Acórdão nº 1686/18.5T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelABRANTES GERALDES
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I - A MASSA INSOLVENTE de FUNDIÇÃO F.S.M. INTERNACIONAL, S.A., instaurou ação sob a forma de processo comum contra a LEILOEIRA do LENA UNIPESSOAL, Ldª, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 31.309,85, acrescida de juros de mora desde 12-7-11 até efetivo pagamento, somando os juros vencidos € 15.674,87.

Alegou ter celebrado um contrato com a R. em 24-6-11, nos termos do qual esta se obrigou a proceder à venda extrajudicial dos bens móveis e imóveis apreendidos na insolvência da Fundição FSM Internacional, S.A., mediante a remuneração e reembolso de despesas que teria lugar apenas pelo resultado das vendas promovidas pela R., cabendo a esta 10% quanto aos móveis e 5% quanto aos imóveis, parcela que seria exigida aos compradores.

Não obstante a R. ter logrado vender os bens móveis em leilão a que procedeu em 12-7-11, pelo preço global de € 71.915,00, apenas entregou à A. € 40.605,15, recusando-se a pagar-lhe o remanescente.

A R. contestou alegando que, independentemente das comissões estipuladas, a A. devia reembolsá-la de todas as despesas efetuadas, sendo que que a R. começou a prestar auxílio na venda dos móveis e imóveis da massa insolvente desde 2009.

A fim de alcançar a venda nas melhores condições, a R. procedeu a operações de segurança dos bens, como a colocação de cadeados e correntes e rondas ao imóvel – que fora objeto de assaltos e atos de vandalismo – promoveu e divulgou duas vendas, sendo uma por propostas em carta fechada e outra em leilão, levou a efeito duas avaliações e anúncios em diversos jornais com tiragem nacional, despendendo em proveito da A. a importância de € 31.309,85.

A R. apenas procedeu à compensação entre este seu crédito e o crédito da A. sobre o remanescente do preço da venda, pelo que a A. nada mais tem a receber.

A ação julgada procedente e a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 31.309,85, acrescida de juros de mora à taxa comercial desde 29-12-13 até integral cumprimento.

A R.

apelou e a Relação confirmou a sentença, abstendo-se de apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto.

A R. vem interpor recurso de revista, concluindo que: I. Não existe dupla conformidade, nos termos disposto no art. 671º, nº 3, do CPC, na medida em que a Relação fundamenta a sua decisão não na reapreciação critica das provas, mas na apreciação de questões “ex novo”, não apreciadas na 1ª instância.

  1. A sentença recorrida enferma de nulidade, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) não só por omissão de pronúncia dos vícios invocados pelo apelante em relação à sentença do tribunal da 1ª instância, como por excesso de pronúncia, ao considerar que existiu entre A. e R. um contrato escrito.

  2. Sem conceder, o tribunal a quo violou o disposto nos arts. 608º, 665º, nº 2, e 662º, nº 1, todos do CPC, atendendo que: IV. Considerou a apelante, que o tribunal da 1ª instância: A. Desconsiderou questões de direito e factuais essenciais (definidos inclusivamente nos temas de prova) para a descoberta da verdade e à justa composição do litígio, designadamente: (i) Sobre o enquadramento jurídico da contratação da R. pelo Administrador da Insolvência, como encarregada de venda dos bens da massa insolvente; (ii) As funções e responsabilidades do Administrador da Insolvência no âmbito do processo de insolvência e na contratação da R.; (iii) Os verdadeiros contornos da contratação, ou seja, os termos e vigência do contrato, o foi pedido fazer, quando e em que termos tal seria feito.

    (iv.) A questão dos concretos serviços prestados e despesas suportadas pela R. no âmbito da primeira modalidade de venda em carta fechada e a decisão do administrador da insolvência da não entrega dos bens móveis vendidos acima do valor-base conseguido.

    1. Acrescentou ainda que a sentença é incompleta, com fundamentos ininteligíveis e contraditória entre os fundamentos e a decisão, não só por erros manifestos no silogismo judiciário, como por se fundamentar em prova inexistente, e existir clara contradição na resposta de factos considerados provados com outros factos tidos como não provados.

  3. Considerou a apelante, colocando esta questão à reponderação da Relação, que o Mº Juiz não só limitou o objeto de litígio e fez “tábua rasa” dos temas de prova, como dificultou, no decurso da audiência de julgamento, a R. na obtenção de prova dos factos com que contraditou o pedido e que são legítimos, assim como, dificultou o seu direito de defesa à “tese” da A.

  4. De facto, a 1ª instância, ao desconsiderar os temas de prova e limitar a questão a decidir, excluiu necessariamente factos essenciais ou nucleares alegados pela R. e dos quais careciam de resposta, designadamente, quanto à questão nuclear do litígio: saber dos contornos, termos e vigência do contrato celebrado entre A. e R.

  5. Pela a prova carreada nos presentes autos e demonstrada pela apelante, prova essa que a apelação de igual modo desconsiderou, resultou provado, que ao contrário do alegado pela A., o administrador da insolvência contratou os serviços da R., logo no início do processo de insolvência, concretamente, para pesquisa, identificação, apreensão, e organização dos lotes dos bens móveis e imóveis da insolvente e liquidação desses bens (vide confirmação do início da contratação da R. nas transcrições da apelante no depoimento do administrador da insolvência de 15:09 a 16:52).

  6. Significa, portanto, que resultou evidente que os serviços da R. não se limitaram ao que fora invocado pela A. no pedido: “organização e promoção do Leilão”.

  7. A relação controvertida é, pois, a “fundamentação da diversidade de posições das partes quanto a um ponto com relevância jurídica substantiva”, ou seja, a relação jurídica que constitui o objeto do processo, entendeu a apelante e como tal carecia de resposta da apelação, que seria fundamental, para a justa composição do litígio e descoberta da verdade material e como decorre do despacho saneador, conhecer os verdadeiros termos e vigência do contrato celebrado pela administrador da insolvência e a R., assim como, saber quais foram os serviços prestados, em que contexto foram pedidos.

  8. Na verdade, o Mº Juiz que presidiu a audiência de julgamento ao considerar que a R. aceitou ser contratada pelo administrador da insolvência, correndo o risco de prestar todos e quaisquer serviços em todas e quaisquer circunstâncias sem ser remunerada, nada mais havia a ser questionado ou decidido, daí as constantes interrupções no decurso da audiência de julgamento.

  9. Como a apelante refere, seria importante perceber como era feito o pagamento dos diferentes e vários serviços pedidos pelo administrador de insolvência à R. noutros processos de insolvência em que este contratou com a mesma e se, efetivamente, todos os serviços eram ou não considerados como pagos pelos adquirentes.

  10. De igual modo, a questão de a R. ter promovida e divulgado a venda na modalidade de proposta em carta fechada e a decisão do administrador de não vender os bens, ao proponente que apresentou a proposta por valor superior ao valor publicitado para venda, - não havendo, portanto, adquirentes - não é de todo uma questão acessória e por razões evidentes não diz respeito unicamente ao processo de insolvência.

  11. Com efeito, resulta demonstrado que foi a R. que suportou todas as despesas com a identificação dos bens da A., apreensão, organização dos lotes, anúncios nos jornais nacionais, despesas com a promoção e divulgação desta venda, não logrando obter a comissão acordada e pela qual trabalhou, por decisão - diga-se incompreensível á luz do direito civil e do CIRE - do representante da A.

  12. Significando que a R. não foi paga pelos serviços que prestou, cujos resultados foram evidentes, por isso, não é de todo uma questão acessória à resolução do presente litígio.

  13. Até porque esta decisão do administrador da insolvência em não vender os bens na primeira modalidade de venda, mesmo tendo sido informado pela R. dos roubos e do vandalismo, causa direta dos subsequentes serviços prestados pela R. titulados na fatura que lhe foi entregue, como “cadeados, correntes e mão de obra”, que a reparação dos portões obrigou e “deslocações diversas pelas rondas e manutenção entre as duas vendas”, e que, de modo evidente, nada têm haver com a promoção e divulgação da venda não é de igual modo uma questão acessória.

  14. Assim como, a questão de ter sido contratada outra leiloeira para venda dos restantes bens, incluindo o imóvel, não é questão acessória à justa composição do litígio, mas essencial à descoberta da verdade material, desde logo porque resultou assente que a R. no âmbito da sua atividade comercial, foi contratada pelo administrador da insolvência para a venda extrajudicial dos bens móveis e imóveis apreendidos para a Massa Insolvente desta (facto provado em 3).

  15. Resulta, pois, evidente, que a limitação do objeto de litígio, a desconsideração pelos temas de prova e o comportamento do Mº Juiz que presidiu o julgamento e proferiu a decisão, colocadas à reponderação da apelação, constituem causas da anulação da sentença, assim como são violadores dos direitos da R., previstos nos arts. 12º, nº 2 e 20º, nº 1 e 5, da CRP.

  16. A apelante demonstrou, e de igual modo sem lograr qualquer exame e análise critica da apelação, evidente contradição entre a premissa que fundamentou a decisão da 1ª instância e que corresponde ao facto não provado a) que a fatura nº ...97, datada de 24-10-13, emitida pela R., se reporte a trabalhos pedidos pela A. – com o que resulta do depoimento do administrador da insolvência e do qual ao Mº Juiz firmou a sua convicção aos factos julgados provados a 4 e 7.

  17. Diz o Mº Juiz na sua fundamentação dos factos que considerou provados 4 e 7.

  18. Ora, a fatura emitida pela R. e que considerou como não provado que se reporte a trabalhos pedidos pela A. (facto não provado a), titula, entre outros serviços, essas avaliações e o preço pago [cfr. doc. 1 do requerimento complementar à contestação - Ref. ...] aos técnicos avaliadores pela R., a pedido do...

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