Acórdão nº 00504/16.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução25 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A...

e J...

[devidamente identificados nos autos], inconformados, Autores na acção que intentaram contra o Município (...) [ora Recorrido, também devidamente identificado nos autos], vieram interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 17 de junho de 2020 pela qual julgou procedentes, por provadas, as excepções dilatórias de incompetência material do Tribunal para apreciação do primeiro pedido formulado na Petição inicial [atinente ao pedido de condenação do Réu a reconhecer e respeitar a propriedade e posse dos Autores sobre o seu prédio urbano, com a área total de 3.876 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1237.º e descrito sob o n.º 213 da Conservatória do Registo Predial], assim como da intempestividade da prática do acto processual, tendo assim absolvido da instância a entidade demandada, o Município (...), nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e n.º 4, alíneas a) e k) do CPTA e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigos 1.º e 35.º do CPTA.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] CONCLUSÕES: 1. A recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, cingindo-se a sua discordância aos seguintes aspectos: quanto à aplicação do direito, o Tribunal “a quo” julgou: (i) Por discordar da decisão proferida na aplicação da matéria de direito quanto ao julgamento de” intempestividade da prática do acto processual, em virtude da presente acção administrativa se fundar em “ilegalidades conducentes ou geradoras apenas de mera anulabilidade e não violarem o conteúdo essencial do direito de propriedade dos autores gerador da nulidade do acto praticado pelo Município (...).” (ii) Por omissão de pronúncia relativamente ao pedido de nulidade do Despacho do Exmo. Presidente da Câmara de (...), formulado pelos autores no ponto II, alínea a) na sua petição inicial, com fundamento na sua violação do alvará definitivo de Licença de utilização emitido pelo próprio Município em 31 Dezembro de 2003, na medida em que o mesmo não determina qualquer transferência de propriedade para o domínio público do Município de (...), sendo por tal nulo nos termos do disposto na al. a) do artigo 68º, do RJUE (i) Da Nulidade 2. A lei é o critério da conduta administrativa e as invalidades do direito administrativo decorrem da desconformidade da conduta administrativa com a lei, sendo que a nulidade como desvalor do acto administrativo coexiste com a anulabilidade e a inexistência do acto administrativo.

  1. A administração no uso do seu “ius imperii” está numa relação desigual com os cidadãos, sendo a sua actuação marcada pela autoridade legítima decorrente da lei e vocacionada para a intervenção unilateral, autoritária e até, por vezes, executória, na esfera privada.

  2. Em virtude desta relação desigual com o cidadão no uso do seu poder administrativo, a lei impõe à administração um regime de invalidades que procura ater a forma de actuação unilateral e, por vezes, executória, maxime policial, sobre a esfera jurídica do cidadão comum.

  3. A nulidade do acto compreende os casos mais graves de desconformidade da actividade administrativa com a lei, pois a sua disciplina mais pesada serve para suster a natureza agressiva da actividade administrativa; razão pela qual se impõe a disciplina da nulidade a fim de travar os actos mais acentuadamente gravosos para os particulares.

  4. Nestas matérias, não se deve ceder à «jurisprudência dos conceitos» com a consequência em deduzir as soluções para a realidade apenas de noções abstractas, tudo fazendo para nestas a encaixar, como se a diversidade do «mundo da vida» se arrimasse apenas à legalidade abstracta do entendimento.

  5. Ao Juiz cabe, em função das necessidades postas pelo caso concreto, julgar perante as necessidades da prática e dos interesses em jogo, afastando-se de um geometrismo indesejável, porque cego, ao não atender em sede de defesa de Direitos Fundamentais constitucionalmente consagrados com a severidade e rigor que a sua defesa exige.

  6. A este mesmo julgador, enquanto o intérprete autêntico da Lei, cabe o juízo entre os valores axiais da ordem jurídica, a saber: de um lado a certeza da legalidade naquilo que esta tem de mais sagrado e pelo outro a defesa de situações atendíveis a requerer a ponderação dos direitos e interesses dos lesados.

  7. Nesta matéria mal vão as soluções gerais e homogéneas pelo que se impõe uma atenta e cuidada ponderação de cada situação.

  8. Ora, e salvo o devido respeito, no presente caso concreto é claro o desvalor máximo do Despacho do Exmo Sr. Presidente do Município de (...) quando através de acto ilegal ataca o direito de propriedade de um seu munícipe naquilo que constitui o cerne e núcleo essencial do seu direito fundamental de Propriedade: a posse e usufruto de um bem jurídico – no caso dos autos a habitação própria e permanente dos aqui recorrentes.

  9. Enquanto desvalor máximo do acto administrativo a nulidade deve assentar na compreensão material das razões que a exigem. Tais elas são as que justificam a aplicação de um regime que prevê a impugnabilidade da figura a todo o tempo, o seu conhecimento oficioso, a insusceptibilidade de sanação dos vícios que a corporizam e a amplíssima legitimidade activa para o pedido da sua declaração pelo tribunal.

  10. O legislador estabeleceu no nº 2, al. D) do art. 133º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) que são nulos os actos violem o conteúdo essencial de um direito fundamental.

  11. O “conteúdo essencial de um direito fundamental”, previsto no artigo 133.º, nº 2, alínea d), do CPA, reporta-se ao núcleo duro de um direito, liberdade e garantia ou análogo, à ofensa chocante e grave de um princípio estruturante do Estado de Direito ou de outro direito fundamental suficientemente densificado na lei ordinária.

  12. É certo que, a violação do “conteúdo essencial de um direito fundamental” só gera a nulidade do acto administrativo e, consequentemente, a possibilidade da sua impugnação a todo o tempo, quando, em consequência do acto administrativo em causa, seja afectado o mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir enquanto tal.

  13. É manifestamente o caso dos autos, porquanto o despacho proferido pelo Município (...) fulmina o direito de propriedade do aqui recorrente, na medida em que determina a sua total e absoluta ablação enquanto direito do particular a possuir e usufruir um determinado bem.

  14. De facto, a administração pública tem um meio legal próprio para a aquisição de propriedade para o seu domínio público, sendo de todo em todo incompreensível e inaceitável que o possa fazer, sem mais, com um mero despacho que recai sobre a propriedade de um qualquer cidadão.

  15. No caso em apreço, e contrariamente aos acórdãos citados, não está em causa uma qualquer decorrência do direito de propriedade (v.g. direito de construir) mas o direito no seu núcleo essencial a saber a posse e usufruto de um determinado bem jurídico.

  16. Razão pela qual, não poderá o despacho do Município (...) deixar de ser sancionado com a gravidade que merece o seu acto absolutamente ilegal e violador do direito fundamental de propriedade do seu Munícipe.

    ii- Da omissão de Pronúncia 19. O Tribunal deve resolver todas que as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, isto é, deve pronunciar-se relativamente às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (vide, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).

  17. O autor de deduziu pedido nos termos do qual peticionou: “I) ser decretada a invalidade do despacho do Exmo. Sr. Presidente da Câmara de (...), de 18 de Fevereiro de 2015, por nulidade do mesmo, em virtude de: b) violação do alvará definitivo de Licença de utilização emitido pelo próprio Município em 31 Dezembro de 2003, porquanto o mesmo não determina qualquer transferência de propriedade para o domínio público do Município de (...), sendo por tal nulo nos termos do disposto na al. a) do artigo 68º, do RJUE;” fim de citação 21. Na sua Douta Sentença o Meritíssimo Juiz “a quo” omite qualquer decisão sobre este pedido formulado pelo autor, sendo certo que a lei impõe que o Tribunal tome posição expressa, uma vez que foi submetida a sua apreciação pelo autor nos termos do disposto no art. 660.º, n.º 2, do CPC; uma vez que o pedido formulado diz respeito ao conteúdo concreto da questão material controvertida.

  18. A omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre essas questões com relevância para a decisão de mérito, pelo que a omissão de pronúncia deste concreto pedido determina a nulidade da sentença prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPCivil, uma vez que incide sobre o concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal.

    NESTES TERMOS, Deverá a douta Sentença ser revogada e, em consequência, deverão os presentes autos prosseguir os demais trâmites processuais legais, no que se fará inteira justiça.”** O Recorrido Município (...) apresentou Contra alegações, tendo a final elencado a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES A.

    O direito de propriedade só tem natureza análoga aos direitos fundamentais, nos termos previstos no artigo 62.º, n.º 1 da CRP, enquanto categoria abstrata, entendido como direito à propriedade, ou seja, como suscetibilidade ou capacidade de aquisição de coisas e bens e à sua livre fruição e disponibilidade, e não como direito subjetivo de propriedade, isto é, como poder direto, imediato e exclusivo sobre concretos e determinados bens (ver, neste sentido, entre muitos, o Acórdão do TCA Norte de 25.03.2011, proferido no âmbito do processo 00606/08.0BEPRT...

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