Acórdão nº 5025/21.0T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelVERA SOTTOMAYOR
Data da Resolução17 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

APELADO: J. C.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Braga - Juiz 2 I – RELATÓRIO Nos presentes autos de acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado J. C.

e responsável X – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.

na fase conciliatória dos autos, veio o sinistrado, por apenso, intentar procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, ao abrigo do disposto nos arts. 388.º e 389.º do Código de Processo Civil, com vista à fixação da indemnização provisória, no valor mensal de 696,00€ devida desde a data do acidente (29-04-2021), contabilizada à razão diária de €23,20, acrescida da quantia mensal de €350,00, devidos a título de prestação de auxílio por terceira pessoa.

Como se fundamenta, em resumo, na decisão recorrida, o sinistrado foi admitido, aos 01.12.2016, ao serviço da sociedade Y – Casa … Agrícola, S.A.

, para exercer, sob as ordens e direcção desta e na respectiva sede, localizada na Póvoa de Lanhoso, as funções de agricultor, ultimamente auferia a retribuição mensal de €800,00 x 14 meses, acrescida da importância de €81,40 x 11, a título de subsídio de alimentação. O seu horário de trabalho era distribuído pelos cinco dias úteis da semana, das 8h00-12h00 e das 14h00-18h00, horário esse passível de sofrer variações, em função das necessidades da entidade empregadora. Esta, por seu turno, tinha transferido para a ré a responsabilidade infortunística respeitante a acidentes de trabalho de que ele, requerente, fosse vítima. No dia 29.04.2021, o requerente iniciou pela manhã e retomou, após o período de almoço, a sua jorna de trabalho, sendo que uma das tarefas que tinha para realizar, por determinação da sua entidade empregadora, consistia na pulverização de campos de milho com herbicida. Cerca das 17h30m, colocava água com herbicida num pulverizador acoplado a um tractor agrícola, sendo que o sistema de pulverização era activado/desactivado através de cardãs ligados ao veículo, a dado momento, enquanto enchia o depósito do pulverizador com água, as calças que trazia vestidas prenderam-se no cardã do tractor, com o que o seu pé esquerdo foi puxado para o sistema de engrenagem do pulverizador, ficando esmagado, em consequência do que veio a perder os sentidos. Foi-lhe prestada assistência médica e veio a ser submetido a amputação transtibial do membro esquerdo, mantendo-se na condição de internado até 28.05.2021. Actualmente, continua em tratamentos de fisioterapia, no CS da …, não tendo retomado, nem estando em condições de retomar, o exercício da sua profissão. O acidente foi participado à Ré, que no dia 05.08.2021, declinou a responsabilidade pela reparação do acidente, alegando o incumprimento de regras de segurança. Mais alega o requerente que necessita, quatro horas por dia, do auxílio de terceira pessoa para realizar as tarefas da sua vida diária, como vestir-se, ir à casa de banho, levantar-se e deitar-se, prestação a fixar em medida não inferior a € 350,00 por mês; que era com a sua remuneração que provia ao respectivo sustento e, juntamente com a remuneração do seu cônjuge, às despesas do agregado, composto por ambos e, ainda, por um filho menor, de 10 anos. A remuneração do seu cônjuge é insuficiente para prover a todas aquelas despesas, encontrando-se o seu agregado no limiar da pobreza e dependente de auxílio de familiares próximos.

Designada data para audiência final, veio a requerida deduzir oposição, alegando, em síntese, que o sinistro em causa nos autos ocorreu pelas 17h40m e, por conseguinte, fora do seu horário de trabalho, que era das 8h00-12h00 e das 13h30 às 17h30. Nesse dia o requerente havia terminado a prestação de serviço, por conta da sua entidade empregadora, pelas 17h00, tendo-se dado o acidente que o vitimou, quando se encontrava a preparar o tractor e os equipamentos a ele acoplados, de sua pertença, para realizar trabalhos por conta própria, em terrenos próprios ou de terceiros. Acresce ainda dizer que o sinistro resultou de negligência do requerente e da violação por ele de regras de segurança. Concluiu, pugnando pela descaracterização do sinistro, com a consequente exclusão da sua responsabilidade. Caso assim não se entenda, considera que por haver desacordo entre as partes, seria o Fundo de Acidentes de Trabalho a adiantar o pagamento de prestações/indemnizações.

Não tendo sido possível conciliar as partes teve lugar a audiência final, e por fim foi proferida decisão da qual se fez constar o seguinte dispositivo.

“Pelo exposto, julga-se o presente procedimento cautelar parcialmente procedente, por parcialmente provado, termos em que se decide: a). Fixar no montante diário de € 23,20, vencido desde 30.04.2021, o valor da indemnização a que, provisoriamente, o requerente J. C. tem direito, a título de ITA, que perdurando para além dos 12 meses, passará a ter o valor diário de € 24,85, com a consequente condenação da requerida X – Companhia de Seguros, S.A., no seu pagamento; b). Absolver a requerida do mais peticionado.

Custas a cargo do requerente e da requerida, na proporção do respectivo decaimento, com taxa de justiça que se fixa no mínimo legal, e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que vier a ser concedido ao primeiro.

Registe e notifique.” Inconformada com esta decisão, veio a Requerida interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões: “I. A Recorrente interpôs o presente recurso, visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, por entender que a matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada pela Meritíssima Juiz de 1.ª instância, foi erradamente dada como provada, atenta a prova produzida, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração, nos termos do presente recurso.

II.(…).

  1. Com interesse para o presente recurso, foi dado como indiciariamente demonstrada a seguinte matéria de facto: “d) Esse horário podia sofrer variações, em função das necessidades da entidade empregadora.

    1. Na data mencionada em b), a entidade empregadora encarregou o requerente de, entre o mais, proceder à pulverização de um campo de milho com herbicida.

    2. Essa tarefa ia ser realizada pelo requerente através da utilização de um tractor, ao qual se encontravam acoplados, através de cardã, dois equipamentos, um de pulverização e uma roto-fresa, tudo pertença do próprio.

    3. Na sequência e em cumprimento da determinação referida em f), cerca das 17h40m da data aí considerada, o requerente encontrava-se a preparar a mistura de herbicida e de água no depósito do equipamento de pulverização.” IV. Tendo concluído o Tribunal a quo que “apurou-se que o evento sob consideração teve lugar no local de trabalho e, também, no tempo deste, na medida em que, embora o mesmo haja tido lugar para além das 17h30m, mais concretamente cerca das 17h40m, a verdade é que se demonstrou que o requerente se encontrava a executar tarefa por conta e sob as ordens da sua entidade empregadora”.

  2. Não pode aceitar as conclusões vertidas na sentença proferida, designadamente, no que concerne aos pontos d), f), g) e i) da matéria indiciariamente demonstrada, uma vez que, quer a prova testemunhal, quer a prova documental deveriam ter permitido o Tribunal concluir de forma diversa.

  3. a XIII (…) XIV. Conforme apontado na sentença, foi notório o conhecimento das testemunhas inquiridas da posição da seguradora e que os depoimentos tenderam a ajustar-se no sentido de ultrapassar previsíveis resistências, pelo que é manifestamente questionável a veracidade dos depoimentos das testemunhas inquiridas.

  4. Das regras da experiência comum resulta, desde logo, que os depoimentos prestados logo após a ocorrência dos eventos, são mais genuínos e tendem a pautar-se pela verdade.

  5. a XX (…) XXI. Resultou, isso sim, da prova produzida em Audiência de Julgamento, e resulta da matéria de facto dada como indiciariamente demonstrada, que o tractor e os equipamentos a ele acoplados eram propriedade do Recorrido… XXII. A ser verdade, o que não se concede, mas apenas por mera hipótese de raciocínio se coloca, sempre se dirá que, era o mesmo remunerado pela sua Entidade Empregadora, quer em numerário, quer em troca de equipamentos, quando usava o seu tractor e equipamentos a ele acoplados, pelo que se coloca a questão se, afinal, não estávamos perante uma prestação de serviços, externa à prestação de trabalho propriamente dita… XXIII. Atento o exposto no presente articulado, é manifesto que o Tribunal não poderia ter dado como indiciariamente demonstrado os pontos d), f), g) e h) da Factualidade Demonstrada, impondo-se, por essa razão, decisão diversa, designadamente, que tal matéria seja dada como não demonstrada.

  6. Nos termos do artigo 122.º, n.º 2, do Código de Processo de Trabalho, nos casos em que haja desacordo sobre a existência ou a caracterização do acidente como de trabalho “a pensão ou indemnização provisória e os encargos com o tratamento do sinistrado são adiantados ou garantidos pelo fundo a que se refere o n.º 1 do artigo 82.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro”.

  7. Nos termos do artigo 10.º do Código Civil, há que aplicar tal artigo analogicamente ao caso dos presentes autos.

  8. É manifesto, atento a matéria em causa nos presentes autos, que existe desacordo...

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