Acórdão nº 3/20.9GBPTG-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelBEATRIZ MARQUES BORGES
Data da Resolução22 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO 1. Da decisão No Inquérito (Atos Jurisdicionais) n.º (…) da Comarca de (…) Juízo de (…), submetido a 1.º interrogatório de arguido detido, foi determinado que Ke… aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coação de termo de identidade e residência e internamento preventivo, artigos 191.º, 192.º, 193.º, 195.º, 196.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a), b) e c) do CPP. Foi ainda determinada a emissão de mandados de condução do arguido à Clínica Psiquiátrica do Hospital Prisional de (…), ordenado o cumprimento do disposto no artigo 194.º, n.º 10, do CPP e comunicada a decisão ao Tribunal de Execução de Penas (artigo 138.º, n.º 3, do Código de Execução de Penas) e à DGRSP.

  1. Do recurso 2.1. Das conclusões do arguido Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): “1. Não há pressupostos de facto e de direito que justifiquem a aplicação da medida de coação de prisão preventiva ao ora recorrente.

  2. Existem enormes e flagrantes divergências entre as declarações prestadas por todos os ofendidos, entre si, quando ouvidos pela PJ.

  3. O recorrente censura os fortes indícios da prática de 5 crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo artigo 171º, n.ºs 1 e 2, e de 5 crimes de actos sexuais com adolescentes, p.p. pelo artigo 173º, nº 1, todos do Código Penal e censura os perigos de continuação da actividade criminosa, o perigo de perturbação do inquérito, designadamente perigo para a aquisição e veracidade da prova e o perigo de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas que o tribunal recorrido considerou estarem verificados.

  4. Analisando a prova que existe, até ao momento, em fase de inquérito, que não é nenhuma, e que assenta somente em declarações dos menores, declarações essas completamente contraditórias entre si, podemos concluir que, assim, perante a inexistência de prova e de prova contraditória, com o devido respeito, assim será muito fácil qualquer cidadão em Portugal “ir” em prisão preventiva … 5. Existe insanável contradição, nos termos e para os efeitos previstos no n.º 2 b) do art. 410.º do C.P.P., entre a inimputabilidade do arguido, que o despacho recorrido considera que este sofre de “anomalia psíquica” e a prova de que o mesmo praticou os factos correspondentes aos ilícitos típicos dos crimes de abuso sexual de crianças e de adolescentes sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

  5. Termos em que o Tribunal recorrido violou as normas plasmadas nos art.ºs 127.º do C.P.P. e 342.º do C.C..

  6. A Mm.ª Juíza não pode, não podia, submeter o arguido Ke… a 1º interrogatório de arguido detido com a dúvida que tinha (“por via da anomalia de que eventualmente sofra”) de que o arguido sofria de anomalia psíquica, sem previamente o ter submetido a perícia psiquiátrica.

  7. O Tribunal a quo perante tão importante dúvida, sobre a capacidade ou incapacidade do arguido se poder defender, e poder exercer a sua defesa … avançou … e submeteu o arguido a 1º interrogatório de arguido detido, violando flagrantemente o seu direito constitucional de defesa, sem que ele se tenha apercebido do que quer que seja.

  8. Ora, tendo em conta o que supra se reproduziu, das declarações do arguido, relativamente à sua incapacidade para se identificar, a Mm.ª Juíza tinha a obrigação legal de constatar, só por isso, da incapacidade do arguido para se poder defender, para poder compreender e entender os factos que lhe eram imputados, que estava incapaz de se identificar, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender os factos de que estavam indiciariamente apurados contra si, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender que tinha sido detido, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender que estava num tribunal, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender que estava numa sala de audiências, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender os direitos e deveres de arguido, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender o que é ser arguido, que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender que tinha uma advogada oficiosa e para que esta “servia” e que estava incapaz de entender, de perceber e de compreender a medida de coação que lhe foi aplicada.

  9. O arguido foi submetido a 1º interrogatório de arguido detido sem ter tido qualquer meio de se defender, devido à anomalia psíquica de que padece e que alias, é reconhecida na decisão judicial que lhe aplicou as medidas de coação.

  10. Estando o arguido indiciado por crimes com molduras penais elevadas, tudo o supra exposto afectou as respectivas garantias constitucionais ocorrendo vício de que o Tribunal deve conhecer oficiosamente (artigos 207º e 18º, n. 1, CRP).

  11. No caso dos autos, não existiu qualquer defesa no 1º interrogatório de arguido detido de xx/xx/xxxx, relativamente ao arguido, devido à sua anomalia psíquica.

  12. O facto de o arguido ter tido defensora oficiosa, no 1º interrogatório de arguido detido, para sua defesa, não é suficiente.

  13. É preciso que se perceba no processo, que haja actividade efetiva do advogado no sentido de assistir o acusado, que no caso sub judice inexistiu porque o arguido não conseguiu, devido à sua anomalia psíquica, transmitir o que quer que fosse à sua Ilustre Defensora Oficiosa que lhe foi nomeada.

  14. Em casos como este, o processo deve ser anulado por total falta de defesa.

  15. No 1º interrogatório de arguido detido de xx/xx/xxxx, o arguido estava totalmente indefeso, desorientado, sem perceber onde estava e porque ali estava, no Tribunal; pelo que o processo está eivado de nulidade absoluta.

  16. Encontram-se, assim, violados os princípios do contraditório e da ampla defesa do arguido, garantido pela ordem constitucional.

  17. O art. 202º nº 2 do CPP pressupõe que se mostre (ou que se demonstre) que o detido sofre de anomalia psíquica, sendo que a Senhora Juíza de Instrução Criminal não mandou averiguar tal dentro dos pressupostos da disposição legal citada.

  18. O recorrente entende que dos elementos de prova constantes dos autos não é possível concluir-se pela indiciação dos factos que integram os elementos constitutivos, em autoria material e na forma consumada por parte do arguido, de 5 crimes de abuso sexual de crianças, p.p. pelo artigo 171º, n.ºs 1 e 2, e 5 crimes de actos sexuais com adolescentes, p.p. pelo artigo 173º, nº 1, todos do Código Penal.

  19. Nas declarações para memória de xx/xx/xxxx Fi…, To…, Aco…, Fs… e Ma… não confirmaram as suas declarações, quando ouvidos pela Polícia Judiciária.

  20. Apenas o ofendido Av… confirmou certos factos, mas com uma versão diferente do depoimento que prestou perante a PJ em xx/xx/xxxx.

  21. Existem CONTRADIÇÕES entre os DEPOIMENTOS de TODOS os OFENDIDOS (de Coe…, de Av…, de To…, de Aco…, de Fi…, de Ma… e de Fs…).

  22. Os factos constantes do “aditamento ao auto de notícia”, de fls. 171 a 173, não consubstanciam a prática de qualquer crime por parte do arguido.

  23. Resulta de toda a prova produzida até ao momento (e é esta que por ora importa, para efeitos de aplicação da medida de coacção que foi aplicada ao arguido), designadamente pelas declarações dos menores, quando foram ouvidos como testemunhas, que estão eivadas de CONTRADIÇÕES, bem como pelas Declarações para Memória Futura de xx/xx/xxxx, que todos os ofendidos negam abusos sexuais por parte do ora recorrente, à excepção de Av…, este com uma versão diferente da que consta no seu auto de inquirição perante a PJ, pode-se CONCLUIR que não há indícios suficientes da prática, pelo arguido, dos factos que lhe são imputados.

  24. As nove provas documentais que constam na decisão recorrida, identificadas sob o ponto C), de nada adiantam (são inócuas) para suportarem os factos como indiciariamente apurados contra o arguido.

  25. Não há indícios (quanto mais fortes) que o ora recorrente cometeu os crimes em causa, atentas as enormes e flagrantes contradições dos ofendidos, logo não se lhe pode aplicar qual quer medida de coacção (à excepção do termo de identidade e residência), quanto mais a medida mais gravosa: a prisão preventiva.

  26. Não se verifica o pressuposto de existência de perigo de continuação da actividade perigosa, no sentido de se aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

  27. Não se verifica o pressuposto de perturbação grave da ordem pública e da tranquilidade públicas, no sentido de se aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

  28. Não se verifica o pressuposto de perigo de perturbação do inquérito, designadamente perigo para a aquisição e veracidade da prova, no sentido de se aplicar ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.

  29. Decidindo o contrário, o despacho recorrido violou o disposto nas alíneas b) e c) do art. 204º e 191º e 193º, todos do CPP.

  30. Assim, ao abrigo das disposições legais p.p. nomeadamente no art. 212º, nº 1, alínea c) e nº 4 do CPP, deve a medida de coacção de prisão preventiva ser revogada, e aplicar-se a medida de coação de apresentação periódica, semanalmente, no posto policial da área da sua residência e de afastamento dos ofendidos.

  31. Decidindo o contrário, o despacho recorrido violou o disposto nas alíneas b) e c) do art. 204º e 191º e 193º, todos do CPP.

    Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso (…)”.

    2.2. Das contra-alegações do Ministério Público Motivou o Ministério Público tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição): “Face a todo o exposto não deve o Douto Despacho da Mm.ª Juiz de Instrução Criminal merecer qualquer reparo, devendo o mesmo ser...

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