Acórdão nº 52/18.7GAAMR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução24 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 52/18.7GAAMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Amares, no dia 10.05.2021, pela Exma. Juíza foi proferido despacho com o seguinte teor (referência 173109743 – certidão junta a fls. 29 a 32 dos autos): “Por sentença transitada em julgado a 07.05.2019, foi o arguido E. M. condenado pela prática, em autoria material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, n.º 1 e 204º, nº 2, alínea e), com referência ao art. 202º, alínea d), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, substituída pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de € 900,00 (novecentos euros).

Por requerimento datado de 11.10.2019 o arguido requereu o cumprimento daquela pena por prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. referência n.º 9215655).

Por despacho datado de 30.10.2019 foi decido revogar a substituição da pena de prisão em pena de multa e, bem assim, determinar a suspensão da pena de 8 meses de prisão pelo período de um ano com a obrigação de o condenado cumprir 240 horas de trabalho a favor da comunidade.

A 06.12.2019 a DGRSP sugeriu a colocação do arguido na Associação Juvenil X – Escolhas, com vista à execução de tarefas de auxiliar de programas educativos e de laser. (cfr. referência n.º 9482501).

Por despacho datado de 11.12.2019, devidamente notificado ao arguido, foi aquele plano homologado.

Do ofício remetido pela DGRSP a estes autos, em 02.04.2020, pode ler-se o seguinte: “Em entrevista realizada no dia 08-01-2020, o arguido comprometeu-se a iniciar o cumprimento do trabalho comunitário no dia 15-01-2020, no entanto não o fez.

Foi então contactado para marcação de nova entrevista neste serviço, com o objetivo de o responsabilizar e advertir para as consequências do incumprimento do trabalho comunitário, mas E. M. não compareceu à entrevista, nem iniciou o trabalho comunitário.

No entanto, face à aplicação do plano de contingência para o Covid-19 na entidade beneficiária de trabalho, não é possível a presença de elementos nas instalações do Projecto X - Espaço Escolhas desde 16-03-2020, exceto de alguns funcionários/colaboradores da instituição em referência.

Assim, o arguido apesar de poder iniciar o cumprimento do trabalho comunitário, findo o plano de contingência, a sua atitude manifestada ate à data indicia negligência face ao cumprimento da pena em causa e displicência para com as consequências do incumprimento, pelo que somos a sugerir que o arguido seja advertido pelo seu comportamento e para a necessidade de respeitar as orientações que lhe forem dadas por este serviço” (cfr. referência n.º 9974119).

Nessa sequência, foi designada data para audição do arguido, diligência que decorreu no dia 03.06.2020 (cfr. referência n.º 168381227). No âmbito da mesma, o arguido manifestou vontade para, de imediato, dar inicio ao trabalho ao trabalho.

Porém, e conforme consta da informação remetida a estes autos a 08.01.2021, por parte da DGRSP, o arguido não compareceu na Entidade Beneficiária do Trabalho para iniciar o cumprimento de 240 horas de trabalho a favor da comunidade, realçando-se, ainda, que “foram efetuadas várias diligências e contactos no sentido do arguido se envolver no cumprimento desta injunção, mas sem qualquer resultado, denotando falta de adesão à injunção aplicada”.

A 04.02.2021 foi determinada a notificação do arguido para, querendo, se pronunciar quanto ao promovido pelo Ministério Público (cfr. referências n.ºs 171593091 e 171671436), nada tendo dito.

Em 21.04.2021 procedeu-se a nova audição do arguido. No âmbito da referida diligência, e quanto às razões do incumprimento da prestação de trabalho, afirmou o arguido, num primeiro momento, que os filhos, menores de idade, estiveram infectados com a COVID-19, em Setembro de 2020, sendo certo que não juntou qualquer elemento documental que sustentasse o por si alegado. Mais referiu que após o referido contágio tinha receio de sair de casa, tendo, no entanto, admitido que não deixou de fazer uns biscates junto de sucatas. Mais (re)afirmou ter disponibilidade para dar inicio à prestação de trabalho.

A Digna Magistrada do Ministério Público propugnou no sentido de ser concedida uma derradeira oportunidade de o arguido cumprir a prestação de trabalho, nos termos e com os fundamentos constantes da promoção que antecede.

O arguido, por seu turno, reiterou a posição perfilhada pelo Ministério Público.

Compulsado todo o exposto verificamos que já decorreram mais de dois anos desde do trânsito em julgado da sentença condenatória e cerca de um ano e meio desde da prolação do despacho que decidiu revogar a substituição da pena de prisão em pena de multa e determinar a suspensão da pena de 8 meses de prisão pelo período de um ano com a obrigação de o condenado cumprir 240 horas de trabalho a favor da comunidade, sem que este tenha dado início à sobredita prestação.

Mais se diga que sempre que se procedeu à sua audição, o arguido manifestou disponibilidade para executar a medida, nunca a iniciando, não se vislumbrando do seu discurso quaisquer razões plausíveis e aceitáveis para a recusa do cumprimento.

Acresce que da actuação do condenado resulta indiferença e desrespeito injustificado pelo cumprimento da pena aplicada, patente quer no facto de nunca ter dado início àquela prestação, quer, ainda, no comportamento por este assumido junto da DGRSP.

Assim, não pode este Tribunal deixar de concluir que o mesmo infringiu de forma grosseira – porque consciente, intencional, e manifestando total indiferença ao sistema jurídico-criminal – os deveres que lhe foram impostos, isto é, a prestação de trabalho a favor, comprometendo, desta forma, irremediavelmente as finalidades de prevenção, sobretudo especial, que foram visadas com a suspensão da pena de 8 meses de prisão.

Face ao exposto, revogo a suspensão decretada, atento o incumprimento das 240 horas de trabalho a favor da comunidade e, em consequência, determino o cumprimento pelo arguido de oito meses de prisão.

Notifique de imediato.

Após trânsito: - Comunique ao T.E.P.

- Remeta boletins.

- Passe, de imediato, os competentes mandados de detenção e condução do arguido ao estabelecimento prisional.” ▬ ▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido E. M. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referência 11616728 – certidão junta aos autos a fls. 34 a 44): “1. Não pode o recorrente conformar-se com o subscrito no douto despacho.

  1. Na verdade, o Tribunal a quo deveria ter sopesado de forma diferente todo o circunstancialismo atinente à factualidade do caso concreto.

  2. A ser feito, não levaria à determinação da revogação da pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade e, em consequência, à determinação do cumprimento da pena de oito meses de prisão.

  3. O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2 alínea e), com referência ao artigo 202º, alínea d) do Código penal na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 5€, o que perfaz o montante global de 900€.

  4. A mesma veio a ser substituída, posteriormente, e a requerimento do arguido, por 240 horas de trabalho a favor da comunidade.

  5. Até à data, tal prestação ainda não foi cumprida pelo arguido.

  6. O previsto início do cumprimento do trabalho comunitário coincidiu com o princípio da crise pandémica que determinou um plano de contingência na entidade que iria beneficiar do trabalho do recorrente.

  7. Atenta a baixa escolaridade do recorrente e avalanche informativa, e, por vezes, contraditória acerca dos comportamentos a adotar pela população o ora recorrente, no decorrer do ano de 2020, e apesar de haver se comprometido a tal em 2 de junho desse ano aquando da sua audição, não iniciou o trabalho comunitário a que estava obrigado.

  8. Em 21 de janeiro de 2021, o recorrente justificou o impedimento, manifestando toda a sua disponibilidade para dar início à prestação do trabalho.

  9. Nesse mesmo dia, e após a diligência, contactado, para o efeito, a Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais.

  10. A Digna Magistrada do Ministério Público, e após audição do recorrente, propugnou no sentido de ser concedida uma derradeira oportunidade de o arguido cumprir a prestação de trabalho.

  11. Assim, considera o recorrente que o despacho ora recorrido, procedeu a uma incorreta interpretação e, subsequente, aplicação da norma legal consagrada nas alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 59º do Código Penal.

  12. O aqui recorrente não infligiu grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado.

  13. O certo é que, havendo tal violação, é imprescindível aferir da culpa do recorrente nessa atuação.

  14. Deveria, pois, o Tribunal a quo aferir se o incumprimento foi grosseiro e por culpa do arguido.

  15. E, no caso concreto, o Tribunal a quo deveria ter concluído que o incumprimento por parte do recorrente teve na sua génese toda a situação pandémica provocada pela COVID 19, o pânico instalado no país, por vezes, as informações contraditórias acerca dos comportamentos a adoptar pela população.

  16. O que, para um individuo com baixo nível de literacia, como é o caso do recorrente, provocou um estado de confusão manifesto a que acresce o facto de os seus filhos menores haverem estado infectados com o COVID 19.

  17. Estas circunstâncias marcaram profundamente o recorrente, provocando-lhe desorientação emocional e psíquica.

  18. Em razão de tais circunstâncias, a Digna magistrada do Ministério Público considerou que, e apesar do reiterado incumprimento do condenado, “não se mostram irremediavelmente comprometidas as finalidades de prevenção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT