Acórdão nº 240/18.6T8AMT-H.P1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ RAINHO
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo n.º 240/18.6T8AMT-H.P1-A.S1 Revista Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto + Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção): I - RELATÓRIO FUNDO IMOBILIÁRIO ESPECIAL DE APOIO ÀS EMPRESAS (FIEAE), intentou - por apenso ao processo de insolvência de Abreu & Abreu, Lda.

(que corre termos pelo Juízo de Comércio ...) - contra MASSA INSOLVENTE DE ABREU & ABREU, LDA., ação de impugnação de resolução em benefício da massa insolvente do ato de compra e venda celebrado entre a Insolvente e o Autor.

Alegou para efeito, e em síntese, que: - Por carta registada de 13 de junho de 2018, rececionada no dia seguinte, foi notificado pelo Administrador de Insolvência da resolução do contrato de compra e venda que (como comprador) celebrou em 4 de outubro de 2017 com a sociedade Insolvente (como vendedora) e que teve por objeto o prédio urbano composto por pavilhão de dois pisos, com logradouro, com a área coberta de 3.633 m2 e a área descoberta de 6 367 m2, sito na Rua..., ..., freguesia de ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...13 daquela freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...62, cujo valor patrimonial era, à data do negócio, de € 765.560,00; - Porém, a declaração resolutiva carece de fundamento legal; - O Autor está, nos termos do diploma legal que o criou, vocacionado para a aquisição de imóveis integrados no património de empresas em situação económica difícil como forma de dotação destas de recursos financeiros imediatos, aquisição normalmente acompanhada da reserva da utilização e da obrigação de recompra desses mesmos imóveis pelas empresas transmitentes; - Anteriormente à compra e venda em causa o Autor efetuou uma série de diligências tendentes a averiguar a situação patrimonial e financeira da ora Insolvente Abreu & Abreu, Lda., a fim e apurar se esta se enquadrava no quadro legal que permitia a intervenção do FIEAE; - Analisada a situação financeira da empresa por entidade especializada e por si mandatada para o efeito, veio esta a concluir que a vendedora estava em dificuldades económicas, mas tinha capacidade de resolver tal situação, mediante uma série de reestruturações que lhe eram impostas; - Foi nesse contexto que o negócio se concretizou, por um valor (€ 1.346 000,00) que resultou da média de duas das avaliações do imóvel que foram efetuadas; - O imóvel comprado pelo Autor foi simultaneamente dado de arrendamento à outra parte por uma renda calculada precisamente em função daquele valor de compra, tendo ficado prevista a possibilidade da sua recompra; - Foi pago o valor acordado pela venda, pelo que o negócio não foi ruinoso para os credores; - Conforme acordado, o Autor reteve o valor de € 8.539,13 para pagamento das rendas referentes aos 28 dias de outubro de 2017 e para o mês de Novembro de 2017, bem como foi retida a quantia de € 40.380,00 a titulo de caução destinada a garantir o cumprimento das obrigações que do contrato decorriam para a vendedora; - A situação financeira difícil das empresas é condição para se candidatarem ao programa subjacente ao FIEAE, o que exclui do seu âmbito sociedades financeiramente saudáveis, sendo que à data da candidatura a vendedora apresentou certidões comprovativas de ter a sua situação fiscal e contributiva regularizada; - Adquiriu o imóvel de boa-fé e convicto de que com tal aquisição estaria a reforçar a tesouraria da ora Insolvente, para além de liquidar um passivo junto da entidade bancária, com quem a vendedora havia efetuado um contrato de locação financeira que tinha por objeto o dito imóvel e que era muito mais desvantajoso para a mesma.

Concluiu pedindo que, na procedência da ação, seja declarada “validamente impugnada, por ausência de verificação dos respetivos pressupostos, a decisão de resolução em benefício da massa operada pelo AI através de carta datada de 13 de Junho de 2018, devendo ser declarada e reconhecida a validade e a regularidade da compra efetuada pelo FIEAE à insolvente do prédio urbano” atrás identificado.

+ Contestou a Ré Massa Insolvente de Abreu & Abreu, Lda., concluindo pela improcedência da ação e pela manutenção da resolução do contrato.

Alegou, em síntese, que: - O negócio em causa foi efetuado cerca de 3 meses e meio antes da insolvência; - O imóvel alienado tinha um valor de mercado nunca inferior a € 2.000.000,00 e foi vendido por € 1.346.000,00, logo, existiu uma manifesta desproporção entre o valor da venda e o valor de mercado; - Mesmo que o preço declarado tivesse correspondência com o valor de mercado do imóvel, tal negócio foi realizado com prejuízo para os credores; - O imóvel foi adquirido (por € 624.023,00) pela Insolvente à Caixa Leasing no dia em que foi vendido ao Autor, sendo que este preço correspondia ao capital em dívida nesse contrato de locação financeira, pelo que o imóvel detinha um valor de mercado superior ao montante da dívida a essa Caixa Leasing; - A subtração do imóvel aos credores implicou uma diminuição do valor da massa insolvente, sendo que o prédio em causa prédio era o único bem imóvel de que à data a Insolvente era proprietária, constituindo a única garantia patrimonial dos credores; - O Autor sabia da situação económica difícil da vendedora, até porque recorreu a peritos financeiros para analisar a respetiva capacidade financeira, conhecendo, assim, os valores de que a vendedora era devedora; - Houve má-fé da parte do Autor, que agiu pelo menos com desconhecimento negligente.

+ Seguindo o processo seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença onde se decidiu julgar a ação totalmente procedente, declarando-se «a validade e a regularidade da compra do prédio urbano composto por pavilhão de dois pisos, com logradouro, com uma área coberta de três mil seiscentos e trinta e três metros quadrados e uma área descoberta de seis mil trezentos e sessenta e sete metros quadrados, sito na Rua..., ..., freguesia ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número quinhentos e treze da mencionada freguesia e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo mil e sessenta e dois, efetuada pelo Autor à insolvente, mantendo-se tal venda a favor do A. válida e eficaz.» + Inconformada com o assim decidido, apelou a Ré.

Fê-lo sem êxito, pois que a Relação ... confirmou a sentença.

+ Mantendo-se insatisfeita, pede a Ré revista.

Introduziu o recurso como revista excecional.

+ Da respetiva alegação extrai a Recorrente as seguintes conclusões: I. Consta da fundamentação de direito do acórdão recorrido que «A circunstância de ter caducado a validade da certidão emitida pela Autoridade Tributária, em 19.01.2017, e da Declaração emitida pela Segurança Social, em 08.03.2017, atestando que aquela sociedade tinha a sua situação tributária e contributiva regularizada, não implica, ipso facto, que já assim não seria na data (04.10.2017) em que foi celebrado o negócio de compra e venda do imóvel».

  1. Defende o mesmo acórdão que «Não existem nos autos elementos factuais bastantes para se poder afirmar a contrariedade à lei do negócio em causa e por isso fica arredada a possibilidade de declarar a sua nulidade, como pretende a recorrente».

  2. Parece-nos claro que o Tribunal da Relação do Porto incide numa contradição que inquina toda a decisão, pois além de, por um lado, considerar aquilo que atestam a Certidão e a Declaração acima referidas, e simultaneamente desconsiderar o prazo de validade dessa atestação fixado nesses mesmos documentos, por outro lado afirma inexistir uma realidade factual que foi efetivamente dada como provada por esse mesmo Tribunal.

  3. É que, o Tribunal da Relação do Porto defende que «Não existem nos autos elementos factuais bastantes para se poder afirmar a contrariedade à lei do negócio em causa…», mas, ao mesmo tempo, dá como provado que à data da venda as dívidas (da Insolvente) ao sector público estatal , designadamente à Segurança Social, ultrapassavam os 500.000,00€.

  4. Esta contradição torna ininteligível a decisão o que aqui e para todos os efeitos expressamente se invoca – artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e artigo 666.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.

  5. A questão referente à nulidade do contrato não consubstancia uma questão nova nos autos, sendo antes uma questão puramente de direito que podia e devia ter sido conhecida pelo tribunal de 1ª instância, pelo que não recaía sobre a Recorrente o ónus de alegação de tal questão.

  6. Nos termos do art. 5.º, n.º 3, do CPC «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito».

  7. Dos factos essenciais carreados pelas partes e dados como provados, dos factos instrumentais resultantes da instrução da causa, e, bem assim, dos documentos juntos aos autos, resultam todos aqueles que são necessários à apreciação da questão da situação tributária e contributiva da Insolvente, à data da venda, pelo que o Tribunal da Relação podia tomar conhecimento da questão, que não era nova e foi suscitada nas alegações de recurso, uma vez que foi dada à Recorrida a oportunidade de se pronunciar nas suas contra-alegações. Ora, IX. Resulta do artigo 11.º/1/a) do Decreto-Lei n.º 104/2009, que criou o Recorrido, que a apresentação dos projetos aos instrumentos a que se refere o artigo 3.º, é acompanhada dos elementos referidos no Anexo àquele Diploma, entre os quais constam, na alínea c) «Declarações comprovativas da regularidade da situação fiscal e perante a Segurança Social da proponente».

  8. A exigência de comprovativo da situação tributária e contributiva regularizada deve existir também no momento do pagamento pois este decorre de um contrato para cujo procedimento pré-contratual era exigida a apresentação de certidão comprovativa de situação tributária ou contributiva regularizada.

  9. De acordo com o disposto no artigo 177.º-B, alínea a), do CPPT, aos contribuintes que não tenham a sua situação tributária regularizada é vedado “Celebrar contratos...

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