Acórdão nº 125/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 125/2022

Processo n.º 1330/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (doravante, «LTC»), do acórdão prolatado por aquele Tribunal, em 4 de novembro de 2021.

2. Por acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Lisboa do Tribunal da Comarca de Lisboa, o ora recorrente foi condenado pela prática de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), com referência à alínea f) do artigo 204.º do Código Penal, seis crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.º, n.º 1, do mesmo Código, e um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, também do Código Penal, na pena única de seis anos de prisão.

Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou o recurso improcedente por acórdão proferido em 4 de novembro de 2021.

3. Na parte que aqui releva, consta do acórdão recorrido a seguinte fundamentação:

«A Lei n.º 20/2013 de 21 de fevereiro, que entrou em vigor a 23/03/2013, deu nova redação ao n° 3 do art. 141° do CPP, ao corpo do n° 4 b), e aos n°s 7 a 9, passando as anteriores alíneas b) a d) do n° 4 às atuais c) a e), respetivamente.

Como resultado dessa alteração, passou o n° 4 do art. 141° do CPP a prescrever que “Seguidamente, o juiz informa o arguido: b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova; diz-se no n° 7 que “O interrogatório do arguido é efetuado, em regra, através do registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios, designadamente estenográficos ou estenotípicos, ou qualquer outro meio técnico idóneo a assegurar a reprodução integrai daquelas, ou a documentação através de auto, quando aqueles meios não estiverem disponíveis, o que deverá ficar a constar do auto; acrescenta o n° 8 que “Quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados no auto o início e o termo da gravação de cada declaração”; por último, estabelece o n° 9 que “É correspondentemente aplicável o disposto no art. 101°”.

Com esta alteração, conforme ensina José Mouraz Lopes([1]), ampliou-se a possibilidade de valoração das declarações prestadas pelo arguido em fases anteriores ao julgamento e assim, as declarações prestadas em 1.º interrogatório judicial podem ser usadas na sentença ou acórdão do tribunal de primeira instância ou do tribunal superior, nos termos do art. 127° do CPP; por isso, no 1.º interrogatório judicial de arguido detido, o arguido tem que ser informado que, querendo falar dos factos que lhe são imputados, tais declarações poderão ser usadas no processo, mesmo que não esteja presente ou opte, por na audiência, não prestar qualquer declaração, quer no sentido de o favorecer, quer o desfavoreçam; ou seja, o arguido, enquanto sujeito processual, tem que ficar ciente de que o que disser pode ser valorado ao longo do processo e, simultaneamente, encontrar-se munido da informação suficiente para adotar uma decisão em consciência, de acordo com a sua estratégia de defesa, devidamente assistido e aconselhado. Os três pressupostos referidos (1 presença do defensor; 2 — informação dos direitos; 3 — explicitação das consequências) constituem formalidades essenciais para permitir a utilização das mesmas declarações no processo, pelo que a omissão de qualquer uma delas determina uma proibição de valoração da prova que decorre dessas declarações ([2]).

Cumpridos que sejam os referidos formalismos, as declarações prestadas pelo arguido no Iº interrogatório judicial, serão livremente apreciadas, segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente (citado art. 127° do CPP)

O CD n° 7 de fls. 79 contendo as declarações prestadas pelo arguido no 1.º interrogatório judicial de arguido detido e arrolado como prova na acusação (arts. 165° n° 1 e 283° n° 3 f) e 141° n°s 7 a 9 e 101° n°s 1 a 4 do CPP) constitui documento autêntico - cfr. art. 363° n° 2 do C.C. - nos termos dos arts. 169° e 255° a) do CP), sendo que a veracidade do seu conteúdo não foi posta em causa pelo arguido.

Haverá então que conjugar o disposto no art. 141° n° 4 b) com o disposto nos arts. 355° e 357° n° 1 b) do CPP.

Dispõe no n° 1 do art. 355° queNão valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.

Mas o n° 2 do art. 355° prescreve que “Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em atos processuais cuja leitura, ...ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos números seguintes”.

Da leitura conjugada destes dois números retira-se que «valem em julgamento para efeito de formação da convicção do tribunal as provas contidas em atos processuais cuja leitura ou audição seja permitida mesmo que não tenham sido produzidas ou examinadas na audiência».

O art. 357° epigrafado de «Reprodução ou leitura permitidas de declarações do arguido», do CPP indica quais são essas provas: As declarações feitas pelo arguido desde que tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n° 4 do art. 141° - cfr. n° i b) do art. 357°.

Conforme se exarou no citado Ac. do STJ de 27/01/2021, “ III - Numa interpretação literal e conjugada dos artigos 355.°e 357.°, n.° 1, alínea b), do CPP, podemos concluir que, sendo a leitura das declarações do arguido, prestadas em conformidade com o artigo 141.°, n.° 4, alínea b), expressamente permitida na alínea b) do n.° 1 do artigo 357°, tratando-se de uma situação que se integra na ressalva do n° 2 do artigo 355°, está-se perante uma exceção à regra do n° 1 deste preceito: mesmo não tendo sido produzida ou examinada em audiência, tal prova poderá ser valorada para o efeito de formação da convicção do tribunal. IV - O artigo 357.", n" 1, alínea b), do CPP não impõe a leitura na audiência das declarações feitas velo arguido perante autoridade judiciária com assistência de defensor em que o mesmo tenha sido informado nos termos e vara os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.°; apenas a permite. E, nos termos do artigo 355.°, as declarações cuia leitura é permitida na audiência valem como prova, mesmo que não sejam aí lidas (produzidas ou examinadas)

Isto para concluir, que no caso concreto, não foi valorada pelo tribunal recorrido qualquer prova proibida, nem a decisão condenatória assentou em qualquer meio de prova dessa natureza, não se verificando o vício da nulidade.

E ao contrário do alegado pelo arguido quanto à eventual inconstitucionalidade desta interpretação por violação do disposto nos arts. 32° n°s 1 e 5 e 18° n° 2 da CRP, o mesmo T.C. no Ac. n° 87/99 de 09/09/99([3]), decidiu que “Não é inconstitucional a interpretação conjugada dos arts. 127°, 355° e 165° n° 2, do CPP, segundo a qual a formação da convicção com documentos juntos com a acusação, constantes dos autos, não lidos nem explicados na audiência, não viola o princípio do contraditório, quer na modalidade do princípio da oralidade, quer da imediação”; no mesmo sentido, Ac. do TC n° 399/2015.

Ainda a propósito, decidiu-se no Ac. do STJ de 09/09/2017([4]) que “I - Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respetiva audiência de julgamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal. II - Conforme jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do artigo 355° n° 1 do CPP, prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório. III - Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento (5) podendo examiná-las e exercer o direito ao contraditório em relação a elas, não se vê razão vara que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal.

Entendemos ser inútil a citação de outra jurisprudência no mesmo sentido.

Improcede nesta parte, o recurso interposto pelo arguido bem como a inconstitucionalidade invocada e consequentemente, mantêm-se os factos descritos nos n.ºs 28 a 34 que o Tribunal Coletivo julgou como provados, na apreciação conjunta dos elementos de prova nos termos do art. 127º do CPP.

AA.2.2 – A nulidade dos reconhecimentos presenciais por não terem sido observadas as formalidades previstas no nº 2 do art. 147º do CPP, sendo por isso, proibida a sua valoração como meio de prova – art. 147º nº 7 do CPP e 32º nº da CRP:

[...]

Cumpre decidir.

No caso concreto, consta expressamente dos autos de reconhecimento pessoal no item/capítulo «Descrição prévia do suspeito» efetuada pelos ofendidos: “Indivíduo do sexo masculino de ascendência africana, compleição forte, cerca de 180 cm, cabelo preto; o reconhecedor nunca tinha avistado o Suspeito antes do crime" e que " Foram colocadas em alinhamento 3 pessoas: o suspeito e mais 2 pessoas com caraterísticas físicas e de vestuário semelhantes" - negrito nosso.

Quando o...

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