Acórdão nº 137/22 de Tribunal Constitucional (Port, 17 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução17 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 137/2022

Processo n.º 1023/2021

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, a Decisão Sumária n.º 21/2022 deste Tribunal Constitucional não conheceu do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC) pelo recorrente A., quanto à primeira questão de constitucionalidade formulada; não julgou inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, no sentido de que a decisão do tribunal que em primeira instância aprecie a impugnação judicial da resolução administrativa de indeferimento do requerimento de apoio judiciário é irrecorrível; e, bem assim, negou provimento ao recurso.

2. Pela referida Decisão Sumária n.º 21/2022, entendeu-se que:

«no que respeita à primeira questão de constitucionalidade, atinente à interpretação normativa relativa ao apuramento do rendimento relevante para efeitos de atribuição do apoio judiciário, que o recorrente reporta à primeira decisão recorrida, constata-se que este não confrontou o tribunal a quo com qualquer questão de constitucionalidade, de natureza normativa, dotada da necessária generalidade e abstração, interpretativamente extraível da específica disposição infraconstitucional selecionada como respetivo suporte legal.

[…]

O próprio recorrente admite que assim é. Com efeito, segundo esclarece no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, “tal acto judicial foi totalmente imprevisto: não é logicamente expectável, na realidade, que um juiz de direito atento, ante a argumentação do ali Impugnante, não reconhecesse essa inconstitucionalidade flagrante”, razão pela qual não lhe seria exigível ter suscitado previamente, in casu, a questão de constitucionalidade. Contudo, a qualificação da decisão em causa como decisão-surpresa é manifestamente inadequada. De facto, parece resultar da argumentação deduzida pelo recorrente que o mesmo olvida que o ónus da suscitação prévia junto do tribunal que proferiu a decisão recorrida não se compadece com a invocação da mera surpresa subjetiva. Na verdade, a jurisprudência deste Tribunal Constitucional vem entendendo, de forma criteriosa e necessariamente restritiva, a exceção ao princípio de que a suscitação da questão de constitucionalidade deve preceder a prolação da decisão recorrida, reservando-a para aquelas situações, absolutamente anómalas, em que o recorrente não podia razoavelmente antecipar a possibilidade de uma dada dimensão normativa – objetivamente surpreendente – ser acolhida na decisão recorrida.

Efetivamente, estando em causa a impugnação da decisão sobre a concessão de apoio judiciário, sempre seria possível antecipar os problemas atinentes à aplicação das disposições processuais legais em causa, cujos problemas de inconstitucionalidade o recorrente afirma, aliás, conhecer e ter arguido noutro processo. Deste modo, não estando desonerado do cumprimento da obrigação processual de levantar adequada e atempadamente a questão de inconstitucionalidade, cabia-lhe ter com ela confrontado o tribunal recorrido, o que, como o próprio admite, não sucedeu. Por esta razão, não pode conhecer-se do recurso interposto, quanto à primeira questão de constitucionalidade.

4. Em segundo lugar, o recorrente suscita a questão da constitucionalidade da norma conjugada do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, interpretada no sentido de que a decisão do tribunal que em primeira instância aprecie a impugnação judicial da resolução administrativa de indeferimento do requerimento de apoio judiciário é absolutamente irrecorrível, ou irrecorrível exceto se a impugnação for de todo inviável. Fá-lo, neste ponto, por referência à segunda decisão recorrida, ou seja, a decisão singular do presidente do TRG, de 15 de julho de 2021.

Desde já se impõe, antes de mais, uma rigorosa delimitação do objeto do recurso, expurgando-o dos elementos atinentes ao caso concreto, em termos que assegurem a sua indispensável generalidade e abstração enquanto critério decisório. Nestes termos, resulta espúria a classificação da irrecorribilidade da decisão judicial em causa como absoluta, sendo também de afastar as referências à necessidade de avaliação do caráter manifesto da inviabilidade da pretensão do recorrente. Tais dimensões não se referem, verdadeiramente, a critérios normativos, mas sim aos poderes de cognição e aplicação da lei do tribunal a quo, e à melhor interpretação do direito infraconstitucional, que se encontram fora da competência do Tribunal Constitucional. Deste modo, o objeto da segunda questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente será a norma resultante da interpretação conjugada do n.º 4 e do n.º 5 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, no sentido de que a decisão do tribunal que em primeira instância aprecie a impugnação judicial da resolução administrativa de indeferimento do requerimento de apoio judiciário é irrecorrível; isto corresponde, aliás, à questão com a qual o recorrente confrontou o tribunal a quo, no requerimento de reclamação que originou a decisão recorrida, no qual sustentou que “a tese concluindo pela irrecorribilidade da decisão judicial prevista no artigo 28.º da Lei n.º 34/2004 é, patentemente, destituída de fundamentação jurídica”, e ainda que “o Despacho reclamado aplica as normas do n.º 5, explicitamente e, implicitamente, do n.º 4 do artigo 28.º da referida lei, em conjugação, segundo uma dimensão interpretativa inconstitucional”.

Ora, esta questão corresponde, no essencial, à que foi apreciada nos Acórdãos n.º 500/2007 e 588/2007, e nos Acórdãos n.ºs 40/2008, 43/2008 e 44/2008. Em todos se conheceu da conformidade constitucional da norma constante do n.º 1 do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, e em todos se concluiu pela sua não inconstitucionalidade. Mais especificamente, naqueles arestos, não se julgou inconstitucional a norma constante do artigo 28.º, n.º 1, da Lei n.º 34/2004, quando interpretada no sentido de que não é admissível recurso da decisão judicial relativa à impugnação de decisão administrativa que indefere requerimento de apoio judiciário.

No presente caso, não é a norma do n.º 1 do artigo 28.º que vem impugnada, mas a interpretação normativa resultante da leitura combinada do disposto nos seus n.ºs 4 e 5. Acontece que a Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, introduziu o n.º 5 na redação do artigo 28.º da Lei n.º 34/2004, passando a dispor, expressamente, que “a decisão proferida nos termos do número anterior é irrecorrível”; isto é, consagrando em letra de lei a irrecorribilidade da decisão do tribunal de comarca que aprecie a impugnação judicial da decisão de indeferimento de pedido de apoio judiciário pela Segurança Social. No fundo, com o sentido anteriormente apreciado e não julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, nos arestos já mencionados. Assim, temos que a segunda questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente, quando referida à decisão singular do presidente do TRG, de 15 de julho de 2021, tem objeto materialmente idêntico ao dos acórdãos acima referidos, nos quais este Tribunal proferiu julgamento no sentido da não inconstitucionalidade da interpretação normativa que constitui o objeto do presente recurso.

Nestes termos, proferir-se-á, quanto a esta parte, decisão sumária, ex vi artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, pelo facto de a problemática da conformidade constitucional atinente à irrecorribilidade da decisão judicial que aprecie a impugnação da decisão administrativa sobre a...

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