Acórdão nº 2641/20.0T8BTG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

RELATÓRIO A autora M. J. intentou acção declarativa com processo comum contra a ré X CAR MULTIMEDIA - PORTUGAL, SA.

Pede a condenação da ré: a reconhecer que o contrato de trabalho a termo resolutivo incerto que celebrou com a autora se converteu num contrato de trabalho sem termo; a reconhecer a ilicitude do despedimento da autora; a reintegrar a autora, sem prejuízo da categoria e antiguidade; a pagar à autora a quantia correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do seu despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão; apagar à autora a quantia de € 284,92 a título de férias não gozadas.

Causa de pedir: alega que foi admitida ao serviço da ré através de um contrato de trabalho a termo incerto. O motivo justificativo que foi indicado no contrato corresponde a uma referência genérica e imprecisa, não especificando em concreto as circunstâncias que levaram à sua celebração. Este motivo não é verdadeiro e não estava em causa uma necessidade temporária da empresa. Após a cessação do contrato de trabalho a ré procedeu à contratação de outros trabalhadores através de contratos a termo em violação do disposto no art. 143º nº1 do Cód. do Trabalho.

Assim, considera que o contrato de trabalho se converteu num contrato sem termo e foi despedida ilicitamente, pretendendo a sua reintegração, sem prejuízo da categoria e antiguidade.

Contestação: a ré alega que não assiste razão à autora e que a cessação do contrato de trabalho ocorreu por um motivo verdadeiro e atendível em resultado da crise económica mundial provocada pela pandemia da Covid-19, pelo que a acção deve ser julgada integralmente improcedente.

Para a eventualidade de acção ser julgada procedente, deduziu reconvenção pedindo a condenação da autora a restituir a quantia de 3.763,41 que recebeu a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho, desrespeito pela falta de aviso prévio por parte da ré e créditos da autora (férias, subsídio de férias e de natal). Requer ainda a dedução das quantias que a autora tenha auferido após a cessação do contrato de trabalho, nos termos das alíneas a), b), c) do nº 2 do art. 360º CT.

Em resposta à reconvenção, a autora alega que o montante liquidado a título de compensação pela rescisão do contrato foi de 1.799,03€- doc. 4 da petição inicial.

Seguiu-se a prolação de despacho saneador, no âmbito do qual se procedeu à identificação do objecto da lide e à enunciação dos temas de prova.

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença.

DECISÃO RECORRIDA- julgou-se a acção improcedente e absolveu-se a ré totalmente do pedido.

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA AUTORA -CONCLUSÕES: I.

Relativamente ao ponto 6 dado como provado na sentença proferida pelo Tribunal a quo, designadamente que a justificação do termo aposta no contrato de trabalho celebrado correspondia à realidade, deve o mesmo ser considerado como não provado.

II.

Não logrou a Ré, aqui Recorrida, fazer qualquer prova dos alegados acréscimos no referido motivo justificativo do termo - o que legalmente lhe cabia, conforme artigo 140.º, n.º 5 do Código do Trabalho -, tal como não juntou qualquer organograma comprovativo da divisão da empresa em áreas de negócio.

III.

Veja-se relativamente às áreas de negócio da empresa que a maioria das testemunhas não foi capaz de as reconhecer, entre elas chefes de linha e todos os trabalhadores de linhas de produção chamados ao processo na qualidade de testemunhas! IV.

Designadamente, os trabalhadores das linhas de produção, testemunhas no processo, referiram-se sempre a projetos de marcas automóveis, afirmando ser essa a realidade diária na atividade da Ré, aqui Recorrente, desconhecendo, em absoluto, que sequer existem as alegadas áreas de negócio apostas no motivo justificativo! V.

A Ré, apondo no motivo justificativo do termo todas as alegadas áreas de negócio que possui mais não procura senão alocar os trabalhadores a todo e qualquer posto de trabalho, a todo e qualquer projeto ou área de negócio, alterando os trabalhadores de áreas, projetos e funções conforme lhe é mais conveniente, procurando que nunca se verifique o termo do contrato por caducidade.

VI.

Da mesma forma, não poderia nunca considerar-se que o motivo justificativo do termo correspondia à realidade, uma vez que, além de não existir absolutamente nenhum meio que comprove os acréscimos de produção nele referidos e de não ser possível, por nenhum modo, apurar até quando os mesmos se verificaram, também todas as testemunhas afirmaram que as oscilações de produção são constantes, marcadas por quebras e aumentos de produção em diversas áreas de produção, facto que conduziu, inclusivamente, a testemunha R. S. a autointitular-se de “tapa-buracos”, uma vez que é sucessivamente mudado de linha de produção devido a descidas.

VII.

Ainda, considerou o Tribunal a quo como sendo verdadeiro que a Ré detinha previsões de produção anuais, o que por si só indicia que, pelo menos, anualmente se verificam oscilações e, por tal, se verifiquem alterações nas motivações que conduziram a contratações - que, uma vez mais se reforce, não são possíveis avaliar por um qualquer declaratário, e nem pelo Tribunal -, o que naturalmente conduz a que os motivos justificativos do termo deixem de ter a sua validade, convolando-se tais contratos a termo em contratos sem termo.

VIII.

Do testemunho prestado pelo Sr. R. S., resulta evidente que os decréscimos de produção ocorrem frequentemente, tendo, inclusive, a Recorrente celebrado com a Recorrida um aditamento ao contrato de trabalho em dezembro de 2015 onde viu o número de horas de trabalho serem aumentadas por efeitos de necessidade do mercado, como da mesma forma foi colocada numa outra linha de produção, em meados de Outubro de 2016, por efeitos de oscilações de mercado em sentido decrescente.

IX.

Significa isto que, aceitar-se agora que o motivo da pandemia Covid-19 seja fundamento para operar a caducidade de mais de cem contratos de trabalho imediatamente antes do acesso ao lay off simplificado (sendo certo que tais despedimentos seriam absolutamente proibidos posteriormente), não tem cabimento nem encontra qualquer base na prova produzida, mas ignorada em sede de 1.ª Instância.

X.

Ademais, e de forma absolutamente gravosa, o Tribunal a quo ignorou, em absoluto, o facto de todos as testemunhas trabalhadoras da mesma categoria da Autora não reconhecerem os termos apostos no motivo justificativo do termo - trabalhadores estes com vários anos de trabalho na empresa Ré, denunciando que tais termos não têm qualquer conexão com a realidade, não sendo utilizados, em nenhum momento, nas funções a que são alocados, nem mesmo na designação das linhas de produção.

XI.

Nem mesmo chefes de linha foram capazes de identificar as alegadas áreas de negócio da Ré apostas no contrato de trabalho em crise, do que se depreende que apenas altas chefias reconhecem a existência de tais áreas, se é que efetivamente existem na realidade, uma vez que são partes interessadas no litígio.

XII.

Sucede que o direito nos exige que qualquer declaratário colocado na posição do trabalhador possa entender o motivo justificativo do termo - o que, obviamente, não sucede, dado que nem os próprios trabalhadores da Ré o reconhecem -, pelo que, invariavelmente, terá de se considerar inválido o termo justificativo, considerando-se o contrato de trabalho em análise como se tratando de um contrato sem termo.

XIII.

Efetivamente, considerou a sentença em crise dar como provado que se procedeu ao despedimento de cem trabalhadores, escudando-se a Ré nas dificuldades e decréscimo de produção causadas pela pandemia Covid-19, desconsiderando, em simultâneo e de forma incompreensível, as cerca de 300 contratações efetuadas a partir de agosto de 2020, i.e., nem três meses volvidos após os despedimentos, bem como as reintegrações a que a Ré procedeu de forma imediata ao despedimento em análise - testemunho da Sr.ª C. L., ela mesma reintegrada em junho de 2020 e que confirma conhecer, pelo menos, outras duas reintegrações ocorridas antes da sua, em abril/maio de 2020, ou seja, apenas dois meses após a alegada crise económica que se abateu sobre a Ré e, diga-se, numa das alturas que a economia mais se encontrava afetada pelo surto pandémico.

XIV.

Os despedimentos a que a Ré procedeu deram-se ainda antes do recurso ao mecanismo do lay-off, inexistindo qualquer tentativa da Ré de manter tais trabalhadores, antes tendo-se aproveitado da situação pandémica para fazer caducar os contratos de trabalho a termo que se encontravam próximos do seu prazo legal máximo, como era o caso da Autora, aqui Recorrente, e da testemunha I. P. que já se encontravam ao serviço da Ré há 5 anos, optando por manter os trabalhadores com menor antiguidade, como foi o caso da testemunha R. S. que ficou a exercer as funções da Autora, com menor antiguidade na empresa Ré e no posto de trabalho.

XV.

A Recorrida optou por descartar os trabalhadores que, ilegalmente, se encontravam a coberto de um contrato de trabalho a termo incerto, por entender ser mais fácil e mais proveitoso para si mesma, e para posteriormente obter apoios extraordinários do Estado, mas nunca por existir um decréscimo de trabalho, o que se comprova pelas reintegrações existentes à data do despedimento e pelas 300 contratações operadas nos 2, 3 e 4 meses subsequentes.

XVI.

A Recorrida utiliza abusivamente esta forma de contratação para não ter trabalhadores permanentemente vinculados e, deste modo, reduzir a sua despesa com os recursos humanos, mantendo os trabalhadores com vínculos precários, até ao limite legalmente admissível.

XVII.

E, no caso em apreço, confrontados com a possibilidade de recorrer ao lay off e com a desculpa perfeita motivada pela pandemia (que infelizmente foi usada e utilizada para justificar o injustificável), fazer cessar centenas de contratos de trabalho que, no caso da Recorrente, já se tinham convolado em contratos sem termo, como, ainda que assim não se entendessem, não...

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