Acórdão nº 117/22 de Tribunal Constitucional (Port, 03 de Fevereiro de 2022

Data03 Fevereiro 2022
Órgãohttp://vlex.com/desc1/2000_01,Tribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 117/2022

Processo n.º 1228/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B., sendo recorridos o Ministério Público e o Banco de Portugal, foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 12 de fevereiro de 2021, de 28 de setembro de 2021 e de 4 de novembro de 2021.

2. Pela Decisão Sumária n.º 723/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto pelo aqui 2.º recorrente. Na parte que ora releva, tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«12. Apreciemos agora o recurso interposto pelo aqui 2.º recorrente, o qual incide sobre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 4 de novembro de 2021.

Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º, da Constituição, e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, «identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso» (v. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

O recorrente enuncia nos seguintes termos o objeto do recurso: «[i]nconstitucionalidade do complexo normativo constituído pelos art.ºs 97.° n.º 5, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 alínea a), 425.º n.º 4 e n.º 5 a contrário e 428.º todos do CPP, conjugados com os art.ºs 74.° e 75.° do RGCO, por violação do art.º 32.º n.ºs 1 e 10 conjugado com o art.º 205.º e com o art.º 20.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP e ainda por violação do art.º 6.º n.° 1 da CEDH, na dimensão interpretativa segundo a qual basta para fundamentar uma decisão sobre questão colocada em recurso interposto pelo arguido de decisão condenatória proferida pela 1.ª instância, em processo de contraordenação e, bem assim, para fundamentar uma decisão sobre questões de nulidades do Acórdão que conheceu do mérito do recurso, que o Tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que improcedem os vícios invocados pelo Recorrente, sem ter que explicitar, ainda que minimamente mas em termos racionais suscetíveis de gerar persuasão, o processo de formação da convicção própria do Tribunal de 2.ª instância segundo a qual improcedem as questões recursivas que o recorrente suscita no Recurso, e bem assim improcedem as questões de nulidades arguidas, ou seja, sem ter de explicitar as razões pelas quais tais questões improcedem».

Está em causa, não a inconstitucionalidade de uma norma, designadamente a dos «art.ºs 97.º n.º 5, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 alínea a), 425.º n.º 4 e n.º 5 a contrário e 428.º todos do CPP, conjugados com os art.ºs 74.º e 75.º do RGCO», mas da decisão recorrida, que o recorrente considera ser nula por falta de fundamentação, nos termos legais. O recorrente entende que o Tribunal a quo não fundamentou adequadamente a decisão quanto às nulidades imputadas ao acórdão de 28 de setembro de 2021, pois limitou-se a afirmar que os vícios improcedem, sem ter explicitado, ainda que minimamente, as razões pelas quais considerou que tal sucede.

Tal forma de colocar a questão demonstra que o recorrente procura sindicar a própria decisão judicial, imputando-lhe – e não a alguma norma nela aplicada – a violação dos parâmetros constitucionais que identifica. Ora, a jurisdição constitucional não pode sindicar a suficiência da fundamentação das decisões das instâncias, porque a função que lhe cabe no nosso sistema de garantia da constitucionalidade é unicamente a de apreciar a conformidade constitucional de normas, ou seja, de critérios de decisão heterónomos em relação ao exercício da função jurisdicional. Como se escreveu no Acórdão n.º 695/2016: «o sistema português de controlo da constitucionalidade normativa assenta na ideia de que a jurisdição constitucional deve ser o juiz das normas e não o juiz dos juízes. O papel do Tribunal Constitucional na arquitetura da nossa democracia constitucional é o de controlar a atuação do legislador e dos seus sucedâneos; os erros judiciais são corrigidos através do regime de recursos próprio da ordem jurisdicional a que as decisões pertencem».

A omissão deste pressuposto processual obsta ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão, segundo o previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»

3. De tal decisão vem agora o 2.º recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, o que faz nos seguintes termos:

«Na Decisão Sumária n.º 723/2021, concluiu o Exmo. Senhor Conselheiro- Relator "Está em causa, não a inconstitucionalidade de uma norma, designadamente a dos «artº°s 97.º n.º 5, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 alínea a), 425.º n.º 4 e n.º 5 a contrário e 428.º todos do CPP, conjugados com os art.ºs 74.º e 75.º do RGCO», mas da decisão recorrida», invocando que o recorrente procura sindicar a própria decisão recorrida, imputando-lhe a violação dos parâmetros constitucionais que identifica.

Não lhe assiste, porém, razão, como respeitosamente se passa a demonstrar.

1. É verdade que o arguido ora recorrente, em sede do recurso que interpôs junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocou a nulidade da decisão recorrida, por considerar que o Tribunal da Relação de Lisboa não fundamentou a sua decisão, limitando-se a afirmar a improcedência dos vícios invocados, sem demonstrar que não fossem procedentes as razões técnico-jurídicas aduzidas pelo recorrente.

2. Sucede que, além de ter arguido tal nulidade de falta de fundamentação da decisão recorrida, o recorrente veio suscitar ainda, perante esse mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, a seguinte questão de inconstitucionalidade normativa, que, essa sim, constitui o objeto destes autos de recurso n.° 1228/21:

-"Inconstitucionalidade do complexo normativo constituído pelos art.ºs 97.º n.º 5, 374.º n.º 2, 379.º n.º 1 alínea a), 425.º n.º 4 e n.º 5 a contrário e 428.º todos do CPP, conjugados com os art.ºs 74.° e 75.º do RGCO".

Por violação do art.º 32.° n.°s 1 e 10 conjugado com o art.º 205.º e com o art.º 20.° n.°s 1 e 4, todos da CRP e ainda por violação do art.º 6.º n.° 1 da CEDH.

Na dimensão interpretativa segundo a qual:

- basta para fundamentar uma decisão de 2.ª instância sobre vícios da decisão da 1.ª instância suscitados em recurso que o Tribunal de 2.ª instância se limite a afirmar que improcedem tais vícios invocados pelo Recorrente, sem ter que explicitar, ainda que minimamente, mas em termos...

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