Acórdão nº 16/20.0PEBJA-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 22 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelGOMES DE SOUSA
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: A - Relatório Nos autos de processo comum supra numerado, perante tribunal colectivo do Tribunal da Comarca de Beja – Juízo Central Cível e Criminal, J3 – To…, filho de (…) e de (…), natural da freguesia de (…), concelho de Lisboa, nascido a 13 de Maio de 1996, solteiro, (…), residente na Rua (…), em (…), foi acusado pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21º do DL n.º 15/93, de 22.01, por referência à Tabela I-C anexa a tal diploma.

A final foi lavrado acórdão em 12-10-2021 que julgou procedente a acusação e em consequência, condenou o arguido To… pela prática, em co-autoria material, de um crime Tráfico de Estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01 com referência à Tabela I-C em anexo, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

*Inconformado, recorreu o arguido do acórdão proferido, com as seguintes conclusões: 1. Deveria o Recorrente ter sido condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade.

  1. Desde logo discorda-se que apenas no caso de vendas directas aos consumidores se possa aplicar o tipo privilegiado de tráfico de estupefacientes p.p. art.º 25º do DL 15/93 de 22.01.

  2. Com efeito, tal pressuposto levaria às desigualdades de, em abstracto, alguém que transportasse uma placa de 100 grs de haxixe fosse necessariamente condenado pelo art.º 21º mas quem vendesse directamente ao consumidor e tivesse cocaína e heroína em casa pudesse ser condenado pelo tipo privilegiado do art.º 25º daquele DL.

  3. Veja-se que o tipo privilegiado do art.º 25º do DL 15/93 de 22.01 é muitas vezes aplicado no caso de vendas de cocaína e heroína. Nesse sentido a título meramente exemplificativo o Ac. 31/11.5PEVIS.C1, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 23/05/2012 (em que em causa estava uma actividade de tráfico que se desenrolou durante um período de três meses, vindo identificados 10 (dez) consumidores, os quais abasteceu, parte deles diariamente, alguns com regularidade e outros esporadicamente, vendendo-lhes, na maioria das vezes e de cada vez, ao preço unitário de 20 euros cada dose de cocaína e 25 euros cada dose de heroína, numa situação em que foram ainda apreendidos 35,875 gr, de heroína, 11,865 g de cocaína e 65,825 g de haxixe), ou o Ac. 26/14.7PEBRG.S1 do STJ, de 18-02-2016 (em que estava em causa uma situação de arguidos que alimentavam um negócio de bairro de venda de heroína e cocaína).

  4. Ainda que estejamos a falar de uma quantidade considerável de estupefaciente, estamos a falar de uma situação isolada de um único dia, sem que o arguido fosse sequer conhecido das autoridades policiais.

  5. Por outro lado, há que atender ainda ao facto de o Recorrente ser também consumidor de haxixe, como resulta da factualidade dada como provada no que tange ao seu relatório social.

  6. Pese embora a conduta não deixe de ser grave também não será de descurar o lapso temporal em que perdurou a acção delituosa, não registando o arguido quaisquer antecedentes criminais anteriores ou posteriores à prática destes factos.

  7. Por tudo quanto se deixou exposto, e o concreto circunstancialismo apurado quanto à prática dos factos, aliado ao facto de o arguido ser consumidor há vários anos, entende-se que a conduta do Recorrente deverá ser subsumida ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.°, e não ao crime previsto no artigo 21.° do Decreto-Lei 15/93.

  8. Nestes termos, entendemos que sempre o deverá ser por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25°, alínea a) do Decreto-Lei 15/93, de 22/01, pelo que nesse caso impõe-se a condenação do Recorrente pela prática de tal ilícito criminal, incorrendo em pena de 1 a 5 anos de prisão.

  9. Destarte, sempre se deverá então aferir da justiça da medida e espécie da pena aplicada ao Recorrente.

  10. Devemos atender à idade do recorrente, à sua ausência de antecedentes criminais, à sua condição social, económica e cultural, à sua modesta formação e fracos recursos económicos bem como devemos atender a que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no 1 e 2 do art.º 40º e n.º 1 do art.º 71º, ambos do Cód. Penal, pelo que deve a pena de prisão a aplicar ao recorrente ser mais próxima dos seus limites mínimos, como adiante se argumentará.

  11. O recorrente considera a pena em que foi condenado excessiva e prejudicial à sua ressocialização.

  12. Nos termos do disposto no art.º 71º nº 2 do Código Penal, para a medida concreta da pena concorre por um lado a culpa e grau de ilicitude e por outro lado o escopo da ressocialização do agente.

  13. Não será de esquecer que o recorrente é uma pessoa socialmente, familiarmente e profissionalmente inserida, que estava a trabalhar antes destes factos e que não regista quaisquer antecedentes criminais.

  14. Acresce que o Recorrente acabou por confessar a prática do crime, pelo que ainda que a confissão do arguido não fosse tão ampla como os factos dados como provados, certo é que das declarações do arguido resultava a sua livre e consciente auto-incriminação pelo crime de tráfico de estupefacientes; 16. Tendo demonstrado juízo de auto censura e arrependimento; 17. Por todas estas razões, estamos em crer que deverá ser inferior a pena a ser imposta ao recorrente, não devendo a mesma ultrapassar o limite mínimo legal.

  15. Destarte, deveria a pena do Recorrente ter sido suspensa na sua execução atendo a que o recorrente: a. Assumiu, no essencial, a prática dos factos; b. Actualmente revela capacidade crítica e consciência do normativo social violado; c. O que denota interiorização da culpa pelo desvalor da acção; d. Não regista antecedentes criminais; e. Conta com o apoio da família; 19. Tudo ponderado, entendemos que o tribunal " a quo" podia e devia ter formulado um juízo de prognose favorável, e concluir que, mantendo-se em liberdade, não voltará a delinquir.

  16. A correta interpretação do estipulado pelo legislador, (art.° 70.° do CP), deve conduzir à prevalência de considerações de prevenção especial positiva ou de socialização, sobre outras, mormente as de prevenção geral.

  17. O tribunal "a quo", faz uma interpretação do art.° 50 n.° 1 do CP, segundo a qual, a aplicação de pena suspensa na respectiva execução, nomeadamente aos crimes de tráfico do art.° 21 n.° 1 do Dl. 15/93 de 22/01 é excepcional, é materialmente inconstitucional, numa dupla perspectiva.

  18. Porque colide, frontalmente, pelo menos, com a letra e o espírito do art.° 27 n.° 1, 1ª parte, da CRP, que consagra, como regra, o direito à liberdade.

  19. Bem como com o n.° 1 do art.° 13° da CRP, ao estabelecer uma discriminação negativa dos cidadãos condenados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, relativamente aos condenados por...

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