Acórdão nº 101/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 101/2022

Processo n.º 1007/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

(Conselheira Assunção Raimundo)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. A., recorrente nos presentes autos, em que é recorrido o Ministério Público, detido em 25 de maio de 2021, no âmbito do processo de inquérito n.º 997/19.7T9OER, que corre termos no Juízo de Instrução Criminal de Cascais, por indícios da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, foi, na sequência do primeiro interrogatório judicial, notificado da decisão que lhe impôs a medida coativa de prisão preventiva.

A referida decisão teve por fundamento, além do mais, a prova recolhida através de duas buscas domiciliárias.

A primeira busca domiciliária foi realizada a 4 de março de 2021, pelas 06h50m, tendo sido elaborado um auto de notícia que relata os seguintes factos (cf. fls. 4505v-4506):

“Aos 04 dias do mês de março de 2021, pelas 06H50 eu B., Agente Principal M/148279, acompanhado das testemunhas policiais, C. Agente Principal M/146242 e D. Agente Principal M/146707, ambos do efetivo da Esquadra de Investigação Criminal da Divisão Policial de Oeiras, dou notícia dos seguintes factos:

DOS FACTOS:

Quando nos encontrávamos de serviço de prevenção criminal, fomos acionados pelo Centro de Comando e Controlo, desta Polícia, para nos deslocarmos à Rua …, n.º .. # …, em Paço de Arcos, em virtude ter sido recebido uma chamada via 112, a dar notícia que ali tinha ocorrido um homicídio.

Assim, e uma vez que a artéria em questão, situa-se ZUS # Bairro Alto da Loba, deslocámo-nos ao local acompanhados, pelo supervisor operacional e o carro de patrulha adstrito à 80ª Esquadra # Oeiras.

Na referida artéria, encontrava-se uma ambulância dos Bombeiros Voluntários de Paço de Arcos, que segundo informações estava a prestar primeiros socorros a um indivíduo que tinha sofrido um surto psicótico.

Nessa sequência e no sentido de verificar a veracidade da informação, percorremos a totalidade do prédio n.º .., onde verificámos a porta de entrada do .. Dt.º totalmente aberta, em acto contínuo, verbalizámos #Polícia Vamos Entrar#, e como ninguém respondia ao chamamento, optámos por entrar na residência, onde verificámos que não se encontrava nenhuma vítima no seu interior, no entanto, aquando da verificação foi localizado num dos quartos, mais concretamente em cima de uma mesa os seguintes artigos:

A saber:

- Vários pedaços de um produto suspeito de ser Haxixe;

- Duas facas, com vestígios de um produto suspeito de ser Haxixe;

- Uma balança, com vestígios de um produto suspeito de ser Haxixe; e

- Um rolo de sacos transparentes, para acondicionamento de doses individuais do produto estupefaciente.

Passados alguns instantes, compareceu na residência a legítima proprietária, E., que ao ser questionada sobre quem pernoitava no referido quarto, afirmou ser o seu filho, A., sendo que não o vê e nem regressou a casa desde o pretérito dia 26 de Fevereiro.

Nessa sequência, foi a E., questionado se sabia da existência de mais produto estupefaciente na sua residência, motivo pelo que se prontificou a colaborar e a assinar um Termo de Autorização de Busca Domiciliária.

Assim, cerca das 06H50, no quarto do suspeito, A., sito na rua …., deu-se início à referida diligência, onde se apreendeu o seguinte:

Em cima de uma mesa:

- Vários pedaços de um produto suspeito de ser Haxixe;

- Duas facas, com vestígios de um produto suspeito de ser Haxixe;

- Uma balança, com vestígios de um produto suspeito de ser Haxixe; e

- Um rolo de sacos transparentes, para acondicionamento de doses individuais do produto estupefaciente.

No interior de um roupeiro:

- Um cofre de metal de cor preta, contendo no seu interior, uma embalagem de um produto suspeito de ser Cocaína, três notas de 20Euros, e duas moedas de 2 cêntimos;

- Várias embalagens de um produto suspeito de ser Haxixe;

A diligência terminou pelas 7H20m sem qualquer incidente. (…)”.

A segunda busca domiciliária foi realizada a 25 de maio de 2021, na sequência de mandado de busca judicial, tendo sido apreendidos, conforme auto de busca e apreensão (cf. fls. 4947-4950):

“- No seu quarto, em cima de um cesto de roupa, uma mala tira-colo, de marca “Lacoste”, de cor preto, contendo €60, dividido em três notas de € 20;

- No seu quarto, em cima de uma mesa de apoio de cor branca, € 70, dividido em três notas de € 20, uma nota de € 10 bem e uma tábua em plástico rígido que continha resíduos de produto suspeito de ser Haxixe, com o peso de 7,06 gramas;

- No seu quarto, em cima de uma mesa com o tampo de cor castanho, vários pedaços de uma substância suspeita de ser estupefaciente Haxixe, um telemóvel de marca Apple, modelo Iphone com o IMEI ….., um telemóvel de marca Apple, modelo Iphone com o IMEI …… e um telemóvel da marca Nokia, com o IMEI …..;

- No interior do seu quarto, no interior do roupeiro, um tablet e respetiva capa, de marca Huawei, modelo Media pad M5, sem número de série visível;

- No quarto de sua mãe, em cima da cómoda, no interior de um guarda jóias, foram localizados e apreendidos vários pedaços de uma substância suspeita de ser estupefaciente Haxixe;

- No quarto do seu primo, em cima da cómoda localizada e apreendida uma mala, de cor preta, da marca “Guess”, contendo no seu interior uma embalagem com produto suspeito de ser estupefaciente Cocaína;

- No quarto do seu primo, no interior de uma gaveta da mesa de cabeceira, foi localizado e apreendido uma arma elétrica, vulgarmente designada por “Taser”, que, aparentemente, se encontra inoperacional;

- No quarto do seu primo, em cima do roupeiro, foi localizado e apreendido uma faca de cozinha com cabo em madeira, que continha resíduos na lâmina, suspeitos de ser Haxixe;

- Na casa de banho, junto ao lavatório, uma embalagem plástica contendo no interior um pedaço de uma substância suspeita de ser produto estupefaciente Haxixe;

- Na sala, em cima da prateleira de um móvel, uma faca com cabo de cor preto, contendo resíduos na lâmina, suspeitos de ser Haxixe;

- Na sala, numa prateleira do móvel ali existente, várias embalagens plásticas, usualmente utilizadas para o acondicionamento em doses individuais de produto estupefaciente;

- No hall de entrada da residência, no interior de uma gaveta do móvel, uma carteira em pele, de cor castanha, contendo no seu interior € 1.000 em notas.”.

Notificado daquela decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, arguindo, na parte que para os autos releva, a nulidade da busca vertida no auto de notícia elaborado a 4 de março de 2021 (cf. fls. 234-248-TC).

Em acórdão prolatado a 8 de setembro de 2021, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

Notificado deste acórdão, deduziu recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas g) e b) da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, doravante «LTC») – cf. fls. 454-457-TC.

2. Por decisão sumária n.º 602/2021, proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1 da LTC, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, por não se mostrarem reunidos os pressupostos de admissibilidade previstos, quer na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, quer na respetiva alínea g) – cf. fls. 466-472-TC.

3. Dessa decisão, deduziu reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 2 da LTC (fls. 477-480-TC).

4. Analisada a reclamação, a conferência convidou o reclamante a precisar a norma sindicada ao abrigo da alínea g), do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (cf. fls. 491).

5. Em resposta, o recorrente veio esclarecer o seguinte (cf. fls. 497):

«O arguido recorrente entende que a interpretação normativa tirada, pelo Tribunal a quo, do disposto na alínea b) do n.º 3, com referência al. b) do n.º 2, do art.º 177.º do Código de Processo Penal, segundo o qual o consentimento para a realização da busca domiciliária pode ser dado pelo legítimo dono do local (como era o caso da mãe do arguido), já que o uso do quarto em que este pernoitava lhe era cedido por aquela), ou seja, o consentimento para a realização de uma busca domiciliária pode ser dado por pessoa diferente do arguido, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado com disponibilidade da habitação em causa é inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa e, nos termos e para os efeitos da al. g) do n.º 1 do art. 70.º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, considera o recorrente que a aplicação daquela interpretação normativa no caso concreto, consubstancia a aplicação de norma já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, nos seus Acórdãos n.ºs 507/94, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Dezembro de 1994, e n.º 126/2013, de 27 de Fevereiro de 2013, publicado em http://www.tribunalconstitucional.pt.».

6. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações (cf. fls. 501-513), formulando as seguintes:

«[…] CONCLUSÕES

1. A interpretação normativa tirada, pelo Tribunal a quo, do disposto na alínea b) do n.º 3, com referência al. b) do n.º 2, do art.º 177.º do Código de Processo Penal, segundo a qual o consentimento para a realização da busca domiciliária pode ser dado pelo legitimo dono do local (como era o caso da mãe do arguido, já que o uso do quarto em que este pernoitava lhe era cedido por aquela), ou seja, o consentimento para a realização de uma busca domiciliária pode ser dado por pessoa diferente do arguido, mesmo que tal pessoa seja um co-domiciliado com disponibilidade da habitação em causa, é inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa.

Aliás,

2. O Tribunal recorrido adotou uma interpretação normativa do disposto na alínea b) do n.º 3,...

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