Acórdão nº 13/18.6S1LSB-G de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | LOPES DA MOTA |
Data da Resolução | 02 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.
AA, arguido no processo 13/18.6S1LSB, do Juízo Central Criminal ... - Juiz 6, Tribunal Judicial da Comarca ..., e aí melhor identificado, alegando encontrar-se em situação de prisão ilegal, por se mostrar ultrapassado o termo do prazo máximo de prisão preventiva a que se encontra sujeito, vem, nos termos do art.º 31.º da Constituição da República Portuguesa e do art.º 222.º, n.º 2, al. c), do Código de Processo Penal, intentar providência de habeas corpus, nos seguintes termos: “1. No âmbito dos presentes autos, encontra-se o Arguido preso preventivamente desde o passado dia 11/07/2019.
2. O julgamento iniciou-se no dia 23/09/2021.
3. Sendo que, por motivos totalmente alheios ao Arguido, a audiência de discussão e julgamento esteve suspensa entre os dias 30/09/2021 e 04/01/2022.
4. Com efeito, nesse ínterim, foram marcadas, mas dadas sem efeito, sessões para os dias 25/11/2021, 09/12/2021, 16/12/2021 e 23/12/2021.
5. Acrescendo que na última sessão de julgamento (realizada a 06/01/2022) e porquanto se estava já muito próximo da data em que se esgotaria o prazo máximo de duração da prisão preventiva (11/01/2022, nos termos art. 215º/1/c) e 3 do CPP) o tribunal veio a impedir o Arguido de inquirir uma das suas testemunhas de defesa, devidamente arrolada (o que merecerá reacção em sede própria), assumindo expressamente que o fazia para que não se esgotasse a prisão preventiva a que o Arguido estava (e está) sujeito.
6. Precisamente por essa razão (não ultrapassagem do prazo máximo da prisão preventiva) veio a ser designado o dia 11/01/2022, pelas 14h, para a leitura do suposto acórdão.
7. Nessa sessão, a Mm.ª Juíza Presidente do colectivo indicou que iria proceder à leitura, “por súmula”, do acórdão alegadamente proferido pelo tribunal (como se pode constatar pela audição da gravação da sessão em causa e sendo que, até à presente data, não existe acta dessa sessão – bem como, aliás, inexistem actas de outras sessões).
8. Sucede que, até à presente data, não foi publicado o suposto acórdão que, naquele dia 11/01/2022, teria sido lido por apontamento.
9. O facto de, volvidos praticamente 15 dias desde a alegada leitura do acórdão, este ainda não estar publicado não pode, se não, significar que à data de 11/01/2022 o acórdão ainda não havia sido elaborado.
10. O que significa que o tribunal decidiu ler, por súmula, uma decisão que ainda não existia (nem existe no presente…), com o único fito de, artificial e deslealmente, fazer atingir o marco que permitiria o prolongamento da prisão preventiva (a existência de “condenação em 1ª Instância”, conforme alínea c) do n.º 1 do art. 215º CPP).
11. Neste particular (elaboração, assinatura e leitura da sentença/acórdão), regem os arts. 372º e 373º do CPP, que determinam que, após deliberação e votação, é elaborada (fisicamente, entenda-se) a sentença e assinada E SÓ DEPOIS se procede à sua leitura.
12. Pois que, como está bom de ver, não faria qualquer sentido avançar-se para a leitura pública de uma decisão que ainda não houvesse sido efectivamente elaborada.
13. Considerando a jurisprudência, de forma acertadíssima, que “A sentença [só pode ser] lida publicamente depois de elaborada e assinada. A leitura de um rascunho de que seria a putativa sentença, não é a leitura de sentença como determina a lei processual penal” (nota 1: Cfr. Ponto I do sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 24/05/2017, proferido no âmbito do processo n.º 631/16.7T8CVL.C1 e disponível em www.dgsi.pt).
14. Mais considerando que: “Na audiência do dia 24 de Abril de 2019 não foi reduzida a escrito, lida publicamente e depositada na secretaria a sentença que o deveria ser, elaborada nos termos do douto acórdão enunciados. Pelo que, inexiste sentença juridicamente válida. (…) Pelo que concordamos com o decidido no ac. citado supra desta Relação de 24.05.2017, ao considerar que “a omissão da leitura pública da sentença em audiência de julgamento tem como consequência a nulidade, insanável, da sessão do julgamento” (nota 2: Cf. Douto acórdão do presente T.R.C. datado de 13/11/2019, relatado pelo Mm. º Desembargador Luís Teixeira e disponível em www.dgsi.pt.
15. Como se disse, a anormalíssima disparidade temporal entre o acto de leitura do suposto acórdão e a sua publicação (já mais de 13 dias…) só pode significar que o tribunal ainda se acha a elaborar o acórdão, pelo que o mesmo inexistia no dia 11/01/2022, como inexiste ao dia de hoje.
16. Aliás, basta atentar devidamente na gravação do acto de leitura da súmula do “acórdão” (em particular no que concerne à fundamentação de facto e de Direito apresentadas) para perceber que não estava elaborado qualquer acórdão! 17. Note-se que o tribunal se limita a indicar quais os crimes cuja prática considera provada e não provada (não os factos…), por referência a cada um dos arguidos, justificando-o de forma completamente genérica e a indicar quais as penas que decidiu aplicar-lhes, novamente fundamentando tal decisão genericamente… 18. Insiste-se, aquilo que o tribunal fez foi uma clara batota, totalmente ilegal, para manter o Arguido em situação de prisão preventiva… 19. E veja-se a perversidade desta manobra: mesmo que o Arguido argua a nulidade (insanável) da sessão de julgamento onde foi feita a leitura do “acórdão” ou a própria inexistência deste junto do tribunal ..., este, sendo “juiz em causa própria”, seguramente indeferiria tal arguição, o que implica que o Arguido teria que recorrer desse indeferimento. Ora, mesmo que se considerasse que tal recurso subia imediatamente (e não é líquido que seja esse o entendimento do tribunal), uma eventual decisão sobre o mesmo demoraria, na melhor das hipóteses, alguns meses… 20. E, durante esse período, o Arguido manter-se-ia preso ilegal e injustificadamente! 21. Razão pela qual se entendeu que a única solução para o Arguido ver, em tempo, apreciada e decidida a sua situação de prisão ilegal (porque mantida para lá dos prazos fixados na lei e uma vez que, como dissemos, INEXISTE decisão condenatória de 1ª Instância) é a presente providência de Habeas Corpus.
22. Pois que não pode haver dúvidas que, por um lado, não existia acórdão condenatório em 11/01/2022 e, por outro lado, quando vier a existir, não foi essa a decisão que foi lida na sessão de 11/01/2022, pelo que tal sessão se encontra inevitavelmente ferida de nulidade (nos termos do art. 87º/5 CPP).
23. E se não existia acórdão condenatório, evidente se torna que a prisão preventiva a que o Arguido se encontra sujeito não podia subsistir para lá do dia 11/01/2022… 24. Dito por outras palavras, a manutenção da sujeição do Arguido em prisão preventiva a partir das 00h00 de 12/01/2022 só pode configurar uma situação de prisão contrária à lei, em particular contrária ao preceituado nos artigos 27º/1 e 28º/4 da Constituição da República Portuguesa e nos artigos 215º/1/c) e 3 e 217º/1 do CPP – o que é manifestamente enquadrável na alínea c) do n.º 2 do art. 222º CPP (prisão mantida para além dos prazos fixados na lei).
25. A simulação, pelo tribunal, da leitura de uma decisão (que, como vimos, não existia, nem existe) no pretérito dia 11/01/2022 é um vil ataque aos Direitos, Liberdades e Garantias do Arguido! 26. É a total subversão da Lei e do Estado de Direito! 27. É uma inaceitável afronta à Justiça! 28. Que tem que ser IMEDIATAMENTE corrigida por este Altíssimo Tribunal.
29. Fazer-se de conta que foi elaborada uma decisão judicial (que ainda não havia sido elaborada) e proceder-se à leitura desse inexistente acórdão só para manter ARTIFICIALMENTE um cidadão em prisão preventiva não é aplicar o Direito, antes configurando um gravíssimo atentado aos mais essenciais valores da sociedade! 30. Reitera-se, está o Arguido em situação de manifesta prisão ilegal, o que não pode, seja de que forma ou com que fundamento for manter-se.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser determinada a...
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