Acórdão nº 13988/19.9T8PRT.P1 .S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. Construções Refoiense, Lª., NIF 506661393, com sede na Avenida dos Bombeiros Voluntários, nº. 219, 4990-344 Ponte de Lima veio propor contra Enerpro Instalações Eléctricas Unipessoal, Ldª., NIPC 507513088, com sede no Edifício Mercúrio Parques EDT Sá, Fração J, Lugar de Ramos, 4600-752 Telões, ação de processo comum pedindo que: A. seja declarada válida a resolução do contrato de subempreitada promovida pela Autora com fundamento no incumprimento pela Ré das suas obrigações contratuais e em consequência, ser a Ré condenada no pagamento à Autora da quantia de € 108.180,13, assim discriminada: i. € 14.143,44 referentes à multa contratual diária; ii. € 47.417,63, referentes à diferença entre o valor da adjudicação dos trabalhos à Ré e o valor que a Autora teve de pagar a terceiro; iii. € 30.876,00 referentes ao sobrecusto com reforço de equipamentos e mão-de-obra; iv. € 8.509,50 referentes ao alargamento do horário de trabalho; v. € 40,00, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, nos termos do disposto no art.º 7.º do DL 62/2013; vi. € 7.193,56 referente a juros de mora vencidos à taxa comercial.

  1. seja a Ré condenada no pagamento de juros de mora vincendos, à taxa para transações comerciais, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

    1. A ré contestou, impugnando a factualidade alegada pela autora e pugnando pela improcedência do pedido.

    2. A autora respondeu.

    3. Proferido despacho saneador, foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

    4. Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou válida a rescisão do contrato de subempreitada descrito nos autos e condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 49.622,79, acrescida de juros comerciais por estarem em causa valores devidos a empresas comerciais, singulares ou coletivas nos termos do § 3º do artº 102º do Cód. Comercial desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.

    5. Inconformada, com esta decisão, a ré dela apelou para o Tribunal da Relação ... que, revogou a sentença recorrida, absolvendo a ré do pedido.

    6. Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I. Lidas e relidas as alegações e conclusões de recurso oferecidas pela Ré ora recorrida junto do Tribunal da Relação, não identificamos qualquer alegação (ténue sequer) da mora creditoris.

      II. A única alegação é de inexistência de mora da Ré e não uma qualquer alegação de mora creditoris.

      III. Atento o n.º 2 do art.º 639.º do C.P.Civ., que ensina que os requisitos das alegações e conclusões de recurso, delimitando-as, verificamos que nenhum dos requisitos acerca da mora creditoris foram alegados, pelo que estavam fora do objeto do recurso.

      IV. Nenhum dos ónus (art.º 639.º do C.P.Civ.) foram cumpridos pela recorrida, pelo que o Tribunal a quo não podia conhecer de matéria não alegada, não sendo de conhecimento oficioso a mora creditoris, pelo que o Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, o que se deixa alegado.

      Caso assim não se entenda V. O Tribunal a quo a decidir pela mora creditoris sem antes conceder contraditório à Recorrente violou o n.º 3 do artigo 3.º do C.P.Civ., porquanto, visa o nº 3 do artigo 3º do CPC banir as decisões surpresa e, por isso, se defende que o Juiz não pode decidir questões sem que previamente tenha sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

      VI. Como se vem referindo, a questão da “mora do credor” nunca foi alegada, conjeturada ou decidida até ao Acórdão recorrido, pelo que ao assim decidir, cometeu, consequentemente, o tribunal recorrido, a nulidade prevista no art.º 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o que se deixa alegado.

      Caso assim não se entenda, VII. O Tribunal a quo ao decidir pela existência de mora creditoris, contradiz os factos assentes, designadamente o ponto 8 onde se refere que o Subempreiteiro obriga-se a iniciar os trabalhos na data acordada com o Empreiteiro e que este poderá alterar o prazo definido se o Plano Geral de trabalhos com o Dono de Obra assim o determinar, sem que haja lugar ao pagamento de qualquer indemnização.

      VIII. Ao decidir-se que a Recorrente incorreu em mora creditoris por via da alteração dos prazos, essa subsunção jurídica viola os factos assentes.

      IX. Ao conhecer-se a mora creditoris, verifica-se uma nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil, que pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto que conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.

      X. Assim, é nula essa decisão, o que se requer.

      Caso assim não se entenda, XI. A decisão recorrida alicerça-se na fundamentação que a ora recorrente atrasou a sua prestação, inviabilizando-a/suspendendo-a – retardando, retirando esses elementos dos factos 24 e 28 e ignorando os demais factos assentes.

      XII. Foi considerado que não existiu justificação para essa conduta da recorrente, constituindo-se assim em mora.

      XIII. Resulta do contrato de empreitada – cujo teor se encontra assente nos autos (cfr. ponto 4 da matéria assente) -, que a Ré Recorrida se obrigou a cumprir com o plano de trabalhos definido pela Autora ora Recorrente (cfr. ponto 7 da matéria assente), e que esta detinha o direito potestativo de alterar os prazos (cfr. ponto 8 da matéria assente, pontos 5.2 do contrato de empreitada).

      XIV. O que vale por dizer que as alterações dos prazos não conduziram, nem podiam, à verificação de uma qualquer mora creditoris, porquanto lhe era [à Recorrente] contratualmente permitido alterar os mesmos.

      XV. Resulta da factualidade provada que a obra esteve parada cerca de meio ano em virtude de alterações ao projeto e atraso na execução das fundações, que se deveram a erros do projeto, logo a execução da empreitada foi suspensa pelo dono de obra – tudo conforme processo administrativo juntos aos autos pelo dono de obra, o Município de ....

      XVI. Acresce que, são dois os pressupostos da mora do credor: a) a recusa ou não realização pelo credor da colaboração necessária para o cumprimento, e b) a ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão, o quais não se encontram preenchidos.

      XVII. Porquanto, o atraso na execução dos trabalhos – entendido como omissão da recorrente a disponibilizar a frente de obra -, não resulta de qualquer omissão da Recorrente, uma vez que esta não era nem nunca foi responsável pelos projetos, antes o dono de obra, tendo as alterações contratuais da recorrente junto do dono de obra se refletido, necessariamente, na subempreitada celebrada com a Recorrida.

      XVIII. Existindo assim um motivo justificado e imputado a terceiros para a não disponibilização da obra no prazo inicialmente previsto à Recorrida.

      XIX. Resulta do acervo factual inscrito nos pontos 10) a 19) dos factos provados que houve troca de correspondência e reuniões entre as partes com vista à entrada da recorrida em obra, nunca tendo esta declinado essa responsabilidade ou alegado qualquer mora da recorrente.

      XX. A recorrente sempre colaborou com a recorrida na tentativa de criar soluções que permitissem a execução da empreitada por ela, contudo, face aos sucessivos incumprimentos, viu-se obrigada a resolver o contrato, por factos imputáveis à Recorrida.

      XXI. Nunca a recorrida exerceu o seu suposto direito de resolução contratual por mora da recorrente.

      XXII. A recorrente, no exercício do seu direito sempre procedeu em respeito pelos seus deveres de cooperação e de boa-fé – artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, tendo inclusive procedido a diversas interpelações antes de resolver o contrato.

      XXIII. Pelo que por esses motivos sempre fica a mora creditoris afastada.

      E também, XXIV. Ainda que inicialmente tivesse existido mora do credor (que não se aceita), o certo é que, decorrida a suspensão dos trabalhos, a mesma não se manifestou ad eternun, tendo a Recorrente notificado a Recorrida – após a suspensão dos trabalhos - para retomar e executar os trabalhos contratuais.

      XXV. Durante a suposta mora do credor, nunca a Recorrida se insurgiu perante a recorrente ou lhe imputou qualquer atraso.

      XXVI. Ainda que tivesse existido – que não existiu – mora creditoris, a mesma cessou, porquanto o contrato tomou o seu curso e passou a existir mora do devedor, que culminou com a resolução contratual, conforme resulta evidente dos artigos 10 a 23 da matéria assente.

      XXVII. Assim, entendemos que incorreu em erro o Acórdão recorrido, inexistindo qualquer mora da Credora Recorrente, pelo que deve revogar-se a decisão recorrida, mantendo-se a decisão de 1.ª instância.».

    7. A ré respondeu, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem: «A) Não assiste razão à autora/recorrente em nenhum dos fundamentos alegados no recurso de revista.

  2. Desde logo, ao contrário do que refere, não existiu qualquer decisão surpresa resultante de uma alegada preterição de contraditório, nem qualquer excesso de pronúncia.

  3. Com efeito, sem prejuízo do já alegado em sede de contestação, a título exemplificativo, na alínea HH) das conclusões do recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação do Porto era lembrado: “HH) Com a justificação inicial de imprevistos na execução das fundações, a recorrida impediu que a recorrente continuasse a executar a obra que já tinha iniciado em 2017, forçando-a a parar durante largos meses e decidiu de um momento para o outro que a apelante teria depois, a dada altura da sua conveniência, que continuar a obra no prazo inicialmente previsto, sem atentar nas prorrogações do prazo geral para conclusão.” D) Teve a autora/recorrente oportunidade de responder (e...

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