Acórdão nº 577/21.7T8SLV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 24 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução24 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação nº 41/08.0TBSTB.E1 Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

Na oposição de executado que (…) intentou na sequência de execução e em que é exequente (…) STC, SA, foi proferida decisão, procedente a oposição e, em consequência, declarou prescrito o direito de crédito invocado pelo exequente.

Inconformada com tal decisão, veio a exequente interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): “A. A douta decisão em crise, não está em perfeição com as normas aplicáveis, face aos factos alegados e bem assim à prova produzida nos autos, que necessariamente teria que conduzir à total improcedência dos embargos apresentados.

  1. Em primeiro lugar, importa invocar entendimento jurisprudencial de que o prazo de prescrição a aplicar é o prazo ordinário de 20 anos, considerando o vencimento do contrato.

  2. A este propósito, e a título de exemplo, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 16/03/2017, Processo n.º 589/15.0T8VNF-A.G1 – onde se conclui “em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”.

  3. Veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12/06/2018, Processo n.º 17012/17.8YIPRT.C1 – onde se conclui “Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamentos em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no artigo 310.º, e), do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.

  4. Da factualidade dada como provada, resulta que “O contrato não foi pontualmente cumprido pelo devedor, acabando a credora por considerar vencidas as prestações de 15 de Janeiro de 2016 e seguintes”.

  5. Aqui chegados, coloca-se a questão de perceber qual o enquadramento jurídico da dívida peticionada, para efeitos de prescrição: se no regime geral dos 20 anos do artigo 309.º do CC, se no regime dos 5 anos do artigo 310.º do CC por referência à aplicação da alínea e).

  6. Tem-se entendido amplamente que o mútuo bancário que prevê a existência de um plano de pagamento em prestações de capital e juros, como, de resto, é o caso do mútuo peticionado nos autos principais, encontra acolhimento na aludida alínea e) do artigo 310.º do Código Civil.

  7. A jurisprudência supra enunciada perfilha inclusivamente o entendimento segundo o qual, no mútuo bancário, onde foi delineado um plano de amortização para reembolso da divida, composto por diversas quotas, compostas por capital e juros, estando em causa a existência de várias prestações periódicas, cada uma delas com um prazo de vencimento autónomo, é-lhes aplicável o regime prescricional de 5 anos.

    I. No entanto, se o banco mutuante considerar vencidas todas as prestações, o plano de amortização de reembolso da dívida fica sem efeito, e a dívida é exigível na sua totalidade. Ou seja, com o incumprimento definitivo do plano de amortização, deixa de se poder falar em “quota de amortização”, porque na realidade deixou de estar em causa o vencimento de prestações autónomas e periodicamente renováveis. A partir da resolução do contrato, passa a ser exigível por parte do banco mutuante, a totalidade da dívida, com enquadramento jurídico, para efeitos de prescrição, no disposto no artigo 310.º do Código Civil.

  8. Compulsados os autos, foi justamente o que aconteceu: com efeito, veja-se que a ora Recorrente lançou mão do expediente a que alude o artigo 781.º do CC, previsto aliás na cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre as partes e, em face da manutenção do incumprimento, declarou vencida a totalidade da dívida, cessando, desta forma, o plano prestacional outrora acordado.

  9. Assim, resulta, pois, que a resolução do contrato de mútuo marca um ponto de viragem, marca o momento a partir do qual deixamos de estar perante prestações periodicamente renováveis para estarmos perante um valor unitário global.

    L. A perda de benefício do prazo aplicável aos mutuários, dado o não pagamento das prestações do capital mutuado, confere ao credor o direito de exigir de imediato a totalidade do capital, cujo reembolso estava outrora convencionado ser fraccionado em prestações.

  10. Na verdade, o plano prestacional a que o contrato de empréstimo faz referência convolou-se noutra obrigação: o pagamento da totalidade do capital mutuado e ainda em dívida, o qual não poderá estar sujeito ao prazo prescricional de 5 anos.

  11. Ou seja, com a resolução passamos a deixar de aplicar o regime previsto no artigo 310.º do CC para aplicar o regime do artigo 309.º, sendo, por esse motivo, aplicável não o prazo de prescrição de 5 anos para cada uma das prestações, mas o prazo de 20 anos para a totalidade das prestações vencidas e vincendas.

  12. A alínea e) do artigo 310.º do Código Civil não se aplica à situação sub judice, pois estamos na presença de uma única obrigação (para cada um dos contratos de empréstimo) que, embora passível de ser fraccionada e diferida no tempo, jamais se pode ser equiparada a uma prestação periódica, renovável e cuja constituição depende do decurso do tempo.

  13. Os mútuos bancários, independentemente das várias formas que possam revestir – no caso em apreço um crédito à habitação –, nunca prescrevem antes de decorridos, pelo menos, 20 anos, é a chamada “prescrição ordinária” (artigo 309.º do Código Civil).

  14. Na situação em apreço, estando a dívida incorporada em título executivo – escritura pública – documento exarado por notário que importa a constituição ou reconhecimento de uma obrigação (vide n.º 1 alínea b) do artigo 703.º do Código de Processo Civil, fica a mesma sujeita ao prazo ordinário de prescrição, nos termos do 311.º, n.º 1, do Código Civil, não se aplicando a alínea e) do artigo 310.º do mesmo Código).

  15. O que importa para que se conclua que está em causa o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional e não o pagamento fracionado do valor em dívida.

  16. Não se tratam de obrigações periódicas e renováveis, característica esta que nos reconduz ao supra referido prazo ordinário de prescrição previsto no artigo 309.º do Código Civil.

  17. Pelo que estamos perante uma dívida total do montante vencido à data do incumprimento, o que é uma única obrigação à qual cabe aplicar o prazo geral de 20 anos, regulado no artigo 309.º do Código Civil.

  18. É inequívoco que o capital peticionado no requerimento executivo não abrange os juros remuneratórios nem corresponde à soma das prestações que ficaram por liquidar, mas apenas a totalidade do capital em dívida após afectação dos pagamentos recebidos, sendo de concluir pela aplicação do prazo de prescrição ordinário de 20 anos.

    V. Uma vez que o prazo de 20 anos a contar da data da propositura da acção ainda não foi atingido, a excepção da prescrição não poderia proceder, como procedeu.

  19. A douta sentença recorrida fez, assim, uma errónea aplicação do Direito aos factos, na parte que diz respeito à prescrição, pois a factualidade impunha ao Tribunal que a oposição fosse julgada improcedente.

    X. Sem embargo, a douta sentença recorrida, recorre ao disposto no artigo 310.º, do Código Civil, nos termos do qual as razões justificativas das prescrições de curto prazo destinam-se a obstar a situações de ruína económica por parte do devedor.

  20. O artigo 310.º, alínea e), do Código Civil encontra-se em vigor há décadas continuadamente e sempre foi interpretado no sentido de que não se aplicava aos mútuos bancários, mormente quando ocorre, tal como in casu, um vencimento antecipado de toda a dívida por inadimplemento.

  21. O antedito artigo não é uma norma especial para justificar o injustificável, que é o credor ficar impossibilitado de cobrar até o seu capital do devedor.

    AA. Todas as disposições que estão no Código Civil gozam da mesma prevalência, umas não são mais especiais que outras.

    BB. O legislador não quis, como parece, agora, com as interpretações que vão sendo dadas àquela disposição legal (310.º, alínea e), do Código Civil), nem favorecer o credor, nem prejudicar o devedor.

    CC. Conforme já expendido e consta do elenco de factos provados, entre a Recorrente e os mutuários foi celebrado um contrato de mútuo, entregando a primeira ao último uma quantia que estes se comprometeram a devolver-lhe, acrescida da respectiva renumeração, em prestações, mensais e sucessivas, de capital e juros, prestações essas que correspondem ao fraccionamento da obrigação da restituição do capital mutuado (artigos 1114.º e 781.º, do Código Civil) e compreendem parte do capital e respectivos juros remuneratórios (artigos 1145.° do Código Civil e 395.° do Código Comercial).

    DD. No predito contrato, os mutuários adstringiram-se ao cumprimento de todas as obrigações assumidas, mormente a de reembolso do capital e dos juros.

    EE. Os mutuários não satisfizeram as prestações a partir de 15 de Janeiro de 2016, o que determinou o vencimento das restantes, nos termos do disposto no artigo 781.° do Código Civil: "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

    FF. Desde que ocorre o vencimento imediato, fica sem efeito o plano acordado, deixando de existirem "quotas de amortização de capital", passando a falar-se apenas de capital e juros, sujeitos aos prazos prescricionais de 20 anos para o capital (artigo 309.º do Código Civil) e de 5 anos (artigo 310.º, alínea d), do Código Civil) para os juros de mora.

    GG. Salvo melhor opinião, o artigo 310.º do Código Civil só pode ser interpretado como...

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