Acórdão nº 173/22 de Tribunal Constitucional (Port, 15 de Março de 2022

Data15 Março 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 173/2022

Processo n.º 1242/21

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., reclamante nos presentes autos, em que é reclamada B., notificada da Decisão Sumária n.º 17/2022, que não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade por aquela interposto, vem reclamar para a conferência ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional – “LTC”).

A recorrente, ora reclamante, no âmbito de ação com processo especial para interdição por anomalia psíquica, contra si instaurada pela ora reclamada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, da sentença de 17 de dezembro de 2020, que decretou a favor da requerida, ora reclamante, as medidas de administração parcial de bens, de autorização para a prática de atos e de apoio/acompanhamento, nos termos expressamente consignados em tal decisão.

Por despacho de 22 de abril de 2021, o tribunal de 1.ª instância não admitiu o recurso.

Inconformada, a ora reclamante reclamou deste despacho, nos termos do artigo 643.º do CPC, mas, por decisão singular de 2 de setembro de 2021, o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu a reclamação.

A ora reclamante reclamou então desta decisão para a conferência e, por acórdão de 9 de novembro de 2021, o Tribunal da Relação de Coimbra indeferiu também esta reclamação.

Deste acórdão foi interposto, pela ora reclamante, o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC.

2. É a seguinte a fundamentação da decisão sumária reclamada:

«5. Preliminarmente, importa referir que segundo se depreende do requerimento de interposição de recurso, já com as retificações de lapsos de escrita requeridas pela recorrente – e que se admitem, nos termos do artigo 249.º do Código Civil –, a decisão que a recorrente pretende impugnar com o presente recurso é o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9 de novembro de 2021 (cf. o ponto 5.º e conclusão final do requerimento de interposição de recurso).

No entanto, verifica-se que a recorrente, ao longo do seu requerimento de interposição de recurso, faz igualmente referência quer ao despacho proferido em primeira instância, quer à decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra (cujo teor transcreve no ponto 6.º do seu requerimento de interposição de recurso e para o qual remete no ponto 36.º do mesmo requerimento).

Assim, sempre se dirá, que caso a recorrente pretenda impugnar o referido despacho ou a mencionada decisão singular, tais decisões, porque impugnáveis mediante reclamação, respetivamente, nos termos dos artigos 643.º, n.º 1, e 652.º, n.º 3, ex vi artigo 643.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil – reclamações essas que foram efetivamente deduzidas – não constituem decisões definitivas, nos termos expostos (cf. ponto 4, supra), não sendo passíveis de recurso para o Tribunal Constitucional.

Na verdade, ao deduzir reclamação daquele despacho proferido em 1.ª instância para o Tribunal da Relação de Coimbra, bem como da decisão singular deste último Tribunal, a recorrente esgotou os meios impugnatórios ordinários, razão pela qual, quer o referido despacho da 1.ª instância, quer a mencionada decisão singular daquele Tribunal da Relação, ficaram “consumidos” pelo acórdão desse Tribunal de 9 de novembro de 2021. Este último constitui, assim, a decisão definitiva e final na ordem jurisdicional em questão. Por essa razão, o recurso para o Tribunal Constitucional apenas se pode reportar ao mesmo.

Deste modo, na hipótese de o presente recurso de constitucionalidade se reportar também ao referido despacho proferido em 1.ª instância e/ou à mencionada decisão singular proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não pode o mesmo ser conhecido nesta parte, uma vez que tem como objeto formal uma decisão não definitiva (cf. o artigo 70.º, n.º 2, da LTC).

6. Entendendo-se, no entanto, que o presente recurso se reporta ao referido acórdão de 9 de novembro de 2021, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra – única decisão definitiva e, enquanto tal, recorrível para o Tribunal Constitucional –, não se mostram, em qualquer caso, verificados dois dos pressupostos necessários ao conhecimento do objeto de tal recurso: a idoneidade do respetivo objeto e a legitimidade da recorrente.

6.1. In casu, o objeto do presente recurso prende-se exclusivamente com a eventual inconstitucionalidade da decisão recorrida, sendo por isso inidóneo, razão pela qual não se pode tomar conhecimento do respetivo mérito.

Com efeito, decorre do requerimento de interposição de recurso que a recorrente não identifica qualquer norma ou interpretação normativa – isto é, um critério normativo, dotado de generalidade e abstração, vocacionado para uma aplicação genérica – que repute inconstitucional.

Na verdade, não obstante fazer referência a diversos preceitos de direito ordinário, bem como a várias normas e princípios constitucionais, resulta que os problemas de conformidade constitucional são dirigidos à decisão recorrida, em si mesma considerada, que a recorrente considera ter feito uma errada interpretação e aplicação de determinados preceitos legais ao caso concreto (cf. os pontos 7.º a 20.º do requerimento de recurso), sendo essa errada interpretação e aplicação dos preceitos em causa às específicas circunstâncias do caso concreto que determinaram, na perspetiva da recorrente, a privação do seu direito de recorrer e, consequentemente, a violação de determinadas normas e princípios constitucionais, bem como de certos preceitos infraconstitucionais (cf. os pontos 21.º a 37.º, em especial os pontos 29.º e 36.º do requerimento de interposição de recurso).

Ou seja, o que a recorrente pretende é sindicar a decisão recorrida, na media em que esta confirmou as decisões anteriormente proferidas no sentido de não ser admissível, por extemporâneo, o recurso de apelação que a recorrente havia interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra.

Por outro lado, embora a recorrente refira que «pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade que se funda na desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais plasmados nos arts. 20º nº 1, 2 e 4 da CRP e 7, nºs 1 e 4 do Código de Processo Civil, face a interpretação da norma que indeferiu o recurso no Tribunal “a quo”, nos termos acima expostos – Cfr. art. 6º», não chega a enunciar qualquer interpretação, extraída de qualquer preceito, que tenha sido aplicada pelo tribunal a quo, enquanto critério normativo de decisão, nos termos expostos. Mais do que uma incompletude, tal omissão, no caso, materializa uma deficiência de outro cariz, relacionada com a inidoneidade do objeto do presente recurso, pelas razões referidas. Nessa medida, não se justifica, por tal se revelar inútil, um convite à recorrente no sentido de suprir tal omissão, indicando qual a interpretação normativa que pretende questionar.

Em suma, face à sua discordância quanto à forma como as instâncias apreciaram as referidas circunstâncias específicas do caso concreto, o que a recorrente pretende, com presente recurso, não é questionar um determinado critério normativo, extraído de qualquer preceito, mas sim o modo como o direito infraconstitucional foi aplicado – na sua perspetiva, erradamente – às circunstâncias do caso, invocando também a violação direta, pelas decisões daquelas instâncias, de um conjunto de normas e princípios constitucionais e, inclusive, de preceitos de direito ordinário (cf., em especial, os pontos 29.º, 34.º e 36.º do requerimento de interposição de recurso).

Esse propósito encontra-se também evidenciado na forma como as supostas questões de constitucionalidade foram colocadas perante as instâncias infraconstitucionais, em que a recorrente não colocou qualquer problema de...

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