Acórdão nº 159/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 159/2022

Processo n.º 912/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos da Comissão Arbitral da Federação Portuguesa de Futebol (CA-FPF), em que é reclamante «A. SAD e reclamado o “B.”, a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão da CA-FPF, proferida em 7 de maio de 2021, que julgou procedente o pedido formulado pela requerente, ora recorrida, no sentido de que lhe fosse reconhecido o direito a uma compensação financeira, a pagar pela requerida, ora recorrente, em virtude da formação prestada por determinado jogador nas épocas desportivas de 2012/2013, 2013/2014, 2014/2015, 2015/2016, 2017/2018 e 2018/2019.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A., SAD”, Requerida nos presentes autos, notificada do douto acórdão que julgou o pleito, e estando esgotados os meios comuns, atendendo a que a decisão é definitiva, estando assim esgotados os meios jurisdicionais, vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, com efeito suspensivo e subida nos próprios autos (art. 78º, n.º 4, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).

1. Alínea do n.º 1 do artigo 70.º da Lei Orgânica do Tribuna Constitucional ao abrigo da qual o recurso é interposto: alínea b);

2. Normas cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie:

- Artigo 34º da Lei n.º 54/2017, de 14/07 (Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo);

- Artigos 38º, 39º e 49º do Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência dos Jogadores da Federação Portuguesa de Futebol (FPF); o litígio que dá origem ao presente recurso foi resolvido por aplicação dessas normas do Regulamento que vigorava na época desportiva, que entretanto foi revogado por um novo Regulamento para a época de 2020/21; mas além de as normas regulamentares aplicadas terem produzidos efeitos no caso concreto, durante o tempo em que vigoraram, sendo a declaração de inconstitucionalidade indispensável para eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente relevantes, certo é que o Regulamento do Estatuto, da Categoria, da Inscrição e Transferência dos Jogadores da FPF atualmente em vigor contém regras iguais àquelas que estão aqui em causa.

3. Normas que a Recorrente considera violadas: arts. 58º e 18º, n.º 2, da Constituição.

4. Peça processual em que a Recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade: a oposição que apresentou na presente ação; por lapso manifesto, na oposição a Recorrente referiu-se ao Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo como a Lei n.º 57/2017, quando pretendia dizer Lei n.º 54/2017; o lapso é manifesto, visto que a Recorrente identificou essa lei como o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo e transcreveu o preceito legal contido na Lei n.º 54/2017, sendo isenta de dúvidas, pois, que se referia à Lei n.º 54/2017.

Requer que o presente recurso seja admitido e, a final, julgado procedente, com as consequências legais.»

3. O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho da CA-FPF datado de 2 de agosto de 2021, com base na seguinte fundamentação:

«(...)

Requerente e Requerida verteram o que entenderam por conveniente, considerando a interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional (TC), formulado pela Requerida "A., SAD., através do Requerimento de fls.. Fixa o artigo 76 n.º 2 dos Estatutos da FPF que, "A FPF reconhece as decisões arbitrais proferidas por tribunal arbitral constituído no âmbito de qualquer contrato coletivo de trabalho para a resolução de litígios de natureza laboral, bem como as proferidas pelas Comissões de Arbitragem da FPF e da LPFP para a resolução de questões relacionadas com a fixação de indemnização por formação e aplicação do mecanismo de solidariedade." De acordo com o estabelecido no n.º 4 do art.º 44 do RECITJ, a Comissão de Arbitragem da FPF julga segundo o direito constituído, podendo também decidir com base na equidade em todas as questões omissas. Tal dispositivo, é imperiosamente evocado, uma vez que, sempre importaria distinguir as exceções à regra supletiva da irrecorribilidade das sentenças arbitrais, e em particular os casos de imperativa irrecorribilidade e de imperativa recorribilidade (o recurso de constitucionalidade). Constituem, de facto, exceção à regra supletiva da irrecorribilidade das sentenças arbitrais os recursos a interpor para o TC ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do art.º 280 da CRP, seja com fundamento na aplicação de normas inconstitucionais (ou "reforçadamente" ilegais) ou na desaplicação de normas inconstitucionais (ou não "reforçadamente" ilegais". Na verdade, um preceito que dispusesse não caber de uma sentença arbitral o recurso concreto ou incidental de inconstitucionalidade ou de ilegalidade "reforçada" previsto nos n.ºs 1 e 2 do art.º 280º da CRP – fosse ele um preceito da Lei de Arbitragem Voluntária (LAV) ou fosse criado pelas partes no seu contrato, na convenção arbitral ou criado por elas ou pelo tribunal arbitral no regulamento de arbitragem – seria um preceito inconstitucional por violação das citadas normas da Constituição (CRP), que se referem ao "recurso" para o Tribunal Constitucional (TC) das decisões dos tribunais" de quaisquer umas. A presente Comissão de Arbitragem (CA), constituída no seio da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), julgou o litígio, dúvidas não restam, segundo o direito constituído, tanto mais que se assim não fosse, tal violação inculcaria em fundamento para eventual anulação da Sentença Arbitral. Mais, e no que em concreto a esta matéria - eventual inconstitucionalidade de normas constantes do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e bem assim do RECTTJ -, convirá não desconsiderar que a CA se considerou materialmente incompetente, incompetência material essa que não foi cotejada o que, como ao diante se referirá, contém importância que em tudo contende com o despiciente. Os recursos interpostos para o TC correspondem à chamada fiscalização concreta de constitucionalidade, senão a norma em causa avaliada em concreto no âmbito de um processo. A CRP atribui, no artigo 204º, a todos os tribunais competência para julgar questões de inconstitucionalidade suscitadas a propósito de casos concretos, (cfr. Armindo Ribeiro Mendes - Recursos em Processo Civil - p. 317, para quem "Todos os tribunais são "órgãos de justiça constitucional, independentemente da ordem em que se integrem"), sendo ainda possível interpor recurso para o Tribunal Constitucional, caso se encontrem verificados os respetivos pressupostos. Não existe recurso direto pelas partes para o TC, sendo que este intervém apenas a título incidental, apreciando as decisões de outros tribunais acerca de matérias constitucionais. A Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (LTC, Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, regula os recursos mencionados no subcapítulo II, da Secção III, complementando o disposto no artigo 280º da CRP. O artigo 69º da LTC determina a aplicação subsidiária, em segunda linha, das normas do CPC, em particular as relativas ao recurso de apelação, independentemente da natureza do processo-base. (Constituindo a alínea b), do nº 1, do artigo 72º, exceção a este princípio, de acordo com Carlos Lopes do Rego, in "Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência do Tribunal Constitucional", p. 10). As decisões das quais é possível recorrer para o Tribunal Constitucional encontram-se especificadas no artigo 280º da CRP, sendo complementadas pelo artigo 70º da LTC. O objeto do recurso é sempre a decisão do juiz a quo de aplicar ou não a norma cuja constitucionalidade ou ilegalidade foi questionada (artigo 280º, n.º 6, da CRP e artigo 71º da LTC) durante o processo, cfr. António Pedro Pinto Monteiro, Artur Flamínio da Silva, Daniela Mirante, “Manual de Arbitragem” Almedina, 2019, p. 409, sendo que o juiz deve conhecer ex officio (independentemente de impugnação pelas partes) a inconstitucionalidade ou ilegalidade de uma norma, não a aplicando. O objeto do litígio do processo-base fica fora do âmbito do recurso para o TC. As várias possibilidades de recurso previstas podem agrupar-se em: decisões positivas (não é aplicada a norma, por se considerar inconstitucional ou ilegal), decisões negativas (a inconstitucionalidade ou ilegalidade é suscitada pelas partes, mas o juiz aplica a norma) e não acatamento de anterior decisão do TC (distinção feita por Carlos Lopes do Rego (p. 16), assim como por Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil - p. 393) e Professor Doutor Jorge Morais Carvalho Teoria do Processo p. 186). Para que possa haver o referido recurso, a questão da inconstitucionalidade tem de ter sido suscitada durante o processo, tendo o juiz possibilidade de sobre ela decidir, caso contrário não é admitido o recurso para o TC. De acordo com o artigo 70º, n.º 2, da LTC, no caso de decisões negativas, apenas é possível recorrer ao TC depois de se terem esgotado todas as possibilidades de recurso ordinário. O TC tem reiterado a necessidade deste recurso ser instrumental, ou seja, só será útil o recurso nos casos em que a eventual decisão pela não constitucionalidade ou pela ilegalidade da norma se irá projetar na decisão do litígio do tribunal a quo. Assim, importará ter presente que a legitimidade para recorrer é matéria regulada no artigo 72º da LTC, e da sua aplicação retira-se desde logo a conclusão de que a legitimidade para recorrer varia consoante o fundamento apresentado. Assim, quando o fundamento de recurso seja a recusa por parte do tribunal arbitral da aplicação de qualquer norma baseada na sua...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT