Acórdão nº 869/21.5T8PNF.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelFÁTIMA GOMES
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, na 7ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1.

OFFICINE GULLO S.R.L.

(NIPC 0617…83), sociedade de direito italiano, com sede em Via …, … – 50012 Antella (Firenze), Itália, veio, nos termos e ao abrigo do artº. 210º.-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), apresentar PROCEDIMENTO CAUTELAR NÃO ESPECIFICADO contra ARMANDO FERREIRA DA SILVA E FILHOS, LIMITADA com sede na Rua …, nº. …, …., Paços de Ferreira, tendo formulado o seguinte pedido:

  1. Seja a Requerida condenada a abster-se de aceitar quaisquer encomendas por parte do Senhor AA ou da L´Atelier Paris Haute Design, LLC de produtos com as características distintivas dos produtos produzidos e comercializados pela Requerente; b) Seja a Requerida condenada a cessar, de imediato, a produção, venda e entrega dos produtos que se assemelhem aos produtos produzidos e comercializados pela Requerente, considerando-se como tais os que tenham, em todo ou em parte, as características distintivas dos produtos produzidos e comercializados pela Requerente; c) Seja ordenada a apreensão das peças de mobiliário produzidas pela Requerida em violação do direito de autor e dos instrumentos utilizados para a sua produção.

Mais requereu se digne condenar a Requerida no pagamento da quantia de € 1.000,00 (mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento ou de violação de qualquer uma das providências cautelares ordenadas, a título de sanção pecuniária compulsória.

Para tanto e em suma alegou que se dedica ao fabrico e venda de mobiliário de cozinha, comercializando-o diretamente ou através de distribuidores autorizados. Que a Requerente projetou e concebeu mobiliário de cozinha de luxo, criando o design dos produtos que comercializa associando-os á marca de que é titular.

Que a sociedade Atelier de Paris Haute Design, LLC através do legal representante AA passou a comercializar mobiliário e cozinha comercializado pela sociedade Officine Gullo USA, sociedade comercial de direito norte americano, com quem a Requerente manteve relacionamento comercial, nomeadamente através de um contrato de distribuição, entretanto cessado.

Esse mobiliário passou a ser comercializado pela sociedade Atelier de Paris Haute Design, LLC que contratou a ora Requerida para o produzir.

Tratam-se, porém, de verdadeiras réplicas de produtos produzidos e comercializados pela Requerente, os quais assentam num design único, composto por componentes de cozinha perfeitamente diferenciados dos produtos produzidos e comercializados pelos demais concorrentes.

Os elementos distintivos desses produtos foram copiados e o próprio logotipo imita o desenho que ornamenta vários componentes produzidos e comercializados pela Requerente, sendo por isso idóneos a criar confusão quanto á identificação dos produtos e em particular á origem, marca e qualidade dos mesmos.

A produção da Requerida de tais produtos para a sociedade Atelier de Paris Haute Design, LLC, permite a comercialização por esta dos mesmos, quer nos ..., quer noutros países em violação dos interesses legítimos da Requerente.

A Requerente é a legítima titular dos direitos de autor sobre a referida obra, porquanto é a criadora intelectual da mesma.

Para além da violação dos direitos de autor de que a Requerente é titular, a atuação da Requerida configura também uma situação de concorrência desleal, já que se mostra suscetível de criar confusão com a empresa, o estabelecimento e os produtos dos concorrentes.

Requer assim, ao abrigo do disposto no art. 210º-G nº 1 do CDADC a medida requerida que se mostra adequada a proibir a continuação daquela atividade ilícita, que lhe vem causando diversos prejuízos.

2.

A Requerida foi citada em 29/03/2021.

3.

Em 08/04/2021 a Requerida requereu a tradução de documentos juntos pela Requerente no seu articulado inicial, requerendo ainda “interrupção do prazo para a dedução da Oposição”.

4.

No dia 08/04/2021, o Tribunal deferiu o pedido nos seguintes termos: “Considera-se procedentes as razões aduzidas, interrompido o prazo em curso para a dedução de oposição pela requerida, o qual se reiniciará automaticamente (sem necessidade de nova declaração ou outra notificação) com a notificação á requerida das traduções reclamadas que, como documentos tendentes a provar os factos alegados pela Autora, têm de ser fornecidos á contraparte em termos que lhe permitam a defesa cabal.

De todo o modo, estando em causa uma mera interrupção, como requerida, não há lugar ao decurso na íntegra de novo prazo de oposição, apenas e só ao reinício daquele em curso”.

5.

A Requerida foi notificada das traduções em 15/04/2021 com a advertência “Fica deste modo V.

Exª notificado (…) reiniciando-se o prazo.” 6.

A Requerida ofereceu Oposição, que deu entrada em Juízo em a qual não foi admitida por extemporânea, por despacho de 2.6.2021 (despacho final), com o seguinte teor: “Assiste razão à requerida quanto à dilação de que beneficia por causa da citação para os termos do procedimento em curso.

A mesma, contudo, quando se considerem os termos, algo infelizes, reconhece-se, do despacho que deferiu que o prazo em curso para a apresentação da oposição se suspendesse enquanto não fosse a Ré notificada das traduções em falta, não é suficiente para que possa haver-se a oposição por tempestiva.

Assim é que o despacho proferido, que não mereceu qualquer pedido de esclarecimento ou arguição de invalidade por contradição, é claro na consideração de não correr novo prazo para a apresentação da oposição, apenas cabendo o decurso daquele em falta até à dedução do requerimento apreciando.

Menor rigor técnico-jurídico, reconhece-se, mas explicitação clara de não se conceder a totalidade da pretensão e, clara ainda a menção ao não reinício do prazo de oposição; que, assim, tem de haver-se como ultrapassado aquando da apresentação desta, como pugna a Autora.

Termos em que, por intempestiva, se decide ser de desatender a oposição apresentada.” 7.

O Tribunal julgou-se competente em razão da matéria e de seguida conheceu do mérito do procedimento cautelar, proferido a seguinte decisão final: “Tudo visto, julgo o procedimento cautelar procedente, por provado e, em consequência, condeno a requerida: a) a abster-se de aceitar quaisquer encomendas por parte do Senhor AA ou da L´Atelier Paris Haute Design, LLC de produtos com as características distintivas dos produtos produzidos e comercializados pela Requerente; b) a cessar, de imediato, a produção, venda e entrega dos produtos que se assemelhem aos produtos produzidos e comercializados pela Requerente, considerando-se como tais os que tenham as características distintivas dos produtos produzidos e comercializados pela Requerente; c) ordeno a apreensão das peças de mobiliário produzidas pela Requerida e que integrem as características referidas nas alíneas que antecedem.

  1. no pagamento da quantia de 500 EUR por cada violação de qualquer das providências ordenadas em a) e b), a título de sanção pecuniária compulsória.

    Custas pela requerente, a atender na ação principal, vista a desconsideração da oposição.” 8.

    Inconformada, ARMANDO FERREIRA DA SILVA E FILHOS, LDA, Requerida veio interpor recurso de APELAÇÃO, conhecido pelo TR... e que decidiu: “Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este tribunal em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida (onde se inclui a não admissão da oposição), declarando-se incompetente em razão da matéria o tribunal recorrido, com a consequente absolvição da Requerida ora Apelante da instância.” 9.

    OFFICINE GULLO S.R.L., inconformada com a decisão apresentou recurso de revista, com fundamento nos artºs. 370º., nº. 2, 629º., nº. 2, alínea a), 627º., nºs. 1 e 2, 631º., nº. 1, 637º., nºs. 1 e 2, 638º., nº. 1, 671º., nº.1, 674º., nº.1, alínea b), 675º., nº.1 e 676º., nº.1, do Código de Processo Civil (CPC).

    Conclusões da revista (transcrição): I - Mediante a prolação do acórdão recorrido, o tribunal a quo (i) declarou a competência do Tribunal de Propriedade Intelectual, em detrimento do Juízo Central Cível ..., para conhecer do mérito dos presentes autos, com a consequente absolvição da Recorrida da instância e (ii) revogou o despacho que precedeu a referida sentença através do qual foi ordenado o desentranhamento da oposição então apresentada pela Recorrida; II - Assim, o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, pois que violou as regras de competência em razão da matéria, em particular, o disposto nos artºs. 38º., nº. 1, 40º., nº. 1, 111º., nº. 1, alíneas a), b) e n) da LOSJ, III - Padecendo a decisão recorrida igualmente do vício de ofensa de caso julgado, pois que ao revogar a decisão que ordenou o desentranhamento da oposição apresentada pela Recorrida, substituiu, ainda que indiretamente, o despacho de 2021.04.08, violando com isso o disposto nos artºs. 620º., nº. 1, 625º., nº. 2 e 628º. do CPC; IV - Quanto à questão da competência material do Juízo Central Cível ... para conhecimento do objeto dos presentes autos, sempre se diga que, nos termos do artº. 38º., nº. 1 da LOSJ, a competência se fixa no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, V - Estatuindo o artº. 40º., nº. 1, do mesmo diploma legal, que os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

    VI - Deste modo, para a determinação do tribunal materialmente competente é necessário efetuar a análise da estrutura da relação jurídica material submetida à apreciação e julgamento do tribunal, ou seja, é necessário ter em conta a relação que se estabelece entre o pedido concretamente formulado e a causa de pedir que lhe serve de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT