Acórdão nº 93/20.4GAMDA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO 1. No processo n.º 93/20.4GAMDA (Instrução), do Juízo de Competência Genérica de Vila Nova de Foz Côa, recorre a assistente M., melhor identificada nos autos, do despacho do Mmº Juiz, datado de 22/6/2021, que decidiu rejeitar, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura de instrução – doravante RAI - que havia apresentado na sequência de um despacho de arquivamento de inquérito por parte do Ministério Público.

2. A assistente, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): a. «O presente recurso tem como objeto o despacho de rejeição do requerimento de abertura de instrução com o fundamento de que “(…) o requerimento de abertura de instrução não descreve a factualidade mínima necessária para que se considere estarmos perante uma acusação, uma vez que, como se disse, inexiste factualidade suficiente atinente aos elementos do tipo subjetivo dos crimes pelos quais a assistente pretende ver os arguidos pronunciados, (…)” b. A par dos requisitos do artigo 287º do CPP em que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter em súmula as razões de facto e de direito de discordância relativamente a não acusação, a indicação dos atos de instrução que pretenda levar a cabo, os meios de prova não considerados, bem como a remissão para o artigo 283º, n.º 3, alíneas b) e c), do CPP.

  1. Resulta do requerimento de abertura de instrução da assistente, que se dá por reproduzido, que nele se referiu a assistente ao inquérito e sua tramitação (nomeadamente quanto à arguida L.) expõe os factos e o direito (as normas legais aplicáveis, doutrina e jurisprudência), demonstrando a sua discordância com o arquivamento e indicou os actos e meios de prova (alias estes reiterados em requerimento posterior por via de despacho judicial), tal qual o dita o artigo 287 e 283 do CPP.

  2. Assim, narrou os factos criminalmente censuráveis, o contexto em que tais factos ocorreram e a intervenção dos arguidos nos mesmos e, para tal, apresentou e requereu a correspondente produção de prova, cumprindo, assim, o disposto no n.º 2 do artigo 287º, do CPP.

  3. Ou seja, a assistente narrou que tomou conhecimento que no dia 13 de outubro de 2020, cerca das 11.30/12 horas, dois canídeos propriedade de J., arguido nos presentes autos e por este entregues aos cuidados, vigilância e guarda da sua sogra, L., entraram na propriedade (prédio urbano) da aqui ofendida/assistente, M., sita na (…), (…), a qual está vedada, matando e levando consigo dois felinos (gatos) fêmeas (progenitora e cria de 4 meses), propriedade da ofendida que se encontravam no interior do seu imóvel; A ofendida/assistente deparou-se como os dois canídeos (de caça) na sua propriedade (mais concretamente a saírem da marquise aberta para o jardim) e um deles, levava um dos felinos na boca; Que os canídeos são animais de caça; Os dois canídeos, assim que viram a ofendida/assistente, saíram da marquise e jardim, um saltou por um muro que tem cerca de 2,50 metros de altura e outro saiu pela parede que dá acesso a uma ribeira, ainda no seu imóvel; Os canídeos, levavam a “presa” para entregá-la ao dono, cuja casa (não do dono, mas da sogra deste, a denunciada L., local de onde os cães foram soltos) fica a cerca de 1 km da propriedade da ofendida; Quando a ofendida/assistente se aproximou do portão da propriedade da denunciada L., viu os canídeos em questão na propriedade da denunciada, que continuavam soltos, e que naquele momento estavam-se em “posição de guarda” da felina- cria, já morta; A ofendida/assistente reportou o sucedido à L., que com indiferença viu o relatado; Nos dias seguintes, veio a ofendida/assistente a saber que também a felina-progenitora (que estava desaparecida), tinha sido morta e levada pelos canídeos; O dono dos canídeos reconhece ser legítimo proprietário dos mesmos, e que foram esses quem invadiram a propriedade da ofendida, matando e levando os dois felinos da propriedade da ofendida; Mesmo depois dos acontecimentos descritos, os cães de caça em causa continuaram a ser soltos e como tal andarem entregues a si próprios pela freguesia; No dia 30 de dezembro, a ofendida/assistente foi novamente brindada com a presença dos mesmos canídeos na sua casa; Os canídeos, de caça, são usualmente vistos a vaguear na povoação, soltos, sem vigilância, portanto no exterior da propriedade do arguido e da denunciada, sendo conduta reiterada e habitual, bem o sabendo os mesmos, principalmente que estes podem e causam danos a outrem, conformando-se com isto e nada fazendo para o impedirem, antes sendo a sua conduta continua e não se importando com as consequências da mesma, mesmo após o sucedido, a deslocação da GNR e a existência e audição em inquérito.

  4. Concluiu então a ofendida/assistente que, por todos os factos expostos os arguidos actuaram com dolo, agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

  5. Não estamos perante insuficiente factualidade, sabendo através do requerimento de Abertura de Instrução quem, quando e de que forma foram praticados determinados factos e que esses factos constituem crimes, agindo os arguidos com dolo.

  6. Atento o requerimento de abertura de instrução, que deve ser considerado no seu todo, mas para explicitação,  Os factos estão narrados em 3, 4, 5, 6, 7, 9 A 16, 17 A 26, 38, 49;  O elemento subjetivo do ilícito em 3,4, 6, 7, 9, 17, 20, 21, 25, 29, 33,35, 37, 38, 43, 45, 47, 48 E 50;  A discordância do inquérito e do seu arquivamento, em 3 A 8, 27 A 50  As disposições legais aplicáveis, em 30 A 50.

  7. Requereu ainda a assistentes diligências de prova e juntou prova (em 51 do requerimento de abertura de instrução) j. Não só a recorrente descreveu os factos, como alegou quais as disposições violadas, sendo perfeitamente inteligível o entendimento de quais os factos que estão em causa, e a razão pela qual a recorrente entende dever haver acusação, pelo que o Requerimento de Abertura de Instrução deveria ter sido admitido.

  8. O Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal do Tribunal a quo, ao rejeitar liminarmente o Requerimento da Assistente para Abertura da Instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal, violou o disposto nos artigos 283º e 287º, do CPP.

    Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada o despacho recorrido e, em consequência, ser aberta instrução».

    1. Respondeu o Ministério Público, sustentando que a decisão recorrida não merece censura.

    2. Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

    3. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

      II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

      Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente deveria ou não ter sido rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal (artigo 287º, n.º 3 do CPP).

    4. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Do requerimento de abertura de instrução da assistente M. (cf. ref. n.º 1728553) Por requerimento com a ref. n.º 1728553 veio a assistente M. requerer a abertura de instrução, nos termos do disposto no art. 287.º, n.º 1, al. b) do C.P.P., face ao despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público em relação ao arguido J..

      Nesse sentido requer que seja proferido despacho de pronúncia contra o arguido J. e contra a denunciada L. (que, entretanto, foi constituída arguida – cf. ofício com a ref. n.º 1761933) pelos factos descritos no requerimento de abertura de instrução, os quais, no seu entender, consubstanciam a prática pelos arguidos, em autoria material e por cada um, de 1 (um) crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1 do C.P. e de 1 (um) crime de maus tratos a animais de companhia, p. e p. pelo art. 387.º, n.ºs 1 e 2 do C.P..

      Mais requereu que, caso o Tribunal entenda não existir ilícito penal, que julgue os factos como contraordenação ou os remeta para a entidade tida por conveniente.

      Cumpre apreciar e decidir.

      Preceitua o art. 286.º, n.º 1 do C.P.P. que «A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.», sendo que o assistente pode requerer a sua abertura, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação, em conformidade com o estabelecido no art. 287.º, n.º 1, al. b) do C.P.P..

      No caso de a instrução ser requerida pelo assistente, o seu requerimento, nos termos do n.º 2 do art. 287.º do C.P.P., não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter as razões de facto e de direito de discordância relativamente à não acusação, sendo lhe ainda aplicáveis as als. b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do C.P.P..

      Assim sendo, tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento dos autos e tendo sido a assistente quem requereu a abertura da instrução, tem o seu requerimento de indicar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, bem como as...

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