Acórdão nº 36/16.0BEFUN de Tribunal Central Administrativo Sul, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelVITAL LOPES
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL 1 – RELATÓRIO D…, S.A., Zona Franca da Madeira, interpôs para o Supremo Tribunal Administrativo recurso jurisdicional da sentença proferida em 13 de Março de 2020 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que na verificação da excepção peremptória da caducidade do direito de acção, absolveu a Fazenda Pública do pedido apresentado na impugnação judicial do indeferimento parcial da reclamação graciosa referente à liquidação de IRC n.º 2014 2…, respeitante ao exercício de 2013 e correspectivos juros de mora e custas, no montante global de 1.424.879,07 euros.

A Recorrente conclui as doutas alegações assim, reformuladas após convite: «2.º1. A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial proposta pela Recorrente na sequência da decisão de indeferimento proferida no âmbito da reclamação graciosa n.° 3…, relativa ao ato de liquidação adicional de IRC n.° 2014 2…, na parte correspondente à derrama regional; 2. O Douto Tribunal a quo concluiu pela extemporaneidade da impugnação judicial, tendo sentenciando que: (i) os tribunais arbitrais carecem de competência para conhecer da legalidade dos atos colocados em crise no litígio; (ii) a Recorrente ultrapassou o prazo de caducidade do direito de propositura da ação, verificando-se a exceção de caducidade do direito de ação, conducente à absolvição da Fazenda Pública do pedido (cfr. art. 576.0, n.° 3, do CPC, aplicável ex vi art. 2.0, alínea e), do CPPT); 3. Perante o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo, entende a Recorrente enfermar a sentença recorrida de erro de julgamento, pelo que requer a esse Douto Tribunal ad quem que diligencie pela sua anulação; 4. A questão objeto do presente recurso reporta-se assim à vinculação do Douto Tribunal ao quo ao sentenciado na decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, transitada em julgado, relativamente ao reinicio da contagem do prazo de propositura da impugnação judicial acima identificada; 5. Entende o Douto Tribunal a quo que tal decisão arbitral, porquanto versa sobre o vício de incompetência absoluta, não produz efeitos fora do processo em que foi proferida, não relevando a reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial nela reconhecida ao abrigo do art. 24.º, n.° 3, do RJAT (cfr. art. 100.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 6. Tal entendimento bule com o princípio do respeito pelo caso julgado (cfr. arts. 58o.0, 581.°, 619.°, 621.º e 625.º do CPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 7. A figura do caso julgado visa evitar que determinada questão venha a ser dirimida em termos distintos por diferentes tribunais, conferindo força obrigatória dentro e fora do respetivo processo a decisões que se pronunciem sobre a relação material controvertida (cfr. arts. 619.0 e 621.0 do CPC); 8. O legislador distingue os casos julgados formal e material: o primeiro possui eficácia intraprocessual (cfr. art. 619.°, n.° 1, do CPC); o segundo possui eficácia extraprocessual (cfr. art. 620.º, n.° 1, do CPC); 9. A questão atinente à tempestividade sentenciada na decisão arbitrai integra o role de questões abrangidas pela relação material do litígio, beneficiando por isso de eficácia extraprocessual; 10. Logo, tendo a decisão arbitrai reconhecido 0 direito à propositura de impugnação judicial no prazo de três meses a contar da notificação da decisão arbitrai, ao abrigo do art. 24.0, n.° 3, do RJAT, não poderá outro tribunal refutar esse direito, sob pena de preterição do caso julgado material já formado; 11. Padece assim a sentença recorrida de erro de julgamento, com fundamento na preterição do caso julgado material formado aquando do trânsito em julgado da decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, na parte respeitante ao reinicio da contagem do prazo de propositura de ação judicial por força da aplicação do art. 24.0, n.° 3, do RJAT (cfr. art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT); 12. Acresce que, contrariamente à posição perfilhada pelo Douto Tribunal a quo, não se reputa aplicável à presente situação o regime ínsito no art. 100.º do CPC, no sentido de obstar a que o sentenciado na aludida decisão arbitrai releve no âmbito dos presentes autos; 13. Neste contexto cumpre ter presente que a aludida decisão arbitrai se divide em dois segmentos decisórios: (i) o primeiro reportado à incompetência do tribunal arbitrai (cfr. arts. 4.º do RJAT e 1.° da Portaria de Vinculação); (ii) o segundo atinente ao preenchimento dos pressupostos da reabertura do prazo de propositura de nova ação judicial (cfr. art. 24.º, n.° 3, do RJAT); 14. Quanto ao primeiro não se verifica a violação do caso julgado formado, porquanto não existe discordância entre a sentença recorrida e a decisão arbitrai, tendo o Douto Tribunal a quo reconhecido que “(...) a apreciação do litígio “sub judice” não se incluía na competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, conforme foi decidido na decisão arbitrai junta aos autos”; 15. Dado que a dissonância entre as decisões se reporta apenas ao segundo segmento decisório - relativo à reabertura do prazo‘ de propositura da ação e, concomitantemente, à tempestividade da petição de impugnação apresentada, à luz do art. 24.º, n.° 3, do RJAT -, não se mostra aplicável o art. 100.° do CPC; 16. Isto porque a questão de caducidade do direito de ação não constitui uma questão de competência; 17. Nessa medida, mostra-se antes aplicável o regime-regra previsto no art. 619.º do CPC, de onde decorre que o referido segmento decisório (relativo ao reinicio da contagem do prazo de propositura de ação) reveste a força de caso julgado material, pelo que se impunha a sua aceitação pelo Douto Tribunal a quo; 18. Mesmo que assim não se entendesse - o que só por cautela de patrocínio se admite, sem, no entanto, conceder -, a eventual subsunção desta matéria a uma questão de (in)competência sempre configuraria uma situação de incompetência relativa, insuscetível de subsunção no art. 100.° do CPC, circunscrito a situações de incompetência absoluta; 19. Com efeito, não está em causa nos autos uma questão de incompetência em razão: (i) da matéria (os tribunais arbitrais beneficiam, em abstrato, de competência para aferir da legalidade de atos tributários e em matéria tributária concernentes aos primeiros); (ii) da hierarquia (os tribunais arbitrais operam enquanto tribunais de 1.a instância); (iii) das regras de competência internacional (não se coloca qualquer questão transnacional no litígio) ou (iv) da preterição de tribunal arbitrai (as partes não se encontravam obrigadas a recorrer à arbitragem tributária); 20. Em face do exposto, o Douto Tribunal a quo estava vinculado à decisão arbitrai proferida no processo n.° 247/2015-T, na parte respeitante à aplicação do art. 24.º, n.° 3, do RJAT, de onde resulta a tempestividade da propositura da impugnação judicial, nos termos do art. 619.º do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e), do CPPT, impondo-se por isso a anulação da sentença recorrida; 21. Acresce oporem-se os princípios da confiança e da segurança jurídicas ao sentido decisório perfilhado na sentença recorrida (cfr. art. 2.º da CRP); 22. Admitir-se que um tribunal possa desatender ao sentido decisório (j á transitado em julgado) adotado por outro tribunal coloca em causa os princípios da confiança e da segurança jurídicas, na medida em que obstaculiza a que uma parte possa prever com certeza se os direitos reconhecidos por um órgão jurisdicional lhe serão efetivamente oponíveis; 23. Tal conclusão encontra ainda respaldo no art. 205.º, n.° 2, da CRP, o qual dita que as decisões dos tribunais consolidadas na ordem jurídica se sobrepõem a decisões posteriores que as contradigam; 24. Termos em que o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo na sentença recorrida - na medida em que coarta o direito à reabertura do prazo de propositura da impugnação judicial, conforme reconhecido pelo tribunal arbitrai no processo n.° 247/2015-T (cfr. art. 24.º, n.° 3, do RJAT) - redunda na violação dos princípios constitucionais da confiança e da segurança jurídicas, nos termos dos arts. 2.º e 205.º, n.° 2, da CRP, o que desde já se invoca para efeitos do arts. 70.º, n.° 1, alínea b), e 72.º, n.° 2, da Lei n.° 28/82, de 15 de novembro; 25. Pelo exposto, entende a Recorrente padecer a sentença recorrida de erro de julgamento, impondo-se a esse Douto Tribunal ad quem a sua anulação e concomitante expurgo da ordem jurídica, tudo com as demais consequências legais; 26. Ainda que se entendesse que o Douto Tribunal a quo não está vinculado às decisões arbitrais em matéria tributária - o que apenas por dever de patrocínio se admite, sem conceder -, impor-se-ia ao mesmo aferir do preenchimento dos pressupostos de aplicação do art. 24.º, n.° 3, do RJAT, o que não sucedeu; 27. Decorre desta disposição legal que, nas situações em que a decisão arbitrai não conheça do mérito da pretensão trazida a juízo por facto não imputável ao sujeito passivo, o prazo para reagir contenciosamente dos atos contestados reinicia-se com a notificação da respetiva decisão arbitrai; 28. O regime ínsito no art. 24.º, n.° 3, do RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro, no uso da autorização legislativa concedida ao Governo pelo art. 124.º da lei de autorização legislativa do RJAT (ao abrigo, por sua vez, da alínea b) do n.° 1 do art. 198.º da CRP e, em consonância, com o art. 165.º, n.° 2, da CRP); 29. A lei de autorização legislativa não limitou territorialmente os efeitos do diploma a aprovar ao território continental, vigorando em todo 0 território nacional sem reservas ou especificidades relativas às regiões autónomas; 30. Nos termos do art. 4.º, n.° 1, do RJAT, a vinculação da administração tributária à jurisdição arbitrai depende de portaria, tendo o Governo aprovado a Portaria de Vinculação, a qual não...

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