Acórdão nº 525/20.1T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO V. J. e M. C. intentaram acções declarativas separadas com processo comum contra as rés X, SEGURANÇA S.A. e Y – Empresa de Segurança S.A.

Após solicitação da 1ª ré, foi determinada a apensação da acção proposta pela ora 2ª autora.

PEDIDOS: O 1º autor pede que as RR sejam condenadas a reconhecer que o A mantém vínculo laboral com a “Y – Empresa de Segurança S.A.”; reconhecer que tal vínculo teve início em 2008; reconhecer que ocorreu despedimento pela entidade patronal do A em janeiro de 2020; reconhecer que o despedimento do A foi ilícito; pagar ao A o montante global de €12.207,54, correspondente a danos não patrimoniais (€2.000), salários não pagos e indemnização em substituição da reintegração; pagar ao A as retribuições não recebidas desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença.

O 2º autor pede que seja declarado ilícito o despedimento promovido pelas rés; que estas sejam condenadas a pagar compensação referente às retribuições intercalares, €22.

188,68 a título de indemnização em substituição da reintegração na eventualidade de vir a optar por esta; indemnização por danos não patrimoniais a fixar pelo tribunal, €8,30 a título de danos patrimoniais e créditos vencidos e não pagos, correspondentes a prémios de chefia, no valor atual €543,84.

Para o efeito invocaram os demandantes que iniciaram funções na qualidade de vigilantes na empresa X, aqui 1ª R. e que estiveram ao serviço desta empresa até Janeiro de 2020. A partir dessa data a 2ª RR ganhou a prestação de serviços de vigilância no local de trabalho dos AA. Nenhuma da RR manteve ou aceitou os AA ao seu serviço, pelo que foram alvo de um despedimento ilícito.

A primeira ré (empregadora) contestou negando que tenha despedido o autor. Ao invés, ocorreu uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento e o contrato de trabalho passou para a segunda ré, com a manutenção de todos os direitos contratuais adquiridos.

A segunda ré (“adquirente”) contestou. Alega que não ocorreu transmissão de empresa ou estabelecimento tratando-se de uma mera sucessão de prestação de serviços em local propriedade da cliente, desacompanhada de quaisquer outros elementos. Ademais, é filiada na AESIRF, aplicando-o CCT celebrado entre a Associação Nacional das Empresas de Segurança - AESIRF e a ASSP - Associação Sindical da Segurança Privada, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 26 de 15 de Julho de 2019, em vigor desde 1 de Julho de 2019, que refere na clausula 14ª “2 - não se enquadra no conceito de transmissão de empresa ou estabelecimento a perda de cliente por fracção de um operador com a adjudicação de serviço a outro operador.

3 - Para os efeitos da presente clausula aplicar-se-á o regime jurídico constante na Lei n.º 14/2018, de 19 de março, publicada no Diário da Republica, 1.ª série, n.º 55, e demais alterações produzidas nos artigos 285.º, 286.º, 395.

º, 396.

º e 498.

º do Código de Trabalho.” Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA (DISPOSITIVO): decidiu-se do seguinte modo: “Tudo visto e nos termos expostos julga-se a presente acção parcialmente procedente por provada e em consequência condena-se a R. X a reconhecer a ilicitude dos despedimentos que moveu aos aqui AA. em 01/01/2020 e em consequência condena-se a mesma a reintegrar o A. M. C. no seu posto de trabalho sem perda de antiguidade e categoria profissional e a pagar-lhe a quantia de € 8,30 (oito euros e trinta cêntimos) a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes da mesma ilicitude e no montante de € 4.000,00 (quatro mil euros) a titulo de indemnização pelos danos morais acima determinados, sendo que sobre estes montantes acrescem ainda os respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento. Mais se condena a mesma demandada a pagar ao A. V. J. a quantia de € 8.020,21 (oito mil e vinte euros e vinte e um cêntimo), e a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais decorrentes da ilicitude do seu despedimento, sendo que sobre estes montantes acrescem ainda os respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação e os vincendos até integral pagamento. Absolvem-se as RR. X, S.A. e Y – Empresa de Segurança, S.A. do demais peticionado pelo A. M. C..

Custas pelo A. M. C. quanto ao pedido no valor de € 543,84 e pela 1ª R. quanto ao restante valor dos pedidos formulados por ambos os demandantes.” A PRIMEIRA RÉ RECORREU. CONCLUSÕES: (segmentos relevantes dado o repisar de argumentos): “O presente recurso tem como objeto parte da matéria de facto dada como assente [provada e não provada] e a solução de direito, plasmada na douta sentença proferida nos presentes autos, mais precisamente a incorreta aplicação das normas jurídicas que consagram e regulam o instituto da transmissão da unidade económica/estabelecimento presentes nos artigos 285º e seguintes do Código do Trabalho; …..

Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu um erro de julgamento na valoração e interpretação da matéria de facto dada como assente como no respetivo e consequente enquadramento jurídico, traduzida na manifesta violação de lei substantiva laboral – art.º 285.º, n.ºs 1, 3 e 5 do Código do Trabalho; Pelo que cometeu um erro de julgamento quanto à interpretação do quadro jurídico-legal que baliza o instituto da transmissão da unidade económica, presente no artigo 285.º, n.º 1, 3 e 5 do Código do Trabalho e Diretiva 2001/23/CE; Como questão prévia, requer a Recorrente que, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. f) do CPC, o valor da causa, não fixado pelo Tribunal ad quo, seja fixado no montante de € 63.938,02 [€ 30.000,01 + € 33.938,68], uma vez que estamos perante pedidos líquidos de índole pecuniária e pedidos de interesses imateriais [conhecimento da transmissão da unidade económica e indemnização na sequência do pedido de declaração da ilicitude do despedimento]; Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, al. f) do CPC, deverá o valor da causa ser alterado e em consequência fixado na quantia de € 63.938,02 [€ 30.000,01 + € 33.938,68]; O Tribunal ad quo considerou como matéria factual assente que: Provados Para além do Vigilante a prestar funções no C. de Chaves, a partir do dia 1 de Janeiro de 2020 prestam ainda funções o Supervisor H. F.

– o qual já vinha exercendo cumulativamente as mesmas funções noutros postos de outros diversos clientes na região (cerca de 30 postos, num total de cerca de 80 vigilantes), o Gestor Operacional N. C.

que já vinha exercendo as mesmas funções junto de outros diversos clientes da região e o Director de Operações, dando apoio e supervisionando todos os postos de diversos clientes a nível nacional, bem como os Vigilantes/Operadores de Central.

São também este conjunto de trabalhadores do quadro permanente da R., globalmente considerado que passou, a partir de 1 de Janeiro de 2020, a prestar a sua actividade neste posto, mas também, em simultâneo a outros postos de clientes, desde que entraram ao serviço da R., sendo o Supervisor a nível local, neste e noutros postos, o Gestor Operacional a nível regional e o Director de Operações e os Vigilantes/Operadores de Central a nível nacional.

Realces nossos.

O que não se pode aceitar; Ora, de acordo com o depoimento da testemunha H. F., gravado no ficheiro áudio H. C., Ficheiro áudio: Ficheiro áudio: 20210624113117_1392758_2871883.wma, resulta uma realidade inversa daquela que foi fixada pelo Tribunal ad quo, na medida em que se constata que o supervisor não tem como posto de trabalho as instalações do “C.” Chaves, nem sequer lá presta funções, mas antes supervisionando cerca de 30 postos e 80 homens; Razão pela qual se mostra como inequívoco o erro de julgamento cometido pelo Tribunal ad quo quanto aos referidos factos dados como provados, pois os superiores hierárquicos não tinham como local de trabalho nem tampouco desempenha funções nas instalações do C. Chaves; Deste modo, os dois factos dados como provados não poderão subsistir, por não corresponderem à verdade, por falta de suporte probatório requerendo-se a sua alteração para dado como não provado; …considerou o Tribunal ad quo que o serviço de vigilância e segurança privada nas instalações do C. Chaves não constitui uma unidade económica (conjunto de meios organizados e autónomos) porquanto não se verificou o elemento transmissivo – falta de transmissão de equipamento e know hor; Ora, salvo o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal ad quo cometeu, não só um erro de julgamento na interpretação da matéria de facto dada como assente como no respetivo e consequente enquadramento jurídico, como também violou a norma jurídica de índole constitucional; A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo não tem em conta a posição da nossa doutrina e jurisprudência, quer nacional quer comunitária, quanto à determinação do elemento transmissivo da unidade económica, sempre numa perspetiva e abordagem global; Violando em consequência o princípio pelo direito comunitário, cfr. artigo 8.º, n.º 4 da CRP; A interpretação realizada pelo Tribunal ad quo padece de uma inconstitucionalidade material, por violação do disposto no art.º 8.º, n.º 4 da CRP; O Estado-juiz encontra-se subordinado às orientações comunitárias e delas não poderá escudar-se, sob pena de violação do primado do direito comunitário; O que não foi cumprido pelo Tribunal ad quo quando não considerou a mais recente jurisprudência comunitária sobre esta temática, presente no acórdão do TJUE de 17.10.2017, processo C‑200/16, este que declarou que a norma comunitária deve ser interpretada com vista a estar abrangida pelo conceito de transferência da unidade económica mesmo a empresa cessionária se recusa integrar os trabalhadores da primeira, desde que transferidos os bens corpóreos indispensáveis;….

Uma interpretação diversa, como a que foi configurada na...

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