Acórdão nº 156/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 156/2022

Processo n.º 992/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acórdão, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e é recorrida C., SA (insolvente), os primeiros vêm interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), do acórdão proferido por aquele Tribunal no dia 13 de julho de 2021, que, para o que aqui mais releva, negou a revista interposta pelos requeridos, ora recorrentes, em autos de insolvência.

A ora recorrida foi declarada insolvente por sentença datada de 23 de fevereiro de 2017, transitada em julgado, tendo o interessado D., SA (em liquidação) vindo requerer a qualificação da insolvência como culposa, indicando como pessoas a serem afetadas os ora recorrentes. A Administradora da Insolvência apresentou parecer propondo que a insolvência fosse qualificada como culposa, tendo o Ministério Público emitido parecer concordante.

A insolvente não contestou, mas os requeridos contestaram, tendo contudo vindo a ser proferida sentença qualificando a insolvência como culposa, declarando afetados pela mesma os seus administradores, ora recorrentes, que, inconformados, interpuseram recurso de apelação. A apelação foi julgada parcialmente procedente, com a alteração da sentença impugnada apenas no tocante ao quantitativo indemnizatório que deveria ser calculado em liquidação de sentença, mantendo-se, no mais, aquela decisão. Ainda inconformados, os requeridos interpuseram então recurso de revista excecional, tendo o interessado D., SA (em liquidação) interposto recurso de revista normal.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«(...)

O presente processo tem inúmeras questões de constitucionalidade que foram, em várias fases do mesmo, suscitadas pelos Recorrentes. Não obstante maiores desenvolvimentos a serem apresentados em sede de Alegações junto do Tribunal Constitucional, os Recorrentes vêm, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 75.º-A da Lei do Tribunal Constitucional, apresentar o respetivo requerimento com a indicação das normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional se pronuncie, das normas ou princípios constitucionais que consideram violados, bem como das peças processuais em que os Recorrentes suscitaram a respetiva inconstitucionalidade.

Assim:

I - QUESTÃO DOS DIREITOS DE DEFESA DOS RECORRENTES E DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E DO ARTIGO 6.º DA CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM EX VI ARTIGO 8º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA

Na mais recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça foi considerado implicitamente que a interpretação da norma constante do artigo 6.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, no sentido de permitir que o Tribunal, ao abrigo do princípio da boa fé e economia processual, possa decidir no sentido de não ouvir os Recorrentes em sede de audiência de discussão e julgamento não é manifestamente inconstitucional por violação do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ex vi artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa.

Como poderemos constatar face ao facto de estarmos perante um Estado de Direito Democrático em que os processos civis e criminais permitem uma verdadeira igualdade de direitos entre as partes, direito ao contraditório e garantem todos os direitos de defesa tanto em processos penais, contraordenacionais ou punitivos não podemos em momento algum concordar com a interpretação constitucional da norma realizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Vejamos.

Em sede de discussão e julgamento em Primeira Instância a Exma. Senhora Juiz de Direito não permitiu que os Mandatários dos Recorrentes realizassem perguntas às testemunhas em Juízo sobre a existência de um crédito em questão. A justificação para tal efeito prendeu-se com o facto de as indagações sobre a existência do dito crédito serem inúteis para a boa decisão da causa porque no processo de insolvência da Sociedade o Administrador de Insolvência já o teria reconhecido.

Sucintamente, os Recorrentes, nas suas Alegações em sede de Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa impugnaram tal decisão, suscitando a inconstitucionalidade da respetiva interpretação normativa, por violar os direitos de defesa dos Recorrentes.

Como sabemos o processo de qualificação de insolvência tem um caráter punitivo perante o Administrador culposo, razão pela qual deve ter garantias de defesa idênticas às emanadas em processos contraordenacionais e/ou penais.

Isto, porque, no juízo realizado pelo Julgador é avaliado o princípio da culpa do Administrador para determinação de algumas medidas. Nomeadamente a medida de inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos ou a medida de inibição para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos.

Ora, durante todas as sessões de discussão e julgamento realizadas, como ficou provado nos presentes Autos, nunca foi dada a oportunidade de os Recorrentes explicarem e perguntarem às testemunhas indicadas se havia ou não uma razão para os Administradores entre 2013 e 2016 terem alguma razão para não reconhecer o crédito.

Sobre esta situação, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que não havia nenhuma inconstitucionalidade porque a Exm.ª Senhora Juiz de Direito do Tribunal de Comércio tinha o direito, ao abrigo da interpretação das normas constantes do artigo 6.º do Código Processo Civil ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e pelo cumprimento do princípio da boa fé boa fé e economia processual, de poder decidir no sentido de não ouvir os Recorrentes por tais perguntas e afirmações serem totalmente irrelevantes e inúteis.

Em sede de Recurso de Revista Excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, os ora Recorrentes, suscitaram o facto de que a interpretação realizada pelo Tribunal da Relação de Lisboa da norma constante do artigo 6.º do Código do Processo Civil era manifestamente inconstitucional por violação dos princípios do Direito de Defesa, do Princípio do Direito ao Contraditório e o princípio de "igualdade de armas" conforme plasmado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos ex vi artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.

Ora, deforma sucinta, foi explanado que o Tribunal da Relação misturou, na sua leitura, o conceito de Direitos de defesa e a situação do caso julgado, ignorando o facto de as questões realizadas não servirem apenas para comprovar a existência ou não do crédito, mas, sobretudo, para justificar as ações dos Recorrentes enquanto Administradores da Sociedade.

Ou seja, tais questões também serviriam para ir de acordo ao preconizado pelo Princípio da culpa o que também auxilia e é um Instrumento fundamental para o julgador em caso de responsabilidade determinar a medida das sanções acessórias aplicáveis (nomeadamente a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros por um período de 2 a 10 anos e/ou a medida de inibição para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos).

Não ter sido permitido que os mandatários realizassem estas perguntas, objetivamente, prejudicou os Recorrentes porque não permitiu que neste prisma eles conseguissem apresentar uma defesa completa, justificando as atitude dos Administradores e "defenderem-se" apresentando razões válidas para determinadas ações que poderiam influenciar a decisão (A título exemplificativo sempre se diga que mesmo que com as questões realizadas os Recorrentes fossem sempre declarados culpados da insolvência - o que não se concede! - elas poderiam ter sido essenciais para obter um grau de condenação mais "leve" - p.e. em vez de três anos de inibição do exercício do comércio poderiam ter sido apenas dois).

Portanto, qualquer decisão que considere que um Juiz, ao abrigo do artigo 6.º do CPC e do cumprimento dos princípios da boa fé e da economia processual decida limitar desta forma o objeto de defesa de qualquer parte é manifestamente inconstitucional por violação das normas constitucionais supra consideradas.

Ora, sobre esta situação o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, ao responder indiretamente ao objeto do recurso no que diz respeito aos Direitos de Defesa dos Recorrentes, confirmou neste ponto a decisão do Tribunal da Relação concordando implicitamente com a interpretação normativa que a nosso ver tinha sido erradamente realizada.

Em primeiro lugar, porque manteve a "confusão" que o Douto Tribuna! da Relação fez entre Direitos de Defesa e Caso Julgado e que supra já suscitamos (prova disso é que a redação da decisão de recurso nem trata as questões de forma separada - o que teria de fazer porque apesar de pudermos dizer que ambas se encontram de alguma forma conectadas tem uma amplitude diferente porque a questão dos direitos de defesa vai além da questão da comprovação ou não do crédito importando também para a própria medida de "condenação" dos administradores).

Para além disso, acrescentou ainda o facto de se puder realizar perguntas ser irrelevante porque os Administradores sempre saberiam a existência do crédito desde 2011. Ora, o Supremo Tribunal de Justiça avaliou também erradamente a questão misturando o facto de o Administrador de Insolvência da Sociedade ter reconhecido em 2018 a existência de um crédito desde 2011, com o facto de o Conselho de Administração em funções entre 2013 e 2016 nunca ter reconhecido a existência desse crédito durante o período de...

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