Acórdão nº 496/18.4T9EVR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Março de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução08 de Março de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Évora, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, com o n.º 496/18.4T9EVR, foi proferido despacho de não pronúncia dos arguidos CAR, nascido a 03/11/1977, e ABE, nascida a 26/08/1968, (…), pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06, na sua redação atual.

Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1. A decisão instrutória proferida pelo Mmº JIC enferma do vício de incorreta interpretação do direito aplicável ao caso concreto; 2. O crime de burla tributária, previsto no art.º 87º do Regime Geral das Infrações Tributárias, não é refratário à conduta por omissão, desde que se encontrem verificados os pressupostos do artºs 10º do Código Penal; 3. A conduta omissiva do beneficiário do subsídio de desemprego, por via da não comunicação da alteração das condições que estiveram por base na atribuição do respetivo subsídio, configura um meio fraudulento adequado e idóneo para determinar a administração da segurança social a representar uma realidade inexistente, para os efeitos do preceituado no art.º 87º, nº 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias; 4. Sobre o beneficiário do subsídio de desemprego, e sobre todo aquele que o contrata sabendo deste circunstancialismo, impende o especial dever jurídico de comunicar à administração da segurança social qualquer facto suscetível de determinar a cessação do pagamento das prestações do subsídio de desemprego; 5. O especial dever jurídico de comunicar à administração da segurança social, qualquer facto suscetível de determinar a cessação do pagamento das prestações do subsídio de desemprego, nos termos do preceituado no art.º 42º, nº 2, ali., a), b) e c), do Decreto-lei nº 220/2006, de 03/11, integra o pressuposto de aplicação do artºs 10º, nº 2 do Código Penal; 6. O beneficiário que aufere subsídio de desemprego e que se emprega em momento posterior à sua atribuição, não comunicando esse facto à administração da segurança social, dentro do prazo estabelecido para o efeito, nos termos dos art.º 42º, nº 2, ali. a) e nº 3, do Decreto lei nº 220/2006, de 03/11, incorre na prática do crime de Burla Tributária, p. e p. no art.º 87º do Regime Geral das Infrações Tributárias, independentemente do valor com que se locupletou; 7. O mesmo se diga em relação aquele que lhe deu emprego sabendo desta circunstância, à qual não podia ser alheio, tanto mais que, existem obrigações que pendem sobre a entidade patronal (como a de realizar os descontos para a Segurança Social), que não concretiza sem primeiro comunicar a contratação.

  1. Nesta medida, o valor dos descontos retidos pela entidade patronal, corresponde ao prejuízo causado à Segurança Social e ao enriquecimento que a entidade patronal auferiu.

  2. Donde, é nosso entendimento, salvo melhor opinião, que se verificam os elementos objetivos e subjetivo do tipo de crime em causa relativamente aos arguidos ABE e CAR.

  3. Assim, no nosso entendimento o despacho de não pronúncia proferido viola os seguintes preceitos legais: artigo 87.º do RGIT, 10.º, n.º 2 do CP e 42º, nº 2, alí. a), b) e c), do Decreto-lei nº 220/2006, de 03/11.

  4. Por este motivo, deve o mesmo ser revogado e proferido despacho de pronúncia quanto aos arguidos ABE e CAR.” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que pronuncie ambos os arguidos pela prática, em coautoria e na forma consumada, de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 5/2001, de 05/06, na sua redação atual, pelo qual foram acusados.

    *O recurso foi admitido.

    Notificados os arguidos da interposição do recurso, os mesmos não apresentaram qualquer resposta.

    *O Exmo. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da sua procedência.

    *Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    ***II – Fundamentação.

    II.I Delimitação do objeto do recurso.

    Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

    Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

    No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir: - Saber se, face à matéria de facto considerada suficientemente indiciada nos autos, se encontram verificados os pressupostos de que depende a imputação aos arguidos de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87.º, n.º 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/06 na sua redação atual e se, consequentemente, os mesmos deverão ser pronunciados pela prática em coautoria do referido crime.

    II.II - A decisão recorrida.

    Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que releva para a apreciação do recurso: “(…) 1) FACTOS SUFICIENTEMENTE INDICIADOS: 1. No dia 15 de Janeiro de 2016, a arguida ABE requereu, junto do Centro de Emprego de Évora, a atribuição do subsídio social de desemprego, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, na sua redação atual, o qual lhe foi deferido, com início em 15 de Janeiro de 2016, pelo período de 675 (seiscentos e setenta e cinco) dias, no montante diário de €13,97 (treze euros e noventa e sete cêntimos).

  5. A pretensão da arguida foi deferida em função da situação de desemprego por si invocada.

  6. Sucede que a arguida ABE iniciou, a 8 de Fevereiro de 2016, atividade laboral remunerada para a empresa NHA, cuja gerência era exercida pelo arguido CAR, tendo sido por este contratada.

  7. Acordaram depois os arguidos ABE e CAR em não comunicar à Segurança Social o início daquela atividade laboral remunerada por parte da arguida para a empresa gerida pelo arguido.

  8. Assim, a arguida continuou a receber, mensalmente, da Segurança Social a referida prestação de desemprego até Setembro de 2016.

  9. Beneficiou a arguida de subsidio de desemprego no montante total de €3.246,40 (três mil, duzentos e quarenta e seis euros e quarenta cêntimos), correspondente ao período que mediou entre Fevereiro e Setembro de 2016, período de tempo em que a arguida cumulou o subsidio de desemprego com a retribuição decorrente do contrato de trabalho com a empresa gerida pelo arguido CAR.

  10. A Segurança Social apenas continuou a atribuir subsídio de desemprego à arguida ABE a partir de Fevereiro de 2016 na convicção de que a arguida se mantinha na situação de desemprego uma vez que a mesma não lhe deu conhecimento, como sabia estar obrigada, de que a situação de desemprego havia cessado em 8 de Fevereiro de 2016.

  11. Com tal omissão, logrou a arguida ABE fazer com que continuasse a beneficiar da atribuição da prestação de desemprego, bem sabendo que, a partir de 8 de Fevereiro de 2016 a ela não tinha mais direito.

  12. Auferiu a arguida ABE a referida prestação social bem sabendo os arguidos que era indevida, mas ainda assim agiram conforme descrito, querendo e logrando alcançar beneficio ilegítimo.

  13. Não desconheciam os arguidos que, ao iniciar atividade laboral remunerada, o beneficiário de prestação de desemprego está obrigado a comunicar à Segurança Social o inicio da mesma.

  14. E era, também, do conhecimento dos arguidos que o subsídio de desemprego é uma prestação social que visa a reparação na eventualidade de desemprego dos beneficiários abrangidos pelo regime geral.

    2) FACTOS NÃO SUFICIENTEMENTE INDICIADOS: - O arguido CAR não comunicou a admissão da arguida como sua trabalhadora à Segurança Social para que esta continuasse a receber a referida prestação de desemprego.

    - Em 8., CAR.

    - Os arguidos agiram da forma descrita, o que fizeram livre, deliberada e conscientemente bem sabendo serem as suas condutas proibida e punidas por lei, tendo os arguidos a necessária capacidade para se determinarem de acordo com essa avaliação.

    (…) A factualidade não indiciada decorre de falta de prova suficiente para afirmar a sua indiciação e o tribunal abstém-se de pronunciar quanto à matéria contraditória, valorativa e conclusiva e sem relevo para a decisão a proferir.

    Particularmente, não existem elementos que indiciem a falta de comunicação da entidade empregadora ou que a falta de comunicação de CAR determinasse a convicção da Segurança Social.

    Em síntese, não há qualquer elemento de prova testemunhal e/ou documental que permita concluir pela intervenção do arguido no procedimento atinente à atribuição de subsídio de desemprego. De igual modo, não existem elementos para afirmar o conhecimento e a vontade delituosos.

    De facto, pode ter beneficiado reflexamente da situação mas esse aspeto não é elemento do tipo criminal.

    Ademais, constituindo o emprego de ABE uma circunstância superveniente ao requerimento de pedido de atribuição que impunha a comunicação à Segurança Social, não se logra em criar a convicção relativa ao dolo do tipo e da culpa desta arguida, tendo a arguida persistido, censuravelmente, na violação do dever de...

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