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