Acórdão nº 0848/14.9BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022
Magistrado Responsável | ANÍBAL FERRAZ |
Data da Resolução | 02 de Fevereiro de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.
A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Aveiro, em 20 de setembro de 2021, que julgou parcialmente procedente impugnação judicial, apresentada pelo município de Ovar.
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: « I – O objeto do recurso I. A Fazenda Pública, inconformada com a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo MUNICÍPIO DE OVAR contra as autoliquidações de IVA, respeitantes aos anos de 2008 e 2009, entendeu dever recorrer da mesma, pretendendo a sua revogação e substituição por decisão que a absolva da instância quanto ao segmento decisório que anula a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela agora Recorrida e, concomitantemente, condena a Administração Tributária e Aduaneira (AT) a “admitir o pedido de revisão oficiosa apresentado, por ser tempestivo, e pronunciar-se sobre tal matéria, ao abrigo do dever de decisão”.
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Não podendo a ora Recorrente manifestar concordância com a solução preconizada pelo Tribunal a quo, entende que a questão decidenda a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consiste em saber se a douta sentença recorrida: i. está ferida de nulidade, nos termos do artigo 125.º do CPPT e da alínea d) do artigo 615.º do CPC, face ao prosseguimento do processo na forma de impugnação judicial, ou, caso assim não se entenda; ii. incorreu em erro de julgamento, consubstanciado no facto da Fazenda Pública não ter sido absolvida da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), e 577.º, alínea b), do CPC.
II – A nulidade da sentença III. Compulsado o teor da sentença ora posta em crise, constata-se que o douto Tribunal a quo considerou que a agora Recorrida formulou dois pedidos.
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Um deles, expressamente mencionado no texto petitório, vem exarado nos termos seguintes: “dever ser julgada procedente a presente impugnação judicial e considerados ilegais os atos de autoliquidação referentes aos anos de 2008 e 2009, os quais se consubstanciam nas declarações periódicas de dezembro de 2008 e do último trimestre de 2009, respetivamente e no valor de € 90.445,55”.
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O outro foi identificado pelo Tribunal a quo, do modo que passamos a reproduzir: “Diga-se, desde já, que não obstante o pedido efetuado a final pelo Impugnante se limitar à anulação das autoliquidações de IVA referentes aos anos de 2008 e 2009 no montante alegadamente suportado em excesso, tendo a presente impugnação judicial por objeto imediato a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, resulta da petição inicial apresentada pretender o Impugnante, desde logo, a anulação desta última decisão que reputa de ilegal, resultando tal conclusão, outrossim, das alegações apresentadas nos termos do artigo 120.º do CPPT, no âmbito das quais o Impugnante conclui que “(…) não podem restar dúvidas quanto à legitimidade e tempestividade (i.e. dentro do prazo legalmente aplicável de 4 anos) do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, tendo em vista a dedução/regularização do IVA suportado em excesso nos anos de 2008 e 2009.” (página 20).
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Em relação ao primeiro pedido atrás mencionado, consubstanciado na anulação das autoliquidações de IVA, o Tribunal a quo absolveu a Fazenda Pública, por considerar que “não tem poderes para sindicar a legalidade das autoliquidações em causa, por inexistência de prévia decisão da Administração Tributária.” (página 36).
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Em relação ao segundo pedido, o Tribunal anulou a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, condenando, igualmente, a AT a “admitir o pedido de revisão oficiosa apresentado, por ser tempestivo, e pronunciar-se sobre tal matéria, ao abrigo do dever de decisão.” (página 36).
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Admitindo, tal como vem exarado na douta sentença recorrida, que a Impugnante também peticiona a anulação da decisão de indeferimento que recaiu sobre a revisão oficiosa, entendemos, ressalvado o devido respeito por melhor opinião, que há cumulação ilegal de pedidos, na medida em que o Tribunal a quo, através do meio processual utilizado pela Autora, não pode condenar a AT “a admitir o pedido de revisão oficiosa apresentado, por ser tempestivo, e pronunciar-se sobre tal matéria, ao abrigo do dever de decisão.”.
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Na verdade, afigura-se-nos que a condenação da AT, nos termos em que é decidida, é o corolário da utilização de um meio processual inadequado (no caso, a impugnação judicial) o que, em nosso entender, configura erro na forma de processo gerador de nulidade de conhecimento oficioso (artigos 193.º e 196.º do Código de Processo Civil, “ex vi” artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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O erro na forma de processo constitui nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artigos 193.º e 196.º do CPC, que, não sendo sanada, impõe a anulação de todo o processado e conduz à absolvição da instância, em conformidade com o preceituado nos artigos 278.º, n.º 1, alínea b), e 577.º, alínea b), do CPC.
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A procedência desta exceção de conhecimento oficioso obsta ao conhecimento do mérito da causa, impondo ao tribunal que se abstenha de conhecer do pedido e absolva a Ré da instância, em obediência às normas legais já citadas.
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Não tendo o Tribunal a quo assim procedido e decidido, afigura-se-nos, ressalvado o devido e merecido respeito, que a douta sentença recorrida está ferida de nulidade, nos termos do artigo 125.º do CPPT e da alínea d) do artigo 615.º do CPC, face ao prosseguimento do processo na forma de impugnação judicial.
III – O erro de julgamento XIII. Conforme resulta da informação n.º 1895, parcialmente reproduzida na letra I da factualidade dada como assente, na decisão de indeferimento da revisão oficiosa não foi apreciado o mérito do pedido formulado pela Autora, quedando-se pela análise da questão da apreciação dos pressupostos legais que lhe permitiriam obter (ou não) a revisão dos atos de autoliquidação de IVA em causa, nos termos dos artigos 78.°, n.º 6, do CIVA e 78.°, n.º 2 da LGT ex vi 98.° do CIVA.
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Concluiu-se, então, em sede procedimental, pela não aplicação ao caso, quer do artigo 78.° da LGT, quer do artigo 98.°, n.° 2 do CIVA e pela intempestividade do pedido de revisão, face ao prazo previsto no n.° 6 do artigo 78.° do CIVA.
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Com efeito, de acordo com o entendimento perfilhado por aquela decisão administrativa, não se verificava o requisito temporal para a revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária, porque o sujeito passivo já não poderia regularizar o IVA, nos termos do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, que prevê um prazo de dois anos, e que não era possível aplicar, no caso submetido a apreciação, o prazo de quatro anos, previsto no artigo 98.º, n.º 1 do CIVA.
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Ou seja, a decisão de indeferimento assentou na não verificação dos requisitos previstos no artigo 78.º da LGT, entendendo-se, em síntese, que não estava reunido o requisito temporal para que se pudesse conhecer das questões de fundo suscitadas no pedido de revisão apresentado pela agora Recorrida.
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A decisão administrativa apenas se pronunciou sobre a não verificação dos requisitos previstos no artigo 78.º da LGT para a apreciação do pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IVA, mantendo-se à margem da questão de mérito que consistia em aquilatar se o contribuinte tinha, ou não, o direito de deduzir o imposto conforme pretendia.
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É inquestionável que no despacho de indeferimento se faz apelo a normas substantivas do CIVA, porém, sempre, e somente, para efeitos da verificação dos requisitos de admissibilidade do pedido de revisão oficiosa.
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Com efeito, na própria douta sentença recorrida se reconhece que “(…) o pedido de revisão oficiosa aqui em causa foi indeferido pela Administração Fiscal por, alegadamente, não ser o meio adequado para proceder à correção das autoliquidações de IVA mencionadas no que concerne ao IVA dedutível, sendo apenas admissível a correção do montante de imposto deduzido nos termos do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, a efetuar no prazo de dois anos, já ultrapassado aquando da apresentação daquele pedido.” (página 20).
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O fundamento do indeferimento do pedido de revisão oficiosa não é não estarem reunidos os pressupostos de facto e/ou de direito para a dedução do IVA, mas antes, a não verificação dos requisitos previstos no artigo 78.º da LGT para a apreciação dos fundamentos do pedido de revisão oficiosa, porque, não estava reunido o requisito temporal para a revisão oficiosa.
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Do referido fundamento ficou excluída a questão substantiva suscitada no pedido de revisão (mas que não foi conhecida), a qual contende efetivamente com a legalidade das autoliquidações, pois a pretensão do Autora era que a AT reconhecesse o erro por ela alegadamente praticado, na medida em havia suportado IVA em excesso na aquisição de determinados recursos, resultado da aplicação de incorreto método de dedução, o que a ser aceite, implicaria a anulação (parcial) dos atos tributários em causa, na parte em que resultasse imposto a pagar inferior ao autoliquidado.
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Tendo em conta a forma processual utilizada pela Autora, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não pode condenar a AT, nos termos em que o fez (“admitir o pedido de revisão oficiosa apresentado, por ser tempestivo, e pronunciar-se sobre tal matéria, ao abrigo do dever de decisão”), pois isso só será possível no âmbito de uma ação administrativa, a tramitar nos termos dos artigos 37.º e seguintes do CPTA.
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Por sua vez, correndo os presentes autos na forma de impugnação judicial, e invocando a Autora um vício subsumível no disposto no artigo 99.º do CPPT, não descortinamos motivo para que o Tribunal a quo não possa emitir pronúncia sobre o mérito do pedido de anulação das autoliquidações, fixando que “a sindicância judicial da presente matéria pressupõe uma prévia atuação da...
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