Acórdão nº 876/21.8JAPDL-A.L1-9 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 03 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelGUILHERME CASTANHEIRA
Data da Resolução03 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I–RELATÓRIO: No nuipc 876/21.8JAPDL-A.L1, a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Local Criminal da Ribeira Grande, foi indeferida a “promovida” pelo Ministério Público “tomada de declarações para memória futura à menor Ofendida AA”.

*** “Não se conformando”, o Ministério Público interpõe o presente recurso, formulando as seguintes conclusões: “1.

– O Ministério Público, a 4-11-2021 promoveu, ao abrigo do disposto no art. 33.º n.º 1 da Lei 112/2009 de 16-9, do art. 271.º n.º 2 do CP, a realização de diligência de tomada de Declarações para Memória Futura à Ofendida AA, visando que as mesmas pudessem ter valor probatório em julgamento, porquanto nos presentes autos se denunciava a prática, por um indivíduo cuja identidade não se apurou, mas que se referencia ser o seu irmão adoptivo, já maior de idade, de factos integrantes de um crime de Abuso Sexual de Crianças p. e p. pelos arts. 13.º, 14.º n.º 1, 26.º, 1. ª parte e 171.º n.º 1, todos do CP, na forma tentada.

  1. – O Art. 271.º n.º 2 do CPP, sob a epígrafe, "declarações para Memória Futura" dispõe nos seguintes termos: "2- No caso de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual de menor, procede-se sempre à inquirição do ofendido no decurso do inquérito, desde que a vítima não seja ainda maior.

  2. –No despacho judicial que recaiu sobre a promoção de tomada de declarações para memória futura decidiu-se nos seguintes termos: "Nos presentes autos, foi requerida a tomada de declarações para memória futura, à menor AA, pela alegada prática de um crime de abuso sexual contra crianças, sendo certo que não se vislumbra, da consulta - quer eletrónica quer física - dos autos, que haja sido constituído arguido e, nessa medida, lhe haja sido nomeado defensor. De facto, desde logo se refira que, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal (CPP), é obrigatória a constituição de arguido logo que corra inquérito contra determinada pessoa, em relação à qual haja suspeita fundada da prática de um crime, quando esta preste declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, o que, de facto, não é o caso.

    Não obstante, mais refere o artigo 59.º, n.º 2, do CPP que, a pessoa sobre quem recair suspeita de ter cometido um crime tem direito a ser constituída, a seu pedido, como arguido sempre que estiverem a ser efetuadas diligências, destinadas a comprovar a imputação, que pessoalmente a afetem.

    E, caindo no escopo da referida norma, entendemos, a tomada de declarações para memória futura.

    Por sua vez, como refere o artigo 271.º, n.º 2, do CPP, norma relativa à tomada de declarações para memória futura, aquando das mesmas, é obrigatória a comparência quer do Ministério Público, quer do defensor. Mais sendo certo que, não existindo a constituição prévia de arguido, não poderá ser ao mesmo, neste momento, nomeado defensor, porquanto se vislumbra ser ainda apenas suspeito, o qual nos presentes autos, não se encontra sequer identificado, sendo, no entanto identificável.

    Não obstante o referido, é o signatário conhecedor de jurisprudência (que acompanha) que se posiciona no sentido de entender que "mesmo com a atual redação do art.º 271.º do CPP, a tomada de declarações para memória futura pode ser feita, verificadas determinadas circunstâncias (nomeadamente, desconhecimento da identidade do suspeito, ausência deste, necessidade urgente de preservar prova, necessidade urgente de proteger o declarante ou outras pessoas, partida eminente ou possibilidade séria de morte deste) antes de haver arguido constituído, sem que isso ponha irremediavelmente em causa o direito ao contraditório, desde que ao arguido seja, posteriormente, dada a real possibilidade de contraditar e/ou confrontar o autor de tais declarações", vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 12/15.0JDLSB.L1-9, de 04/05/2017, Relator Abrunhosa de Carvalho.

    Face ao exposto, considerando todos os interesses em causa nos autos, por não se vislumbrar, considerando-se ser simples e célere a identificação do suspeito, e a sua eventual constituição como arguido, de modo a serem salvaguardados os seus direitos de defesa, não ficando em causa (face a tal simplicidade e celeridade) a proteção dos direitos da vítima nem, tampouco, os valores que as declarações de memória futura visam alcançar (nomeadamente o impedimento de danos psicológicos implicados na evocação sucessiva pelo declarante da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento público, bem como fixar os elementos probatórios relevantes a partir do primeiro relato presumivelmente mais próximo e espontâneo, procurando-se assim evitar o perigo de contaminação da prova) e, ainda assim, não se pretendendo indeferir, sem mais, uma diligência que, as mais das vezes se tem por preponderante em crimes como o dos autos, indefiro, por ora, o requerido, julgando ser aqui essencial (e porque simples e possível) a identificação do suspeito, a sua eventual constituição como arguido e o possível fornecimento aos autos de factos que se indiciem e que edifiquem o objeto da investigação, que constituem vinculação para a colocação de questões nas declarações a prestar (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.11.2017, relator Luís Teixeira, por unanimidade, disponível em dgsi.pt).".

  3. –A douta decisão recorrida indeferiu a realização das promovidas declarações para memória futura, mas, ressalvando o devido o devido e merecido respeito, que é muito, fê-lo de forma com a qual não nos conformamos.

  4. –Com as declarações para memória futura pretende-se recolher elementos...

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