Acórdão nº 19151/18.9T8LSB.L1-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 23 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelSÉRGIO ALMEIDA
Data da Resolução23 de Março de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Autor (A.): AAA Ré (R.): BBB O A. demandou a R. pedindo que a) a componente designada como “complemento de desempenho” seja considerada, para todos os efeitos, como retribuição e, nessa sequência, ser a Ré condenada a considerá-lo no pagamento do subsídio de doença; b) se condene a Ré a cessar com as condutas assediantes; c) se condene a Ré no pagamento da competente indemnização por danos morais, em montante não inferior a 30.000,01 €.

Alega, para tanto, que A. e R. celebraram um contrato de trabalho em Outubro de 1999; a R. adoptou um conjunto de comportamentos assediantes contra o A., levando a que se este entrasse em situação de baixa médica desde 12/09/2013 e até à actualidade; de facto, mesmo durante a situação de baixa médica, a R. não deixou de assediar o A., uma das formas que encontrou para esse efeito, foi retirar ao A. o “complemento de desempenho” como parte integrante da retribuição do A., o que determinou a sua não inclusão no subsídio de doença que lhe tem vindo a ser pago; a conduta da R., gerou danos não patrimoniais ao A. que, pela sua gravidade, requerem a tutela do Direito.

* Não havendo conciliação a Ré contestou, impugnando a versão de facto ale-gada pelo A., pois nunca o assediou por qualquer forma; entende que o “complemento de mérito”, face ao ACT em vigor, não integra a retribuição do A., pelo que não pode ser considerado no seu subsídio de doença; os danos não patrimoniais, face à inexistência de qualquer comportamento assediante da R., devem ser desatendidos, e, caso assim se não entenda, o valor arbitrado ser fixado muito aquém do peticionado tendo em consideração a sua gravidade objectiva e a jurisprudência dos tribunal nacionais.

* Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal a quo julgou a ação improcedente e absolveu a R. dos pedidos * Não se conformando veio o A. apelar, formulando as seguintes conclusões: (…) * Contra-alegou a R., pedindo a confirmação da sentença e concluindo: (…).

* O MºPº teve vista, pronunciando-se pela procedência do recurso.

As partes responderam ao parecer.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

* FUNDAMENTAÇÃO Cumpre apreciar – considerando que o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – a sentença padece de nulidade; se a decisão da matéria de facto merece as criticas efetuadas; se houve diminuição da retribuição face à retirada do prémio de mérito (e, eventualmente, se há assédio moral do recorrente e, em caso afirmativo, com que consequências, designadamente se há lugar a indemnização por danos não patrimoniais - cfr. conclusões DD e SS).

* 1. Das nulidades O A./recorrente imputa nulidade da sentença, invocando o disposto no art.º 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil ("é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”; e “o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”).

Isto porque (E.) O Tribunal a quo tomou em consideração uma pretensa inexistência de ameaça e/ou consequência pela não interrupção da baixa médica pelo A. na reunião de 17.06.2014, e, bem assim, inexistência de nexo de causalidade entre a dita reunião e a retirada do complemento de mérito ao A. (F) Nunca foi discutido ou colocado em causa que a Ré quisesse reduzir a retribuição quando realizou a alteração informática do recibo de vencimento, decompondo em duas verbas os valores auferidos pelo Autor desde o primeiro dia ao serviço da Ré, sem qualquer interrupção durante treze anos, durante catorze vezes ao ano. (G) Foi completamente desconsiderado o documento 6, junto com a petição inicial”. (I). A redacção dos factos julgados como provados e melhor identificados com os Pontos 2 e 3, encontra-se assim desconforme com o que se encontrou em discussão no processo, bem como aos documentos juntos, não sendo possível sequer compreender qual o fundamento subjacente a tal decisão. (J) O ponto 2 dos factos provados não tem qualquer suporte documental (...). A própria Recorrida esclarece e admite na contestação que de facto o Recorrente recebia conforme está espelhado nos recibos de vencimento juntos (documentos 1 e 2 já juntos). (K.) Também não é entendível como é que o Tribunal a quo dá como provado que a 12 de Setembro de 2013, o A. entrou de baixa médica, tendo estado a receber o vencimento por inteiro durante treze meses, na medida em que o ponto 47 se dá como provado que “(…) logo em Julho de 2014, não lhe foi processado o complemento de “mérito”, no montante de 207,40 €, mas apenas a remuneração ACT no valor de 1.014,46 €”. (M.) Acresce que o ponto 3 dos factos provados está em manifesta contradição com o ponto 47 dos factos provados. Deste modo, não podia ser dado como provado o teor da reunião nos termos em que o foi, por existir manifesta contradição entre a prova testemunhal, e por se encontrar provado, por documento (...). (N.) Obscuridade com assento na contradição respaldada na sentença, quando se refere a data da aprovação do crédito e da escritura pública referente ao mencionado crédito. (Q Há) incoerência dos depoimentos quanto ao motivo da reunião (R.) Deste modo, é nula a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, uma vez que padece, nos seus fundamentos de “obscuridade que torna a decisão ininteligível”, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC.

(S) Por outro lado, o Tribunal a quo fundamenta a sentença em factos inexistentes, pois afirma que o Recorrente é detentor de vinte e sete créditos, acusando-o de ser irresponsável financeiramente, quando dos autos o que resulta era que o Recorrente apenas tinha três créditos e sem qualquer incumprimento. (U). A sentença é além do mais nula nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que o tribunal recorrido se pronunciou sobre questões de que não podia tomar conhecimento. (W). Vai ainda, além do que foi a matéria controvertida, sobre a qual se fez prova, pelo que, nunca poderia ser tido tomado qualquer conhecimento sobre tais questões, sendo, por fim, destituída de fundamento de facto e de direito. (Y). O Tribunal a quo considerou normal um processo de crédito demorar nove meses a ser aprovado porque o Recorrente tinha 27 créditos. Partiu de factos inexistentes quando avaliou a prova, completamente inquinado, retirando as erradas conclusões, pois o Recorrente não tem nem nunca teve 27 créditos Ora, vejamos.

Obscuro é aquilo cujo sentido não se divisa. A obscuridade existe quando é ininteligível o pensamento do julgador, de tal modo que não se consegue discernir para sentido da própria a decisão. Importa, naturalmente, que a decisão ou parte dela seja ininteligível. Refere Fernando Amâncio Ferreira que, na definição de Liebman, constitui um “erro ‘na expressão’, não no pensamento”.

Segundo este autor, para se afirmar a existência de um erro material, “a leitura da sentença deve tomar evidente que o juiz, ao manifestar o seu pensamento, usou nomes, palavras ou algarismos diversos daqueles que devia ter usado para exprimir fiel e correctamente as ideias que tinha em mente” - in Manual dos Recurso em Processo Civil, 8.ª edição, Coimbra, 2008, p. 48 Excesso de pronúncia existe quando a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil), “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, o que constitui cominação à violação do limite imposto na segunda parte do n.º 2 do artigo 608.º, do mesmo Código, de acordo com o qual o tribunal “não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficiosos de outras”.

Importa ter presente, como proclamou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 04-04-2017, Incidente n.º 1260/07.1TBLLE.E1.S1 - Cons.º Alexandre Reis (Rel), I - As causas de nulidade da decisão elencadas no art. 615.º do CPC visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente na mera discordância em relação ao decidido. II - A expressão “questões” prende-se com as pretensões submetidas à apreciação judicial e não se confunde com razões aduzidas pelas partes ou os argumentos e pressupostos em que as mesmas fundam a sua posição na controvérsia".

Para o A., há obscuridade da decisão de facto basicamente porque não a compreendeu, face à prova produzida. Porém, é bom de ver que não há aqui qualquer nulidade, simplesmente o recorrente não se revê na decisão, que a seu ver devia ser outra. Isto não equivale a um vício no silogismo e nem consubstancia nenhuma obscuridade, até porque a decisão é perfeitamente clara: se não está de acordo pode impugnar a decisão de facto - como faz -, o que é diverso; não há, porém, nenhum vicio lógico-formal, pelo que inexiste o vicio.

Por outro lado, o A. atribui nulidade por a decisão ter em conta um facto a seu ver mal apurado. Só que, mais uma vez, os factos impugnam-se diretamente e não por via do pretenso vício de raciocínio, que não existe: pode é haver, segundo a própria descrição do recorrente, uma premissa errada a partir da qual o raciocínio, apesar de lógico, queda inquinado (e que assim é resulta indubitavelmente da sentença, quando afirma, na fundamentação de facto: "(...) estamos a falar de 27 créditos (é o A. que os quantifica no email que troca com a sua colega, não é um numero que inventemos)"). Mais ainda: “questões” são as pretensões submetidas à apreciação judicial, não se confundindo com argumentos, razões e pressupostos, e menos...

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