Acórdão nº 197/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2022

Data17 Março 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 197/2022

Processo n.º 1243/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, A., S.A. requereu a interposição do presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi conferida, por último, pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril (Lei do Tribunal Constitucional [LTC]).

2. Através da Decisão Sumária n.º 35/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

«8. Uma vez que a decisão que admitiu o recurso não vincula este Tribunal (n.º 3 do artigo 76.º da LTC), importa analisar os pressupostos de admissibilidade deste específico tipo de recurso de constitucionalidade e verificar se é possível conhecer do seu objeto.

A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida (n.º 2 do artigo 70.º da LTC) e da sua apresentação tempestiva, a admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC depende da suscitação prévia de uma questão de inconstitucionalidade normativa, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, «em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC) e da aplicação efetiva, na decisão recorrida, da norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.

Com efeito, no sistema jurídico-constitucional nacional, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade, pese embora incidam sobre decisões dos tribunais, conformam-se como recursos normativos, ou seja, visam a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas, e não das decisões judiciais em si mesmas consideradas. Como é amiúde salientado, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpretação do direito ordinário, sendo a sua cognição limitada à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada. Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, o objeto do recurso circunscreve-se exclusiva e necessariamente a normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido enquanto ratio decidendi, sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar a atuação dos demais tribunais, a partir da direta imputação de violação da Constituição — mormente no plano dos direitos fundamentais — por tais decisões.

Por último, para que possa ser conhecido o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, é necessário que as normas ou interpretações normativas questionadas hajam sido efetivamente aplicadas como fundamento jurídico da decisão recorrida, integrando a respetiva ratio decidendi. O que se compreende, pois de outra forma o eventual juízo de desconformidade constitucional ficaria desprovido de utilidade (n.º 2 do artigo 80.º da LTC), já que não seria apto a determinar a reforma da decisão recorrida, por se manter intocado o efetivo fundamento em que assenta.

A aferição do preenchimento destes requisitos e a delimitação do objeto do recurso de constitucionalidade devem ter por base o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e reportar-se à decisão recorrida, tal como identificada pelo recorrente, que tem também o ónus de indicar a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC ao abrigo da qual recorre, a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC), a norma ou princípio constitucional que considera violado (n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC), bem como a peça processual em que suscitou a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade (n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC).

9. No caso dos autos, surge desde logo evidente que o requerimento de interposição do recurso não identifica com precisão e clareza a decisão, ou decisões, recorridas.

Suscita especiais dúvidas o excerto do requerimento em que são identificadas as pretensas normas ou interpretações normativas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretende ver apreciadas, a saber:

a) o artigo «40.° do CPPT, por violação do disposto no art.º 20.º, n.º 1 (primeira parte) e n.º 4 (parte final), segundo a qual está subjacente o impedimento da Administração Tributária (previamente) não lançar mão da notificação à própria impugnante para ratificar o poder de representação, antes de decidir da falta de mandato forense, porquanto durante a tramitação , em consequência do expressamente traçado pelo RCPITA, em termos processuais, existindo correlação entre os procedimentos inspetivos realizados sob duas Ordens de Serviço (in casu, números OI201202299 e OI201302307), tem de ser aplicada a regra contida no artigo 44.º n.º 1 do Código de Processo Civil, obedecendo aos termos dispostos na alínea b) do art.º 43.º deste mesmo preceito legal»;

b) «[a] inconstitucionalidade da interpretação normativa (restritiva) dada ao artigo 40.º, n.º 1, do Código de Processo e Procedimento Tributário (...) no sentido de que a constituição de mandatário durante o procedimento de inspeção não impõe que lhe seja notificado o ato de liquidação que se fundamenta na decisão final de tal procedimento (...) por violação do artigo 20.º, n.º 4 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP (...)»; e

c) «[a] inconstitucionalidade da interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 580.º, 582.º, n.º 1 e 629.º, todos do CPC, no sentido de não impor ao STA o dever de fundamentar a não admissão do recurso no que tange à LITISPENDÊNCIA invocada».

Alega a recorrente, enfim, que «[a]s interpretações normativas conferidas pelo Tribunal Central Administrativo Norte, agora com amparo no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, às supracitadas normas jurídicas, isolada ou conjugadamente, violam o disposto nos preceitos e princípios constitucionais supra referidos, concretamente, os artigos 2.º, 13.º, 18.º, 20.º, n.º 1 (parte inicial) e n.º 4 (parte final), 205.º, n.º 1, 266.º, n.º 2 e 268.º, n.ºs 3 e 4, todos da CRP».

Em face da formulação da norma identificada na alínea c) e da referência ao amparo no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, parece ter sido intenção da recorrente interpor recurso, não apenas do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 3 de dezembro de 2020, mas também do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que recusou admitir o recurso especial de revista. Aliás, a recorrente dirigiu a este Supremo Tribunal o requerimento de interposição de recurso, sendo certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 76.º da LTC, a admissão do recurso de constitucionalidade é da competência do «tribunal que tiver proferido a decisão recorrida».

Não foi esse, todavia, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que, ante a deficiente identificação pela recorrente da decisão recorrida e tendo presente esta regra, decidiu fazer baixar os autos ao Tribunal Central Administrativo Norte. Esta decisão não foi contestada pela recorrente e impõe que se tome como decisão recorrida nestes autos...

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