Acórdão nº 00066/05.1BEBR-A-AC de Tribunal Central Administrativo Norte, 10 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução10 de Março de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO O MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho saneador-sentença promanada pelo Tribunal Administrativo de Coimbra [doravante TAF de Coimbra] nos âmbito dos presentes autos, que, em 09.11.2021, julgou “(…) a presente ação executiva parcialmente procedente e, em ordem a proceder à execução do acórdão proferido pelo TCAN em 12.06.2019 nos autos de que esta execução constitui um apenso: a) Condeno[u] os Ministérios executados a, no prazo de 30 dias, procederem ao cálculo da diferença entre o valor das remunerações mensais (incluindo suplemento inspetivo) que o exequente efetivamente auferiu desde 01.07.2000 até 01.07.2006, e o valor da remuneração que deveria ter recebido se tivesse transitado para a carreira de inspeção que deveria ter sido regulamentada em cumprimento do DL 112/2001, de 6 de abril; a) Fixo[u] em 30 dias, contados desde o termo do prazo mencionado na alínea antecedente, o prazo para que se dê integral execução ao julgado, procedendo ao pagamento ao exequente do valor da indemnização calculada nos termos supra mencionados acrescida dos juros que se mostram devidos, até efetivo e integral pagamento, conforme determinado na decisão exequenda; b) Condeno[u] o exequente e os executados no pagamento das custas processuais a que houver lugar, na proporção do decaimento (…)”.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…) 1) A decisão ora recorrida labora em erro do direito aplicável ao caso em juízo; 2) A decisão ora recorrida propõe-se executar o acórdão do TCAN proferido em 12 de junho de 2019 que decreta a reconstituição da situação atual hipotética do Exequente A... na carreira de inspetor de viação; 3) A decisão ora recorrida ignora o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 sobre a mesma relação material controvertida em que é reconhecido ao Exequente A... o direito à indemnização por impossibilidade superveniente da regulamentação da carreira de inspetor de viação; 4) O acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 já transitou há muito em julgado, como reconheceram tempestiva e sucessivamente o TAFC-UO 1 e o próprio TCAN nos autos dos Processos nº. 606/05.1BECBR,606/05.1BECBR-A e 606/05.1BECBR-A-AC; 5) Somente o acórdão do TCAN proferido em 6 de março de 2015 é aplicável à pretensão do Exequente A..., por força do disposto nos artigos 625.° e 628.° do Código de Processo Civil, segundo a remissão supletiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos; 6) Em consequência, a decisão ora recorrida padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.

*Notificado que foi para o efeito, o Recorrido A...

não contra-alegou.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida, tendo ainda sustentado a inexistência de qualquer nulidade de sentença.

* *O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* *II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

Neste pressuposto, a questão a dirimir consiste em saber se a sentença recorrida, “(…) padece do vício de nulidade previsto no artigo 615.°, nº. 1, alíneas d) e e), e 4, do Código de Processo Civil, aplicável segundo a mesma norma remissiva do artigo 1.° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)”.

Assim sendo, esta será a questão a apreciar e decidir.

* * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:“(…) 1.

Em sentença de 09.04.2010, proferida no processo n.° 606/05.1BECBR, consignou-se, entre o mais: “(…) concorda-se que para efetivação da transição para as novas carreiras e possibilidade dos (possíveis) destinatários poderem auferir o suplemento de função inspetiva, o DL nº 112/2001, de 6 de abril carecia da publicação do referido decreto regulamentar, sem o qual o regime instituído naquele não produz efeitos relativamente aos autores, pois este diploma subordinava a essa produção de efeitos à emissão de um decreto regulamentar.

Por outro lado, é pacífico que até hoje, relativamente aos funcionários da extinta DGV, não foi emitido o decreto regulamentar em causa.

Ocorre, por isso, uma situação de ilegalidade por omissão de normas regulamentares, nos termos do nº 1 do artigo 77º do CPTA, que estabelece existe uma situação de ilegalidade por omissão das normas quando a sua adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.

Porém, nos termos do nº 2 do citado preceito, quando o tribunal verifique a existência de uma situação de ilegalidade por omissão, julga procedente a ação e disso dará conhecimento à entidade competente, fixando prazo, não inferior a seis meses, para que a omissão seja suprida.

Neste aspeto, face à extinção da DGV, ocorre uma situação de impossibilidade, sendo aparentemente inútil a emanação de tal injunção.

No entanto, é notório o paralelismo entre a situação dos autos e a examinada no citado acórdão.

Desde logo porque, independentemente das funções que cabem aos autores atualmente, a sua situação estatutária como funcionários da DGV deixou de ser necessária. Ou seja, perante o novo quadro legal, a situação atual não carece de qualquer regulamentação: não há necessidade de regulamentar as carreiras inspetivas (inexistentes) da DGV. Impõe-se assim a improcedência do pedido quanto à verificação da situação de ilegalidade de emissão do regulamento para situações atuais e futuras, por falta do requisito acima apontado (existência de ato legislativo - ainda - carente de regulamentação).

Neste ponto, cumpre assinalar que, por isso mesmo, o novo Ministério da tutela não carecia de ser chamado à ação, porque não se cura de regular para futuro a nova situação dos autores. E, do mesmo modo, porque é a situação passada que está em desconformidade com o ordenamento jurídico, apenas deve ser chamado à colação quem, no passado, tinha o dever regulamentar que foi omitido, assim se mantendo o interesse dos réus em contradizer.

Mas, tal como acontece na situação contemplada pelo acórdão transcrito, as situações passadas foram vividas à sombra de um quadro legal, efetivamente carente de regulamentação e estão ainda em desconformidade com a ordem jurídica e, por outro lado, já não é possível emitir um regulamento que corrija essa ilegalidade.

Ou seja, não há qualquer situação de facto que ainda possa ser objeto de regulação através de normas regulamentares, uma vez que a situação atual e futura já não carece de qualquer regulamentação e a situação passada não é suscetível de ser regulada através de normas gerais e abstratas.

No entanto, à semelhança do que sucede no caso analisado pelo STA, a improcedência do pedido de declaração de ilegalidade por omissão de um regulamento por impossibilidade absoluta, faz nascer o direito à indemnização na esfera jurídica dos autores, devendo, nesse caso, o tribunal convidar as partes a acordarem, no prazo de 20 dias, no montante da indemnização devida, nos termos do n0 1 do artigo 45º do CPTA.

(…) DECISÃO Pelo exposto: 1) Julgo improcedente o pedido de declaração de ilegalidade por omissão de regulamento; 2) Fixo, nos termos do nº 1 do artigo 45º do CPTA, o prazo de 20 dias para as partes acordarem no montante da indemnização devida.”- cf. fls. 266 e ss. dos referidos autos no SITAF; 2.

Por acórdão proferido em 06.03.2015, no âmbito do processo mencionado no ponto antecedente, o TCA Norte julgou verificada uma situação de impossibilidade superveniente da lide quanto ao pedido inicial, em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação, e confirmou a decisão recorrida quanto à convolação objetiva do processo, apenas no que toca a este último grupo de autores, entre o mais, com os seguintes fundamentos: “(…) No caso concreto e, como vimos, apenas em relação aos autores integrados na carreira de inspetor de viação se verifica uma omissão ilegal de regulamentar; pelo que se verifica ser fundamentado o pedido inicialmente formulado por estes autores.

Voltamos aqui a citar o teor do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.06.2012, no processo n.° 0337/11, com o qual também neste trecho se concorda: “(...) A revogação do ato legislativo carente de regulamentação faz cessar a partir da revogação a necessidade da sua regulamentação. Por isso, a partir de então, ou seja, a partir do momento em que o ato legislativo deixa de vigorar, deixa de existir uma condição de procedência.

No entanto, esta evidência não afasta a possibilidade de, durante a vigência da norma carente de regulamentação, se ter tomado exigível a obrigação de emitir as normas e, por esse motivo, a Administração se encontrar já numa situação de “ilegalidade por omissão”. Por isso a revogação da lei carente de regulamentação, só por si, não afasta a existência de uma situação de ilegalidade por omissão ocorrida durante a sua vigência. Não é, pois exato, concluir que a revogação da lei carente de regulamentação implica necessariamente a improcedência da ação de condenação na emissão do regulamento.

Para determinar os efeitos de tal revogação, toma-se necessário averiguar várias coisas: (i) se a...

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