Acórdão nº 01473/18.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelFONSECA DA PAZ
Data da Resolução10 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: RELATÓRIO A……………..

, Magistrado do Ministério Público jubilado, inconformado com o acórdão do TCA-Sul que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAC de Lisboa que julgara improcedente a acção que intentara contra o ESTADO PORTUGUÊS, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação as seguintes conclusões: “1.ª O Autor alegou ter sofrido danos patrimoniais no valor de 21.000,00 euros, por se ter excedido e violado o prazo razoável na prolação da decisão definitiva no processo em que foi tratado o seu assunto jurídico, e pediu que o réu fosse condenado a pagar-lhe uma indemnização de igual montante.

  1. Não se tendo pronunciado sobre os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da ilicitude, da culpa e do nexo de causalidade, estando obrigado a fazê-lo, a 1.ª instância cometeu uma nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista pelo art.º 615.º, nº 1, al. d), do CPC, com referência ao art.º 95.º, nº 1, do CPTA.

  2. Ao declarar não ter verificado omissão de pronúncia, o acórdão recorrido errou, uma vez que é certo que a sentença, não os tendo apreciado nem dito se os pressupostos em causa se verificavam, ou não, houve uma omissão que só pode consubstanciar a arguida nulidade e nunca um erro de julgamento.

  3. O acórdão começou por não discutir com clareza a questão que consistia em averiguar se só devia ter tido em conta, na determinação do prazo razoável de decisão, a duração do processo judicial, ou se devia contar-se todo o tempo desde o início do tratamento do assunto jurídico do autor, incluindo a duração dos processos administrativos, assim violando os artºs. 20º, nº 4, da Constituição, 6º, § 1º, da Convenção, 2º, nº 1, do CPC e 97º, nº 1, da LGT.

  4. Tem-se entendido que o artº 6º, § 1º, da Convenção não é só aplicável aos atrasos verificados nos processos judiciais, também o sendo aos verificados nos processos administrativos, pelo menos nos casos em que estes são um precedente necessário e obrigatório daqueles, por o interessado ter de percorrer, antes da instância judicial, como ocorreu no caso em apreço, uma fase preliminar administrativa pela qual tinha de começar o tratamento do seu assunto.

  5. De facto, é incontestável que o Serviço de Finanças não podia requerer ao tribunal a avaliação do imóvel e a instauração de execução para cobrança da quantia em dívida pelo ora autor, sendo certo que tais actos só podiam ser praticados pela via administrativa, que em caso algum podia ser dispensada.

  6. Sendo assim, a duração dos processos administrativos, entre 31-01-89 e 18-07-2002, data em que se iniciou o processo judicial, não pode deixar de também ser tida em conta para a determinação do prazo razoável, pelo que, tendo a sentença transitado em julgado a 28-02-2019, é de mais de 30 anos a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico do autor, o que agrava sobremaneira o grau de ilicitude do facto.

  7. Apenas se deram como provados alguns dos danos não patrimoniais e os mesmos foram considerados não relevantes, por se ter afastado indevidamente a aplicação ao caso do art.º 6º, § 1º, da Convenção, do que resultou violado, não se tendo aceitado a prova por presunção nem por notoriedade dos factos, antes se tendo entendido que sobre o autor recaía o ónus de fazer prova da faculdade alegada, nos termos do art.º 342º, n.º 1, do CC, pelo que também resultaram violados os art.ºs 349º e 350º, nº 1, ambos do mesmo Código, 412º, 1, do CPC, e 1º, n.ºs 1 e 2, 3º, 7º, n.ºs 3 e 4, 9º, 10º, nº 1, e 12.º, todos da Lei n.º 67/07, de 31 de Dez.

  8. De facto, o TEDH e os tribunais nacionais têm entendido que os danos não patrimoniais decorrentes da violação do prazo razoável são factos notórios e ocorrem em todos os casos em que se verifique o pressuposto do dever de indemnizar da ilicitude, pelo que os mesmos se presumem, não necessitando de ser alegados nem provados.

  9. É dominante a jurisprudência dos Tribunais Centrais Administrativos no sentido de que o art.º 6º, § 1º, da Convenção também é aplicável aos atrasos excessivos verificados em processos em que se discutiram questões tributárias, não se distinguindo, nem havendo razões para distinguir, entre estes e os ocorridos em quaisquer outros processos, uma vez que é certo que as situações de atraso na justiça são todas iguais e têm as mesmas consequências, independentemente do tipo de processo em que se verificaram.

  10. Além disso, há que considerar que, tendo sido aplicados juros de mora ao autor, para penalizar o não pagamento atempado do imposto, se está perante uma situação que deve ser entendida como uma acusação em matéria penal, sendo, por isso, aplicável ao caso os princípios contidos no art.º 6º, § 1º, da Convenção, desenvolvidos pelo labor jurisprudencial do TEDH, pelo que este normativo resultou violado, mais uma vez, pela decisão recorrida.

  11. De facto, embora considere que o normativo não abrange na sua previsão, em regra, atrasos na justiça verificados em processos que tinham por objecto questões de natureza tributária, o TEDH vem admitindo um alargamento da sua aplicação aos casos em que foram aplicados juros de mora ou outras penalizações, deste modo assimilando penalizações fiscais a penalizações penais.

  12. E o certo é que a jurisprudência nacional está em sintonia, em certa medida, com a jurisprudência estrasburguesa, já que considera que os juros de mora têm natureza sancionatória, sendo aplicados pelo Estado para penalizar o contribuinte por não ter pago a dívida de imposto no prazo de pagamento voluntário.

  13. Tanto o TEDH como os tribunais nacionais têm decidido que o art.º 496.º, n.º 1, do CC deve ser interpretado de acordo com o art.º 6º, § 1º, da Convenção, de modo a dele se extrair um resultado útil, não se exigindo que os danos não patrimoniais alegados revistam uma especial gravidade para serem ressarcíveis.

Nestes termos, dando-se provimento ao recurso e declarando-se verificada a arguida nulidade por omissão de pronúncia, deve considerar-se ser a duração global do processo e do tratamento do assunto jurídico ao autor a indicada na conclusão 7ª, encontrando-se provados, por serem factos notórios ou por presunção, os danos não patrimoniais relevantes e ressarcíveis, revogar-se a sentença e o acórdão e condenar-se o réu no pedido contra ele formulado.” O recorrido, Estado Português, contra-alegou, concluindo nos seguintes termos: “1- O Autor, ora Recorrente, A…………, interpôs Recurso Excepcional de Revista do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) proferido a 7 de Julho de 2021, aqui dado por integralmente reproduzido quanto ao seu teor, o qual negou provimento ao recurso que havia sido interposto pelo Recorrente, da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 14 de Abril de 2020, aqui dada por inteiramente reproduzida quanto ao seu teor, decisão esta que julgou a Acção Administrativa intentada pelo Recorrente improcedente por não provada e absolveu o Réu/Recorrido Estado, do respectivo pedido.

2- O Autor, ora Recorrente, havia intentado no TACL, Acção Administrativa contra o Estado Português pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 21.000,00 (vinte e um mil euros), acrescidos de juros de mora, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento, nos termos e fundamentos constantes do respectivo petitório, danos esses que tinha sofrido, decorrentes da violação do prazo razoável da decisão, previsto no artigo 20º, nº4, da CRP, 6º,§ 1º, da CEDH, 2º, nº1, do CPC e 97º, nº1, da LGT, entre outros.

3- A decisão da primeira Instância julgou, como se escreveu, a Acção improcedente, por não provada, tendo absolvido o Recorrido do pedido.

4- Decisão esta que, como se referiu, veio a ser mantida e confirmada pelo Acórdão deste TCAS ora sob sindicância.

5- Insurgindo-se contra o citado Acórdão, o Recorrente alinha as suas sínteses conclusivas, que delimitam o objecto do recurso e aqui dadas por reproduzidas por uma questão de economia processual.

6- Os fundamentos invocados pelo Recorrente, e que aqui nos dispensamos de reproduzir, com todo o respeito, não reúnem os requisitos que imponham a admissão do presente recurso de revista.

7- O artigo 150º, nº1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, a título excepcional, recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

8- E dispõe o nº2 do citado normativo legal que “a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual”.

9- Ora o Recorrente, não justifica, de forma sólida e convincente a existência/verificação de qualquer dos requisitos a que alude o artigo 150º do CPTA que imponha a admissão da presente Revista.

10- É abundante a jurisprudência desse Venerando Tribunal que se tem pronunciado sobre os pressupostos necessários à admissibilidade do recurso de revista (recurso jurisdicional).

11- Assim, entre outros, o Acórdão proferido a 7 de Dezembro de 2011, no Processo nº 01033/11: “O recurso de revista a que alude o nº1, do artigo 150º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos excepcionais, tem por objectivo facilitar a intervenção do STA naquelas situações em que a questão a apreciar assim o imponha, devido á sua relevância jurídica ou social e quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” 12- Por outro lado, se atendermos à forma como o Legislador delineou o recurso de revista, em especial se olharmos aos pressupostos que condicionam a sua admissibilidade, temos de concluir que o mesmo é de...

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