Acórdão nº 1411/20.0T8FAR-A.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA, BB e CC instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Águas do Algarve, S.A., pedindo a condenação desta: a) a pagar às AA. a quantia global de € 81.500,00 acrescida de IVA à taxa legal e acrescida de juros vincendos à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento bem como as custas e demais encargos; b) a pagar às AA. uma indemnização, nos termos do disposto no artigo 1172º, alínea c) do Código Civil, em quantia a liquidar de acordo com o disposto no artigo 609º nº 2 do CPC.

Fundamentam a sua pretensão no facto do seu pai ter prestado serviços como advogado para a R., tendo os mandatos sido revogados e estando em dívida honorários, tendo o pai entretanto falecido.

A R., na sua contestação, invocou a incompetência do tribunal “a quo” em razão da matéria, em virtude de, perante o teor da petição inicial, da documentação junta aos autos, da relação contratual mantida entre as partes – vertida, de resto, em Ajustes Diretos tramitados ao abrigo de normas de Direito Público – e da natureza jurídica da R., serem competentes para dirimir o litígio os tribunais administrativos – cfr. art.4º nº 1, alínea e), do ETAF.

Invocaram ainda a exceção dilatória de Aceitação dos Atos Administrativos que denegaram as pretensões das AA. e a prescrição presuntiva dos honorários peticionados.

Mais impugnaram que sejam devidos os honorários peticionados, já tendo sido pagos todos os honorários devidos ao advogado em causa.

Na réplica as AA. pugnaram pela improcedência das exceções dilatórias invocadas pela R. na sua contestação.

Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual o tribunal “a quo” proferiu despacho saneador onde veio a julgar improcedente a invocada exceção dilatória da incompetência material do tribunal “a quo”, tendo fixado, de seguida, o objeto do litígio e os temas de prova.

  1. Inconformada com tal decisão – relativa à improcedência da exceção dilatória de incompetência material do tribunal – dela apelou a R, tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão do tribunal de 1.ª instância, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto pela R., confirmando-se inteiramente a decisão proferida pela Julgadora “a quo”».

  2. Novamente inconformada, veio a ré interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 629.º, n.º 1, 637.º, n.º 2, 671.º, n.º 1 e 3 e 672.º, n.º 1 alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil (CPC), formulando as seguintes conclusões: «A.

    O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação ..., em 13.05.2021, que decidiu confirmar o Despacho Saneador proferido em 24.11.2020.

    B.

    A Recorrente tem legitimidade, está em tempo, e os requisitos estabelecidos na Lei Processual Civil para a interposição de recurso em geral (cf. artigos 629.º, n.º 1, do CPC), e de recurso de revista em especial (cf. artigos 671.º, n.º 1, e 673.º, do CPC), estão reunidos; C.

    No presente caso encontram-se ainda verificados os pressupostos de que o n.º 1, alíneas a) a c) do artigo 672.º do CPC, faz depender a admissibilidade do Recurso de Revista, justificando, por isso, a intervenção desde Venerando SupremoTribunal de Justiça, pois que não só estamos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, torna a presente revista de importância fundamental, como perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, e, bem assim, perante uma “oposição de julgados”, entre o decidido no Acórdão sob revista e o decidido no Acórdão proferido por este Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em 13.10.2020, no âmbito do Processo n.º 48776/18.0YIPRT-A.P1.S1.

    D.

    Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “relevância jurídica ou social que torna a revista de importância fundamental”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante uma situação de incorreta interpretação e aplicação do regime da jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária de serviços públicos e advogado, designadamente, cobrança de honorários a título de patrocínio forense, que não só suscita dúvidas na Jurisprudência (v.g. Acórdãos invocados em sede de Recurso que se mostram contraditórios com as decisões proferidas no processo pela 1.ª e 2.ª instâncias), E.

    Como apresenta contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, podendo representar, assim, uma orientação para a resolução desses prováveis futuros casos (já que se mostra de enorme suscetibilidade a ocorrência de Ações para a condenação no pagamento de despesas e honorários com os Mandatários Judicias em que a Parte Demandada se trata de uma Entidade de Direito Público, designadamente, concessionária).

    F.

    A propósito do pressuposto de existência de “Necessidade de Melhor Aplicação do Direito”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante um erro “manifesto e grave” de interpretação, pois que tem vindo a ser jurisprudencialmente aceite pelos nossos Tribunais Superiores que o contrato de prestação de serviços de apoio jurídico, tendo sido celebrado por uma Entidade Adjudicante, é, ao abrigo do disposto no artigo 1.º, n.º 2, do CCP, um contrato público (v.g.

    , Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 27.06.2019, no Processo n.º 46229/18.6YIPRT.G1, e Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 25.06.2015, no Processo n.º 3443/11.0TDLSB.L1-9).

    G.

    Ao contrário do preconizado em “manifesto e grave” erro de julgamento pelo Venerando Tribunal a quo, o contrato de prestação de serviços em causa não se encontra excluído do âmbito de aplicação do CCP, nem integra o elenco de contratação excluída previsto por este (cfr. artigos 4.º e 5.º do CCP), integrando-se no âmbito de aplicação do disposto no artigo 4.º, n.º 1, alínea e), do ETAF (v.g., Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.01.2019, no Processo n.º 8461/17.2T8LSB.L1-1).

    H.

    Nestes termos, e no que concerne à “oposição de julgados”, demonstrou-se que o Acórdão sob revista encontra-se em oposição com o decidido no Acórdão proferido pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, em 13.10.2020, no âmbito do Processo n.º 48776/18.0YIPRT-A.P1.S1, I.

    Atendendo a que, com base na interpretação e aplicação da mesma disposição legal (o artigo 4.º, n.º 1, alínea e) do ETAF), o caso em concreto (jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense) constituído por umnúcleofactual similar (litígio emergente de relação contratual entre advogados e concessionário de serviços públicos, destinado à cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense), foi decidido num sentido no Acórdão Fundamento (a jurisdição administrativa é a jurisdição competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense), e em sentido contrário no Acórdão sob revista (é a jurisdição cível, e não a administrativa, a competente para dirimir litígios resultantes da relação contratual entre concessionária e sociedade de advogados, designadamente, a cobrança de cobrança de honorários devidos pelo patrocínio forense), J.

    Sem, contudo, se relevar no Acórdão sob revista que a Recorrente é, ao abrigo do dispostonoartigo2.º, n.º2, alínea a), subalínea ii), do CCP, um organismo de direito público e, por isso, uma entidade adjudicante para efeito de aplicação do Código de Contratos Públicos; K.

    Ou que, o argumento da natureza privada do mandato forense não tem qualquer sustentabilidade para determinar a competência jurisdicional entre os tribunais administrativos e judiciais, como acaba por não ter qualquer utilidade para solucionar a controvérsia, conforme reconhecido, no Acórdão Fundamento proferido por este Supremo Tribunal de Justiça.

    L.

    Este é o entendimento que tem vindo a ser acolhido de forma maioritária pela nossa Jurisprudência e Doutrina mais autorizadas na matéria, sendo sintomático disso mesmo não só o Acórdão que serve de fundamento à presente Revista, como o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal de Justiça, em 02.06.2020, no âmbito do Processo n.º 45639/18.3YIPRT.G1.S1, e, bem assim, nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 10.09.2020, no âmbito do...

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