Acórdão nº 02174/15.7BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução28 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . A.

, casado e residente na Rua (…), inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF de Penafiel, de 18 de Maio de 2020, que, julgando improcedente a acção administrativa comum, absolveu do pedido o CENTRO HOSPITALAR (...), EPE, pedido esse que consistia na condenação deste por perdas e danos numa indemnização no valor de 100.000,00€, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

* 2 .

No final das suas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões: " I- A decisão recorrida errou na apreciação da prova ao dar como provados os factos 12º e 13º que deviam ser julgados não provados, sendo que o facto 14, merece a alteração até 15 minutos depois da hora de saída (20h15), uma vez que todos foram unanimes em afirmar que a mulher e filha do autor ainda ficaram um quarto de hora depois da hora estipulada para a saída das visitas.

II- Errou do mesmo modo ao dar como não provados os factos A) a K) que merecem ser revistos no sentido de provados, em face dos depoimentos das testemunhas M. e E., do relatório de perícia medico legal junto aos autos em 11/06/20219 e do cômputo da prova documental produzida.

III- Por simplicidade e por simples cautela, pois entendemos que não faz muito sentido que se coloquem nas conclusões os extratos das transcrições dos depoimentos das testemunhas que se defende impor resposta diferente à matéria de facto, dá-se aqui por reproduzida a transcrição parcial dos depoimentos das referidas testemunhas feitas nos artigos 7º e 8º destas alegações.

IV- Deve-se acrescentar à matéria provada, em face da prova documental e relatórios periciais produzidos, que o autor foi objeto da primeira intervenção de cirurgia vascular do Hospital de São João do Porto pelas 11h0 (cfr – diário clinico de internamento n.º 14007335 do HSJP que regista a entrada no serviço às 10h16 do dia 25/2/2014 e resposta ao quesito 8º do réu da perícia medico legal junta em 11/06/2019 entre outros documentos).

V- Os depoimentos das testemunhas M. e E., são merecedores de crédito, não merecendo a desvalorização apontada na sentença.

VI- O lapso no relatório médico legal quanto à hora de entrada no Hospital de São João, não invalida o saber e a prova produzida pelo relatório em questão, nomeadamente a respeito da vigilância a que o autor devia ter sido sujeito e dos exames que lhe podiam ou deviam ter sido feitos e da causalidade entre o tempo decorrido desde a perda de irrigação sanguínea no membro inferior direito do autor e a intervenção cirúrgica de cirurgia vascular para restabelecimento da vascularização.

VII- De todo o modo, no caso dos autos em que um hospital transfere por sua iniciativa, para outro hospital por volta da 01h00 da manhã um doente que operou, na manha do mesmo dia, para o tratar de uma complicação decorrente do serviço que prestou, constitui um caso de comissão, sujeito ao regime do disposto no artigo 500º do Código Civil, pelo que não o iliba da culpa que possa resultar do atraso na intervenção de cirurgia vascular, comprometida pelo hiato temporal entre esta intervenção (cerca das 10h30 do dia 25/2/2014) e o inicio da complicação atraso, como decorre do relatório médico legal, quer a perda de irrigação tenha ocorrido às 21h30 do dia 24/02/2014 como diz o réu, quer tenha ocorrido a seguir à entrada na enfer , por volta das 15h00 do mesmo dia, como sentiu e diz o autor.

VIII- É ainda de aplicar aos cuidados de saúde e responsabilidade por atos médicos o regime de prova previsto no artigo 799º, incumbindo num caso como o dos autos em que o autor entrou no hospital réu para ser operado com vista à redução e consolidação de uma fratura na perna direita e acaba por ver essa perna amputada por outro hospital para onde o réu o mandou a meio da noite, onde apenas foi feita a intervenção cirúrgica, para o restabelecimento da circulação sanguínea, 13 a 19 horas depois da interrupção da circulação sanguínea.

IX- Cumpria ao réu provar que não foi por culpa sua ou do seu comissário Hospital de São João, que aquele resultado se produziu.

X- O presente recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável à recorrente, nos termos do n.º 3 artigo 635º do CPCivil, não se restringindo nas conclusões o objeto do recurso, para efeitos do disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

XI- Violou a sentença recorrida por erro de interpretação, desatenção e aplicação entre outros o disposto nos artigos 500º e 799º do Código Civil.

XII- Termos em que deve proceder o presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por outra que altere a matéria de facto nos termos propostos e a decisão de direito e julgue a ação procedente”.

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O R./Recorrido, CENTRO HOSPITALAR (...), EPE, apresentou contra alegações, concluindo do seguinte modo: “I- Conscientes do trilhar espinhoso do caminho, porém a quo animo, concluiremos nos pontos subsequentes o nosso entendimento fruto de uma representação ponderada da doutrina e jurisprudência, assente numa incursão expressiva destes institutos, com a certeza de que “Da mihi factum, dabo tibi jus”; II- O ora Recorrido pugna pela manutenção da decisão proferida pelo juiz a quo, porquanto, interpretou e aplicou correctamente aos factos constantes dos autos às normas de direito que lhe eram aplicáveis, sendo certo que a prova testemunhal e documental em que assenta a sua convicção e fundamentação encontra-se, ipsis verbis, em absoluta consonância com o provado em sede de audiência de julgamento; III- A decisão recorrida aplicou as regras subjacentes ao instituto do onus probandi, pois que, caberia ao Recorrente, não obstante aplicação dos princípios que regulam o nexo de causalidade no campo médico se revestirem de particular dificuldade, provar, pelo menos com grande probabilidade, que a ocorrência dos factos geradores do dano resultaram do incumprimento e /ou de cumprimento defeituoso; IV- Na mesma senda, a decisão recorrida merece acolhimento em toda a sua linha de raciocínio, maxime quando considera como provados12.º e 13.º e não provados os factos A) a K), afastando do corpo clínico do Recorrido a responsabilidade pelo desenlace da cirurgia efectuada, atenta a prova produzida nos autos, testemunhal, pericial e documental.

V- Com efeito, do cômputo da prova testemunhal produzida, veja-se os depoimentos testemunhas, C., S., A., J., M. e A., que aqui se dá por reproduzida a transcrição parcial dos seus depoimentos, que afirmaram de forma clara, espontânea e isenta, merecedores de todo o crédito, que ao Recorrente foi oferecida toda a disponibilidade de meios, técnicas e cuidados, pese embora os problemas neurovasculares de que veio a padecer, que não eram àquele desconhecidos.

VI- Mais esclareceram o douto Tribunal que, a fim de prevenir a ocorrências intra e pós-operatórias, o Recorrente foi internado três dias antes da cirurgia de modo a ser efectuada profilaxia prévia, não obstante, ficou amplamente demostrado que apesar de todo o cuidado e uso de todos os meios e práticas médicas ao alcance não foi possível evitar a sua ocorrência, porque aqui também manda a mãe natureza, e as características próprias e individuais de cada um ditam o resultado final; VII- A sentença recorrida não padece pois de qualquer erro ou vício quando dá como provado que ao Recorrente não se impunha lançar mão de qualquer outra técnica ou meio, ou de que os mesmos não foram usados com o devido rigor e diligência; VIII- Demonstra-se claro que, in casu, nos encontramos perante uma situação subsumível ao regime responsabilidade civil extracontratual decorrente de um ato praticado no exercício da função administrativa; IX- Não obstante da existência de um regime próprio, os pressupostos em que assenta a responsabilização ao abrigo da Lei n.º 67/2007 de 31/12, coincidem com os pressupostos comuns da responsabilidade civil prevista no artigo 483º do Código Civil; X- Assim, para que seja imputada responsabilidade ao aqui Recorrido, é necessário que, tenha ocorrido facto voluntário, ilícito e culposo, de que resultaram danos para a Recorrente, e que do facto praticado e os danos verificados se possa estabelecer o indispensável nexo de causalidade; XI- Ora, essencialmente o Recorrente imputa ao Recorrido negligência médica na (falta) prestação de cuidados no pós – operatório, os quais concorreram para o desenlace final, i. e., amputação do membro inferior direito, que de per si configuram um ato, o ato do qual nasceram todos os males e por via do qual a A. entende haver fundamento para o direito a que se arroga; XII- Porém, o facto do resultado pretendido com o tratamento prescrito não ser obtido não significa que isso se ficou a dever a falta censurável ou ilícita. E isto porque a obrigação do médico consiste, apenas e tão só, em prestar ao doente os tratamentos exigidos pelo seu estado, com vista a restituir-lhe a saúde ou minorar-lhe os padecimentos, nela não estando incluída a obrigação de garantir o seu êxito; XIII- A circunstância do resultado desejado não ter sido alcançado não significa que as opções tomadas não tenham sido as devidas ou as mais aconselháveis no momento em que ocorreram tanto mais quanto é certo que, sendo a natureza e a constituição física de cada doente diferente e única, não é possível garantir que a terapêutica que resultou nuns casos resulta em todos os demais. E, porque assim é, não se pode afirmar que o médico errou só porque o doente não reagiu ou reagiu mal ao tratamento ministrado (Vd. A. Henriques Gaspar “A Responsabilidade Civil do Médico”, in Coletânea de Jurisprudência, ano III, 1978, Tomo I, pg. 342.); XIV- À luz dos princípios acabados de expor, a análise dos factos permite-nos ter por adquirido de que a aparente anormalidade da evolução do estado de saúde do Recorrente após cirurgia possa ter...

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