Acórdão nº 1044/21.4T8LRA-A.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

* I - Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ... - juízo central cível ... - Juiz ..., foi proposta ação declarativa, com processo comum, em que o Autor pede a condenação da Ré no pagamento de € 119.619,20, acrescidos de juros de mora vincendos.

Alega o Autor, em síntese, o seguinte: - foi o único acionista da Ré e ... desde 2009, tendo em 2013 alienado 50% das suas ações, além de sempre ter exercido funções de ... do grupo de que a Ré faz parte e do qual é a sociedade holding.

- o Autor foi suspenso das funções de ... da Ré em 20 de Outubro de 2017, com posterior destituição, não tendo a Ré procedido ao pagamento das remunerações pelo exercício daquele cargo que se encontravam em dívida na data da sua destituição e que somam € 102.847,94, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos.

Contestou a Ré, defendendo a sua absolvição do pedido.

Foi proferido despacho saneador tabelar em que se refere que o tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território, tendo-se determinado o prosseguimento do processo.

A Ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação ... saneador, na parte em que o tribunal se declarou competente em razão da matéria.

O recurso foi julgado improcedente por acórdão proferido em 15.12.2021.

A Ré interpôs recurso de revista desta decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo: (1) O presente recurso vem interposto do Acórdão Recorrido, no qual o Tribunal a quo julgou improcedente o recurso de apelação apresentado pela ora Recorrente, confirmando assim o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, no sentido da sua competência material para o conhecimento do objeto da ação em causa.

(2) Não se conformando, todavia, com o seu teor, considera a Recorrente que o Acórdão Recorrido deve ser revisto e substituído por outro que conclua pela incompetência absoluta do Tribunal Judicial da Comarca ... para dirimir a presente causa, pelos seguintes fundamentos: (3) Primeiro, estaremos perante uma exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral que implica a absolvição da Recorrente da instância, em face do disposto nos termos dos artigos 96.º, alínea b), 97.º, 98.º, 278.º, n.º 1, alínea a) e 577.º, alínea a), todos do CPC: (4) No Acórdão Recorrido, o Tribunal a quo julgou improcedente a argumentação da Recorrente de que ocorreu uma preterição do tribunal arbitral por considerar que (i) se trata de uma questão nova e que, por isso, não podia sequer dela tomar conhecimento, e que (ii) o Acordo Parassocial em causa não é aplicável no caso sub judice face à sua resolução datada de 21.11.2017 e reconhecida pela Sentença Arbitral.

(5) Quanto ao primeiro fundamento de indeferimento, importa referir que ainda que possamos estar perante uma questão que não é de conhecimento oficioso, a verdade é que a alegação da Recorrente, em sede de recurso, não padece de qualquer problema de tempestividade.

(6) A doutrina e a jurisprudência enunciada supra são pacíficas no sentido de que (i) a exceção dilatória de preterição do tribunal arbitral pode ser arguida “enquanto decisão final relativa ao mérito da causa não transitar em julgado” e que (ii) pode ser arguida em sede de recurso, devendo, nesse caso, o tribunal de recurso apreciar e julgar essa questão – vd. doutrina de ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA, PIRES DE SOUSA, LEBRE DE FREITAS E PAIS DE AMARAL e jurisprudência supra enunciada.

(7) Por isso, andou mal – salvo o devido respeito – o Tribunal a quo a não apreciar esta questão e a não deferir a mesma.

(8) Quanto ao segundo fundamento de indeferimento, importa salientar que a resolução do Acordo Parassocial a partir de 21.11.2017 não obsta à aplicação do mesmo a todas as questões que sejam provenientes do mesmo, nomeadamente no que toca a questões que são prévias à data de resolução.

(9) Recorde-se que o crédito remuneratório alegado pelo Recorrido se funda no alegado não pagamento de remunerações devidas por referência ao mês de outubro de 2017, i.e. prévio, à resolução. Por isso, o argumento de que à data da propositura da ação (22.03.2021) já se encontrava resolvido o Acordo Parassocial e que, por isso, a convenção de arbitragem não é aplicável, não pode colher.

(10) Mais: se assim for, então o mesmo raciocínio implica que não haja lugar à apreciação do pretenso direito do Recorrido à remuneração, porquanto esse direito emerge do Acordo Parassocial e à data da propositura da ação (22.03.2021) o mesmo já se encontrava resolvido.

(11) Deste modo, ou se considera que o Acordo Parassocial, e a convenção de arbitragem nele contida, é aplicável, ou se considera que o Acordo Parassocial não é aplicável, não havendo lugar à aplicação da convenção de arbitragem (prevista na cláusula 22.12), mas também não havendo lugar à apreciação sobre o direito à remuneração do Recorrido (previsto na cláusula 10.ª).

(12) Mais ainda: em rigor, a resolução de um acordo parassocial ou de um qualquer contrato apenas implica a extinção dos deveres primários de prestação; não implica a extinção de deveres secundários de indemnização (incluindo os decorrentes de cláusulas penais) e de deveres acessórios de conduta; e muito menos implica a extinção dos efeitos de cláusulas compromissórias – vd. doutrina de MENEZES CORDEIRO e de ANTUNES VARELA supra enunciada.

(13) Para além disso, é absolutamente pacífico na doutrina e jurisprudência que a invalidade ou ineficácia de um acordo no qual se insere uma cláusula compromissória não afeta a validade ou eficácia dessa cláusula compromissória. Trata-se do chamado princípio da autonomia da Cláusula compromissória – vd. doutrina de ANTÓNIO SAMPAIO CARAMELO, PEDRO SIZA VIEIRA, NUNO FERREIRA LOUSADA e jurisprudência supra citada.

(14) Assim, defende a Recorrente que, pelos motivos supra enunciados, o Recorrido deveria ter apresentado a sua pretensão junto dos tribunais arbitrais, sendo os tribunais judiciais absolutamente incompetentes para dirimir este litígio.

(15) Segundo – subsidiariamente –, estamos perante uma exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria: (16) Importa, desde logo, começar por esclarecer que o ora Recorrido peticiona nos presentes autos um crédito remuneratório que alegadamente lhe é devido pelo exercício do cargo de ... da Recorrente e não como mero ... da Recorrente. Tal resulta de forma expressa e inequívoca do artigo 34.º da Petição Inicial.

(17) Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorre, desde logo, num lapso que afeta todo o seu raciocínio jurídico. É que o Tribunal a quo considera que o crédito remuneratório em causa advém do exercício de um mero cargo ... (...), desconsiderando que, na verdade, advém do exercício do cargo de ... (...).

(18) Só este lapso explica a conclusão do Tribunal a quo no sentido de que “não está em discussão ou apreciação qualquer questão ou direito dito societário ou social”, o que está, salvo o devido respeito, desprovido de sentido.

(19) Estando em discussão a remuneração de um administrador, está, naturalmente, em causa um direito societário ou social, o qual, segundo as regras de distribuição da competência dos tribunais, terá necessária e exclusivamente que ser dirimida pelos tribunais com competência em matéria comercial/societária.

(20) O conceito de “direitos sociais”, referido no artigo 128.º, n.º 1, alínea c) da LOSJ, tem de ser aferido por referência à jurisprudência, porquanto o mesmo não foi definido pelo legislador – vd. jurisprudência, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça...

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