Acórdão nº 89/19.9GCPTG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022
Magistrado Responsável | F |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2022 |
Emissor | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Neste processo comum, n.º 89/19.9GCPTG, do Tribunal Judicial da Comarca de ZA – Juízo Central Cível e Criminal de ZA – Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção do Tribunal Coletivo, o arguido DU melhor identificado nos autos, acusado da prática, em autoria material e em concurso efetivo, de três crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), com referência ao artigo 202º, al. d), todos do Código Penal; um crime de furto, na forma tentada (desqualificado pelo valor, nos termos do n.º 4 do artigo 204º do CP), p. e p. pelos artigos 203º, n.ºs 1 e 2, 22º e 23º, todos do Código Penal e de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo artigo 190º, n.º 1, do Código Penal.
1.2. Realizado o julgamento, foi proferido acórdão, em 22/09/2021 – e que foi depositado nessa mesma data –, com o seguinte dispositivo «(…), decide-se:
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Absolver o arguido DU da prática de um crime de violação de domicilio, p. e p. pelo art. 190º do Cód. Penal.
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Condenar o arguido DU pela prática, como autor material de: - três crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo art. 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, respectivamente, nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, 3 (três) anos de prisão - um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 204º, nº 2, al. e), do Cód. Penal, com referência aos arts. 14º, nº 1, 22º, 23º, 26º e 203º, nº 1, do mesmo diploma legal, na pena de 10 (dez) meses de prisão.
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Operando o cumulo jurídico das penas parcelares aplicadas, condenar o arguido na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, não se determinando a suspensão da execução da pena.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s, reduzida a metade – art. 344º, nº 2, al. c), do C.P.P.
(…).» 1.3. Inconformado com o decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação do recurso apresentada as seguintes conclusões: «I - O aqui recorrente, foi condenado pela prática, como autor material, de três crimes de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelo art. 204º, nº 2, al. e), do Código Penal, respectivamente nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão, 3 (três) anos de prisão, de um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 204º, nº 2, al. e), do Código Penal, com referência aos arts. 14º, nº 1, 22º, 23º, 26º e 203º, nº 1, do mesmo diploma legal, na pena de 10 (dez) meses de prisão. E, em cúmulo jurídico, das penas parcelares aplicadas, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, não se determinando a suspensão da execução da pena.
II - O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e de direito do Douto Acórdão, bem como com as penas parcelares, e em cúmulo que lhe foram aplicadas.
III - O tribunal a quo deu como provado no Ponto II – Fundamentação - 2.1. da Matéria de facto provada – no ponto 11 que: “No período em que ocorreram os factos acima narrados, o arguido era consumidor regular de heroína e cocaína, tendo praticado os mesmos de modo a obter coisas com valor, que pudesse vender para adquirir estupefacientes.” [Negrito nosso] E que, como resulta provado no Ponto II – Fundamentação - 2.1. da Matéria de facto provada – no ponto 22. - “Iniciou consumos de estupefacientes e de bebidas alcoólicas com cerca de 15/16 anos, vindo esta problemática a sofrer uma escalada, ficando frequentemente alcoolizado, com impacto ao nível da sua organização pessoal; estes consumos em excesso, ocorriam em contexto de pares, apenas tendo sido sujeito a acompanhamento médico, durante uma medida de acompanhamento em liberdade condicional.” [Negrito nosso] IV - A confissão do arguido, bem como a prova documental junta aos autos, designadamente o Relatório Social referente ao recorrente, do qual constam os factos acima mencionados e dados como provados, deve fazer prova plena, e salvo o devido respeito, impunha decisão diversa da obtida pelo Tribunal a quo pelas razões a seguir aduzidas: V - O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados, em primeiro lugar, com base “(...) nas declarações do arguido, o qual admitiu a prática a generalidade dos factos que lhe foram imputados da forma descrita na acusação, com excepção da forma como entrou nalguns dos espaços em causa (afirmando que os mesmos estavam abertos e acessíveis) e quanto a alguns dos factos relativos à situação do Monte ….” e, para além dos depoimentos das testemunhas, com base nas “(...) condições económicas e pessoais do arguido resultam do teor do relatório social realizado, o qual se encontra devidamente fundamentado, com a menção das suas fontes.(...)”.
VI - De realçar que o arguido confessou alguns dos factos de que vinha acusado, os quais consubstanciam a prática de ilícito penal, e aceitou, nessa parte, a matéria de facto dada como provada e vertida na Douta Sentença, no circunstancialismo que a mesma descreve.
VII - O recorrente sofre, e sofria ao tempo da prática dos atos ilícitos em questão, de perturbação relacionada com a adição ao consumo de estupefacientes, e não possuiria certamente o discernimento do homem médio para que pudesse avaliar as consequências da prática dos seus actos, nem para que pudesse, antes de os praticar, tomar consciência da ilicitude dos mesmos.
VIII - A adição a estupefacientes é uma doença crónica e reincidente, que se consubstancia num comportamento compulsivo de procura e toma dessas substâncias. Tal comportamento consubstancia uma doença que não depende da vontade e da motivação da pessoa em questão.
IX - In casu, o arguido, tal como foi dado como provado pelo Tribunal a quo, designadamente no período em que ocorreram os factos, por ser consumidor regular de heroína e cocaína, teria sérias dificuldades na tomada de decisões e na capacidade de avaliar as consequências dos seus atos, tanto mais que, e conforme consta do Douto Acórdão recorrido praticou os factos ilícitos em questão “(...) de modo a obter coisas com valor, que pudesse vender para adquirir estupefacientes.” [Negrito nosso] Ora, a perturbação aditiva de que padece o recorrente estará na base da prática de todos os ilícitos cometidos e comportamentos anti-sociais do recorrente, bem como no seu poder de tomar decisões e fazer escolhas.
X - Pese embora o facto de o recorrente ser imputável, a realidade é que padece de perturbação aditiva ao álcool e estupefacientes desde a adolescência, que impõe a necessidade de receber acompanhamento clínico. E tal factualidade, embora dada como provada pelo Douto Tribunal recorrido, salvo o devido respeito, não foi tida em consideração no momento de aplicação da medida concreta da pena. Pois a tê-lo sido, a pena a aplicar passaria pelo tratamento desta perturbação clínica que, no fundo conduz e está na origem de todos os seus actos e comportamentos anti-sociais, manifestando-se nos atos por si perpetrados.
XI - Pelo que a prova feita pelo mencionado relatório social impunha ao Tribunal uma decisão diferente da que resulta do Acórdão recorrido, considerando que o recorrente, se encontra ferido na sua capacidade e imputabilidade, como resultado dos problemas e perturbação aditiva de que padece.
XII - Desta forma o Tribunal a quo, violou os artigos 127º, 164º, 340º e 370º todos do C.P.P.
XIII - Resultando contradição entre a fundamentação e a decisão, a que alude a alínea b) do art.º 410º, n. 2 do C.P.P.
XIV - Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo também deveria ter valorado as declarações do recorrente, que manifestou o seu sincero arrependimento, bem como ao facto de ter contribuído, de forma espontânea e colaborante para a descoberta da verdade, confessando e assumindo parcialmente os factos constantes da Douta Acusação.
XV - Desta forma, o Tribunal a quo não atendeu, salvo o devido respeito, a todas as circunstâncias que embora não fazendo parte do crime, depuseram a favor do agente, não se observando o preceituado no art.º 71º, n.º 2 do C.P.Penal.
XVI - A pena de prisão efectiva a que foi condenado o recorrente inviabilizará o seu acompanhamento clínico, tornando inútil toda a sua evolução e algum equilíbrio emocional já conseguido, e consequente ressocialização, ao contrário do que prevê o art.º 40º do C. Penal.
XVII - No que concerne à suspensão da execução da pena plasmada no art.º 50º do Código Penal, a aplicação do referido instituto ao caso em concreto, a ser tida em conta a saúde psíquica do recorrente ser-lhe-ia muito favorável, ao invés a mudança de ambiente e a falta de acompanhamento clínico do recorrente, que ser-lhe-ão ser muito prejudiciais.
XVIII - Por se tratar de uma pessoa doente, certamente que a pena efectiva de prisão não sortirá no recorrente mesmo efeito punitivo que tal pena visa sortir num qualquer homem médio.
XIX - A prática de ilícitos penais pelo recorrente estará, certamente, relacionada com a sua perturbação psíquica, sendo este apenas uma vítima da sua saúde psíquica e da sociedade em geral e nunca um culpado por tais malefícios.
XX - In casu, salvo o devido respeito, não foi devidamente valorada e apreciada a matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, passível e imprescindível para a atenuação da medida concreta da pena.
XXI - Porque resultou provado pelo Tribunal a quo que o recorrente sofre de perturbação relacionada com o consumo aditivo de álcool e estupefacientes, deveria o Tribunal ter valorado tais factos respeitantes à saúde psíquica do recorrente, não só como elementos atenuantes, em termos de medida concreta da pena a aplicar, mas também em sede de ilicitude e culpa, face aos efeitos danosos provocados por tais distúrbios na capacidade de determinação do recorrente, em agir em conformidade com o direito e a sociedade em geral.
XXII - A prisão efetiva vai causar ao recorrente um forte e...
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