Acórdão nº 181/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 181/2022

Processo n.º 1 99/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A. e recorrido o Município de Loures, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal em 16 de dezembro de 2020 e do acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 9 de julho de 2020.

2. Através da Decisão Sumária n.º 98/2022, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«6. O recurso de constitucionalidade interposto nos presentes autos funda-se na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, nos termos da qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais (…) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».

Conforme reiteradamente afirmado por este Tribunal, os recursos interpostos no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, não obstante incidirem sobre decisões dos tribunais, apenas podem visar a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas e não, sequer também, das decisões judiciais em si mesmo consideradas, ou dos termos em que nestas haja sido levada a cabo a concreta aplicação dos preceitos de direito infraconstitucional.

Não incumbindo ao Tribunal Constitucional sindicar o resultado da atividade ponderativa e subsuntiva própria das instâncias, nem a estas se substituir na apreciação dos factos materiais da causa, na definição da correta conformação da lide e/ou na determinação da melhor interpretação do direito ordinário, os seus poderes de cognição, para além de circunscritos à questão jurídico-constitucional que lhe é colocada, apenas podem ser exercidos sobre normas jurídicas, tomadas com o sentido objetivamente extraível do preceito que as consagra ou com aquele que, sendo ainda expressão do critério heterónomo de decisão que nelas se contém (cf. José Manuel M. Cardoso da Costa, “Justiça constitucional e jurisdição comum (cooperação ou antagonismo?)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho, vol. II, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 209, nota 12), a decisão recorrida lhes houver especificamente associado.

Ora, nem no requerimento de interposição do recurso, nem na resposta ao convite para proceder ao respetivo aperfeiçoamento que lhe foi dirigido já neste Tribunal, a recorrente identificou qualquer questão suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade.

7. Pretende a recorrente que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional: (i) das «normas dos Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures (ML), de 2002 e de 2007, que integram a base e fundamento da liquidação e cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML, aplicadas com o sentido e dimensão normativa que lhes foi atribuído nos doutos acórdãos recorridos»; e (ii) das «normas dos arts. 124º e 204º do CPPT e do art. 608º/2 do NCPC, com o alcance normativo restritivo que lhes foi atribuído nos acórdãos recorridos, no sentido de não garantirem a apreciação das concretas questões de ilegalidade invocadas pela ora recorrente durante o presente processo judicial».

No que respeita à questão de constitucionalidade identificada em (i), a recorrente não identificou, nem no requerimento de interposição, nem quando convidada a aperfeiçoá-lo, o(s) preceito(s) suscetível(eis) de sediar as «normas dos Regulamentos de Taxas e Licenças do Município de Loures (ML), de 2002 e de 2007, que integram a base e fundamento da liquidação e cobrança da pretensa dívida exequenda pelo ML», e ou o «sentido e dimensão normativa» que lhes foi «atribuído nos doutos acórdãos recorridos». Vale isto por dizer que a recorrente não observou o ónus de delimitação e especificação do objeto do recurso, já que este só pode ser integrado por normas jurídicas e estas se consubstanciam no binómio composto por um ou mais preceitos legais e um determinado conteúdo normativo (v. o Acórdão n.º 50/2021), cuja identificação cabe ao recorrente.

Já no tocante à questão de constitucionalidade identificada em (ii), verifica-se que os vícios de constitucionalidade que a recorrente pretende ver reconhecidos são atribuídos diretamente aos acórdãos recorridos, relevando exclusivamente da crítica de a mesma considera merecedoras ambas as instâncias visadas, na medida em que «não garantiram a apreciação das concretas questões de ilegalidade invocadas pela ora recorrente durante o processo judicial». Tal discussão não cabe, todavia, na competência do Tribunal Constitucional: por força do caráter estritamente normativo do sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, encontra-se vedada a este Tribunal a apreciação dos concretos atos de julgamento expressos nas decisões dos outros órgãos jurisdicionais, ainda que questionados na perspetiva da sua conformidade a regras e princípios constitucionais.

Nestes termos, o recurso incide sobre objeto inidóneo, o que obsta ao respetivo julgamento por parte deste Tribunal.

8. Ex abundantis, sempre se notará que as “normas” impugnadas pela recorrente seriam em qualquer caso estranhas ao fundamento decisório subjacente ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que se limitou a não admitir a revista interposta pela recorrente por aplicação do regime constante dos artigos 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 144.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, que dispõem sobre os pressupostos de admissibilidade da revista excecional e da revista.

Justifica-se, por tudo o exposto, a prolação da presente decisão sumária, sabido, como é, que o despacho que admitiu o recurso não é vinculativo para este Tribunal (cf. artigo 76.º, n.º 3, da LTC).»

3. Inconformada com tal decisão, a recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

«1. A douta decisão sumária em análise decidiu “não conhecer do objeto do presente recurso”, por “a recorrente (não ter) identific(ado) qualquer questão suscetível de constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade”, considerando que:

a) “A recorrente não observou o ónus de delimitação e especificação do objeto do recurso, já que este só pode ser integrado por normas jurídicas e estas se consubstanciam no binómio composto por um ou mais preceitos legais e um determinado conteúdo normativo”; e

b) “Os vícios de constitucionalidade que a recorrente pretende ver reconhecidos são atribuídos diretamente aos acórdãos recorridos (e) tal discussão não cabe (…) na competência do Tribunal Constitucional” (v. fls. 9 da decisão recorrida).

2. Salvo o devido respeito – e é verdadeiramente muito –, não podemos concordar com o referido entendimento, devendo ser admitido o recurso interposto pela ora reclamante, em 2021.01.05, como resulta das seguintes razões principais:

a) O presente recurso foi interposto, em 2021.01.05, dos doutos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT