Acórdão nº 245/20.7GASSB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 08 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório a. No Juízo Local de Sesimbra, do Tribunal Judicial da comarca de Setúbal, procedeu-se a julgamento em processo comum de JB, nascido a …, solteiro, …, residente em … e com os sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, previsto no artigo 292.º, § 1.º do Código Penal (CP) e que é também punível nos termos do artigo 69.º, § 1.º al. a) do mesmo código

O arguido contestou negando que no ato de condução estivesse sob influência de substâncias estupefacientes; e requereu exame ao local onde ocorreu o acidente, que veio a determinar a intervenção policial e subsequente realização de exame toxicológico de modo a esclarecer a dinâmica do evento e as condições da via

Tal requerimento veio a ser indeferido por se ter entendido que o âmbito do que se requereu extravasava o objeto do processo, na medida em que a culpa do arguido ou a inexistência desta na produção do despiste que originou o acidente não tinha relevância para o apuramento da sua responsabilidade quanto à prática do crime de condução sob a influência de estupefacientes

Inconformado com esta decisão o arguido interpôs dela recurso, com os fundamentos que adiante se indicarão

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e a final o tribunal proferiu sentença, na qual condenou o arguido como autor de um crime de condução de veículo sob a influência de estupefacientes, previsto no artigo 292.º, § 1.º CP, na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 5€; e «na inibição (1) temporária da faculdade de conduzir pelo período de 4 meses» Inconformado com esta condenação dela igualmente recorre o arguido

b.1 O recorrente finaliza a motivação do recurso da decisão que indeferiu a realização de exame ao local do acidente, com as seguintes conclusões (2): - O arguido foi “interveniente em acidente de viação decorrente de despiste”

- Importando aquilatar, em sede de julgamento, das circunstâncias relativas à via, ao modo como o transito circula na mesma, compaginado com a tipo de veículo conduzido pelo arguido (motociclo)

- A não realização da diligência requerida traduz-se numa omissão de diligência indispensável para a descoberta da verdade

- O despacho recorrido violou o preceituado no artigo 340.º n.º 1 do CPP e por conseguinte impõe-se a sua revogação, com os necessários efeitos sobre a decisão final no caso de esta vir a condenar o arguido pelo crime pelo qual vem acusado

b.2 Admitido o recurso respondeu o Ministério Público, referindo, em síntese, que: Atento o ilícito imputado ao arguido concorda-se com a decisão recorrida, uma vez que não se vislumbra utilidade/necessidade da realização da diligência requerida para a descoberta da verdade

c.1 O recorrente finaliza a motivação do recurso da sentença, com as seguintes conclusões (3): - Os factos provados da sentença, tal como já sucedia com a acusação, não contêm um elemento objetivo constitutivo do ilícito

- Era necessário alegar e depois demonstrar que o arguido conduzia sob a influência de estupefaciente ou substância psicotrópica

- Isto é, que não estava em condições de fazer com segurança a condução

- Não basta a presença de estupefaciente, substância psicotrópica ou produto com efeito análogo no corpo do condutor. Sendo também necessário que a mesma influencie e o torne incapaz de conduzir com segurança

- No entendimento vertido na sentença, a referência no tipo a «não estando em condições de o fazer em segurança» não configura um elemento essencial para a descrição factual do tipo de crime, mas sim, uma decorrência da conduta do arguido passível isso sim de prova em contrário

- Provado está apenas que o arguido conduzia com a presença de substância psicotrópica ou produto com efeito análogo no corpo

- Para além da prova pericial que tem a virtualidade de comprovar a presença de concentração de canabinóides de 99 ng por mililitro de sangue de THC – COOH, inexiste qualquer outra prova, que demonstre o efeito de tal substância na capacidade de condução do arguido. De que o mesmo não estava em condições de exercer a condução de veículo em segurança

- Inexistindo outro elemento de prova que interfira, deveria o tribunal ter convocado o princípio in dubio pro reo para dar como não provados os factos

- A sentença proferida violou assim, as regras da experiência e a livre convicção (cfr. art.º 127.º CPP), o princípio in dubio pro reo, o disposto no artigo 292.º n.º 2 do CP, impondo-se a sua revogação com a consequente absolvição do arguido. c.2 Admitido que foi este recurso respondeu o Ministério Público, referindo, em síntese, que: «2. O elemento objetivo do tipo ora em análise é conduzir veículo com ou sem motor, em via pública ou equiparada, não estando em condições de o fazer por se encontrar sob a influência de estupefacientes; 3. O facto de o arguido se encontrar sob influência de estupefacientes, conforme provado pelo exame toxicológico realizado ao mesmo na data dos factos, implica que não se encontrava em condições de exercer a condução em segurança; 4. Assim, o elemento objetivo do tipo em análise encontra-se provado; 5. O exame laboratorial realizado ao sangue recolhido ao arguido na data dos factos, comprova que o mesmo se encontrava influenciado por produtos estupefacientes; 6. O arguido admitiu ter consumido produtos estupefacientes; 7. O arguido, fruto do efeito desse produto estupefaciente no seu organismo, não estava em condições de conduzir em segurança, tanto que veio a ser interveniente em acidente de viação; 8. Por não ter ficado por provar qualquer facto integrador do tipo de crime e por não restar qualquer dúvida quanto ao preenchimento do tipo objetivo ou subjetivo do tipo criminal, não há lugar à aplicação do principio in dubio pro reo; 9. A douta sentença ora recorrida não merece qualquer reparo ou censura, tendo feito uma correta aplicação do Direito aos factos, bem como uma correta apreciação da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento; 10. Por tudo, a decisão proferida e ora em crise deverá manter-se nos precisos termos em que foi proferida.» d). Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância, louvando-se nas respostas aos recursos na 1.ª instância, emitiu entendimento no sentido da improcedência do recurso. e). Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta. Os autos foram aos vistos e teve lugar a conferência. II – Fundamentação 1. Na sentença recorrida o tribunal a quo deu como provado seguinte acervo factual: «1. No dia 21 de fevereiro de 2020, entre as 10.30 e as 11.00 horas, na Estada da …, em …, o arguido conduzia o motociclo matrícula …, sob a influência de produto estupefaciente, tendo sido interveniente em acidente de viação decorrente de despiste

  1. O arguido foi considerado “ferido grave” e por este motivo transportado para o Hospital para receber a necessária assistência médica, onde foi submetido ao teste de substâncias psicotrópicas através da análise sanguínea

  2. O teste de recolha sanguínea veio a resultar positivo, tendo o arguido acusado uma concentração de canabinóides de 99 ng por mililitro de sangue de THC – COOH1

  3. O arguido sabia que havia consumido produto estupefaciente e que ao conduzir aquele veículo na via pública o fazia sob a sua influência, mas nem mesmo assim se absteve de o conduzir, o que quis e conseguiu

  4. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punível por lei

    Mais se apurou que: 6. No dia do acidente, o arguido esteve toda a manhã em casa com os seus pais e saiu minutos antes do acidente e iniciou o seu percurso para a escola, estrada onde sofreu o acidente

  5. No troço de estrada onde se deu o acidente o piso é muito irregular, tendo um acentuado desnivelamento no pavimento que periga para a segurança de quem circula de mota

  6. O troço tem uma ligeira curva que não...

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