Acórdão nº 01884/19.4BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução23 de Março de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório – 1 – A………….., S.A., com os sinais dos autos, vem ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 15 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra acto de liquidação de Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) relativa a 2019.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A.

Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido a 14-10-2021, em segunda instância, pelo TCAN, o qual manteve a decisão tomada pelo TAF de Braga, a 16-11-2020. Sentença essa que julgou a Impugnação Judicial apresentada contra o acto de liquidação da TSAM de 2019 improcedente, mantendo o referido acto de liquidação na ordem jurídica.

B.

De acordo com a sentença suprarreferida, a (então) Impugnante não preenchia o segundo requisito cumulativo para se considerar que está isenta do pagamento da TSAM, tendo em conta o estabelecido nos artigos 3º, nº 2 e 9º, nº 2, al. b) da Portaria n.º 215/2012, de 17 de Julho, – isto porque, segundo o entendimento do TAF de Braga, o estabelecimento da Impugnante (aqui Recorrente) está integrado num «grupo», nos termos definidos no nº 5 do artigo 3º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, ou seja, um conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, mantêm entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia.

C.

Inconformada com esta decisão, apresentou a Recorrente recurso para o TCAN, o qual manteve o entendimento da sentença proferida em primeira instância, no que diz respeito ao enquadramento da Recorrente no conceito de «grupo», com base na interpretação de que da utilização de uma mesma insígnia decorre, sem mais, a verificação de laços de interdependência entre as entidades em causa.

D.

O Acórdão espelha o entendimento de que o legislador, por via do nº 5 do artigo 3º da Portaria nº 215/2012, de 17 de Julho, “enquadra sempre como pertencendo ao «Grupo», quem utiliza a mesma insígnia”, isto é, bastando a mera utilização da mesma insígnia para ficar abrangido pela previsão de incidência tributária, afastando assim o regime de isenção da TSAM previsto no artigo 3º da Portaria suprarreferida.

E. Ora, a decisão ora atacada foi proferida de modo que se crê, salvo o devido respeito – que é muito, pouco cuidado e com total confusão de conceitos relevantes do nosso sistema jurídico, como sejam, neste caso, o conceito de «grupo», para efeitos da Portaria nº 215/2012 de 17-07 e, mais concretamente, os conceitos de “interdependência” e “subordinação” previstos no nº 5 do artigo 3º daquela Portaria.

F.

A decisão recorrida demonstra também um total desrespeito pelas regras de repartição do ónus da prova no processo tributário, sendo tal violação de evidente gravidade, quanto mais se considerarmos a natureza das obrigações que subjazem ao processo tributário e a desproporção de meios e de poder que o contribuinte pode opor ao Estado.

G.

Por este motivo, a matéria abordada no Acórdão recorrido é do maior interesse, urgindo evitar que a interpretação que o Tribunal Central Administrativo Norte no mesmo verteu se reproduza em casos idênticos.

H.

O conceito de “interdependência” previsto na Portaria nº 215/2012, é um conceito indeterminado que carece de concretização e cujo seu preenchimento remete para uma prova objectiva, real, concordante e circunstanciada. Essa prova deve ser feita já no procedimento administrativo, aquando da intenção de liquidar, o que não aconteceu.

I. E o presente caso não é caso único. Veja-se, a título de exemplo, as sentenças proferidas pelo TAF de Braga e pelo TAF de Coimbra, juntas aos presentes autos sob Docs. 1 a 4.

J.

Assim sendo, o presente recurso é interposto com fundamento na necessidade imperiosa da intervenção verdadeiramente correctiva deste Supremo Tribunal Administrativo, mais concretamente no sentido de corrigir o erro na interpretação e na aplicação, ao caso vertente e a casos semelhantes, da norma contida no nº 5 do artigo 3º da Portaria 215/2012 de 17-07, e ainda na violação, pela decisão recorrida, das regras do ónus da prova previstas no artigo 74º da LGT.

K.

As questões de fundo, nos presentes autos, podem vir a colocar-se, repetidamente, perante os nossos Tribunais, pois que tanto o TAF de Braga como o TCAN, consideraram ser possível: i.

Afastar o regime de isenção previsto no artigo 3º da Portaria nº 215/2012 de 17 de Julho, apenas e só com base no facto de a Recorrente utilizar uma insígnia que é comum à que outros hipermercados exploram, sem mais – sendo que esta interpretação não tem o mínimo de apoio na letra da lei (!).

Repare-se que assumir tal “salto de lógica” esvaziaria de qualquer sentido a previsão do nº 2 do artigo 3º da referida Portaria, na medida em que o mesmo estipula que “a isenção abrange os estabelecimentos comerciais que, apesar de usarem uma insígnia comum, estão associados através, nomeadamente, de cooperativas, desde que não pertençam a uma empresa ou integrem um grupo nos termos previstos nos números seguintes” – sombreado e sublinhado nossos.

Pelo que é perfeitamente possível vários estabelecimentos comerciais explorarem a mesma insígnia e estarem associados através de uma cooperativa, sem pertencerem a um grupo nos termos e para os efeitos previstos nos nºs. 3 e 5 do artigo 3º.

Acresce que, decorre do nº 5 do artigo 3º da Portaria 215/2012, de 17-07, que o legislador considera como pertencendo ao mesmo grupo, as empresas que mantenham entre si laços de interdependência ou subordinação decorrentes da utilização da mesma insígnia – o que é bem diferente de assumir que da mera utilização de uma insígnia comum, o legislador presume automaticamente e sem mais que existem laços de subordinação e interdependência entre tais empresas! Assim, não deve ser considerado pelo intérprete, o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal – cfr. nº 2 do artigo 9º do Código Civil.

ii. A manutenção na ordem jurídica de um acto de liquidação do qual não constam – de forma inequívoca – os elementos factuais demonstrativos da sua incidência e da sujeição ao tributo em apreço (a TSAM).

L.

Não está em causa um simples erro de julgamento, mas um erro consubstanciado no facto de dois tribunais não interpretarem cabalmente o regime jurídico que se convoca perante a presente situação.

M.

Estamos perante uma questão de natureza geral, susceptível de se colocar no futuro, e sobre a qual não existe jurisprudência deste Tribunal, razão pela qual o problema colocado se reveste de importância fundamental.

N.

Conforme invoca o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 2020, processo 0913/20.3BEPRT, “a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória -...

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