Acórdão nº 48652/22.2YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23-03-2023

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão48652/22.2YIPRT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. C. Construtores, SA, intentou procedimento de injunção, posteriormente convolado para ação de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, contra Cl... - Hotelaria e Turismo, Lda., pedindo o pagamento da quantia de € 12.206,81 (doze mil, duzentos e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data de vencimento das faturas cujo pagamento reclama e até integral pagamento, tendo computado os vencidos, até à data da entrada do requerimento de injunção, em € 817,02, da taxa de justiça por si paga, no valor de € 102,00, e de € 40,00 a título de custo de cobrança da dívida.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou que a Ré, na qualidade de dona de obra, adjudicou à Autora, em 22.01.2007, a execução da empreitada designada por “Construção de 10 Apartamentos Turísticos, Receção e Balneários”, no lugar..., ..., Guimarães, e que no decurso da mesma foram solicitados pela Ré à Autora trabalhos não previstos no contrato, os quais descreve, trabalhos a mais esses que foram objeto do auto de medição nº 1, emitido em .../.../2007, no valor de € 6.458,00, e do auto de medição nº ..., emitido em .../.../2007, no valor de € 5.748,75. A Autora passou por um processo de insolvência e a sua nova administração apercebeu-se que tais autos de medição não tinham sido faturados e pagos pela Ré, pelo que emitiu em 27.04.2021, com vencimento em 27.05.2021, as duas faturas cujos valores reclama nesta ação, os quais não foram pagos, apesar de a Ré ter sido interpelada para tal.
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A Ré deduziu oposição, alegando não ter adjudicado a execução da empreitada à Autora, mas sim à sociedade C..., Lda., que o valor dos trabalhos mencionados no auto de medição de 01.03.2007 foi pago em numerário a AA, então gerente da sociedade C..., Lda., a qual viria ser declarada insolvente por sentença de 06.06.2007, enquanto os trabalhos mencionados no auto de medição relativo ao mês de Julho de 2007 foram executados pela massa insolvente, tendo sido pagos após a sua conclusão ao referido AA com dinheiro vivo e entregue em mão, tudo com o conhecimento do administrador da insolvência nomeado, não tendo sido incluído tal crédito no processo de insolvência, que prosseguiu com a homologação de um plano e alteração do pacto social e denominação.
Mais alega que tal obra foi abandonada em setembro de 2007 pela massa insolvente e foi resolvido o contrato em novembro de 2007. Intentada ação contra a aqui Autora, foi esta condenada a pagar à aqui Ré a quantia de € 72.436,03, acrescida de juros de mora, à taxa legal, bem como no montante que se vier a liquidar em execução da sentença quanto aos demais danos, acrescido de juros.
Sustenta que a reclamação pela Autora daqueles valores decorridos mais de 13 anos depois da data da declaração da sua insolvência, e depois da data em que abandonou a obra da empreitada, de ter recebido o valor correspondente ao preço, e de ter deixado por realizar 61,73% dos respetivos trabalhos, constitui abuso do direito.
Acrescenta que, ainda que se reconhecesse legitimidade para o reclamar, sempre deveria ser reconhecido à Ré o direito de declarar a compensação do respetivo valor com a obrigação da ora Autora de pagar a multa fixada no contrato de empreitada de € 500,00 por dia de atraso, de 23.09.2007 a 23.10.2007, no valor global de € 15.000,00.
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Respondeu a Autora, alegando que a pessoa coletiva de direito privado autora da presente lide é a mesma, tendo sido objeto de alteração da firma e da forma social, em resultado da aprovação do plano de recuperação no processo de insolvência, com a continuidade da atividade da Autora e a recuperação dos seus créditos, tendo já sido demandada pela aqui Ré, em processo que versou sobre as consequências do alegado incumprimento contratual, cuja matéria já foi objeto de duas decisões judiciais transitadas em julgado. Sustenta que a compensação não é admissível por não ser exercida através de reconvenção, que a Ré optou pela resolução contratual, ficando assim excluída a multa, e que reclamou em processos judiciais os danos que considerou decorrentes do alegado incumprimento contratual da aqui Autora, verificando-se caso julgado sobre essa situação jurídica. Invoca ser inadmissível que, 15 anos depois de declarado o incumprimento contratual e a sua resolução, a Ré invoque penalidade que nunca aplicou efetivamente, sob pena de ostensivo abuso de direito.
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1.2. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a «julg[ar] a ação procedente e a compensação improcedente e, em consequência, conden[ar] a Ré Cl... - Hotelaria e Turismo, Lda. a pagar à Autora C. Construtores, S.A., a quantia de € 12.206,81 (doze mil duzentos e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios comerciais supletivos desde a data de vencimento das faturas até efetivo e integral pagamento, e da quantia de € 40 (quarenta Euros) relativa a indemnização legalmente prevista
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1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões:

«Primeira: A ora Recorrente considera que foram incorrectamente julgados factos que o Tribunal deu como provados, e factos que o Tribunal considerou não provados; e considera que o Tribunal não conheceu de factos relevantes para a decisão da causa.
Segunda: O teor do contrato de empreitada, junto com a Oposição à Injunção como documento ...1, designadamente a alínea 1 da Cláusula I e a Cláusula III, impõe que seja alterada a redacção do n.º 2.º dos factos provados, nos termos que, respeitosamente, se sugerem:
No âmbito dessa actividade, a Ré, na qualidade de Dona da Obra, havia adjudicado à Autora, em 22-01-2007, a execução da empreitada “Construção de 10 Apartamentos Turísticos, Recepção e Balneários”, no lugar..., da freguesia ..., concelho ..., e esta aceitou executar os trabalhos que fazem parte da proposta de empreitada, sendo de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) o preço a pagar pela Primeira Outorgante à Segunda Outorgante, a que acresce o IVA à taxa em vigor.
Terceira: A asserção constante do n.º 7.º dos factos provados, de que os trabalhos a mais só foram apurados “aquando do julgamento da liquidação destinada a apurar as obras efectivamente realizadas” é contraditada pelo teor dos meios de prova produzidos, nomeadamente os autos de medição TM1 e TM3, datados de 01 de março e de Julho de 2007, respectivamente;
e o Incidente de liquidação dos danos relegados para execução de sentença reportou-se, exclusivamente, ao apuramento dos concretos trabalhos do contrato de empreitada que a sociedade empreiteira e a sua massa insolvente não realizaram, e respectivos valores, os quais foram depois executados por ordem e administração directa e à custa da dona da obra, ora Recorrente.
Quarta: O auto de medição TM1 de 01-03-2007 e o auto de medição TM3 Julho de 2007, documentos n.ºs ...1 e ...2, juntos pela Autora, ora Recorrida, por requerimento datado de 26-07-2022;
o contrato de empreitada, junto com a Oposição à Injunção, como documento n.º ...1;
o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, junto com a Oposição à Injunção, como documento n.º ...5;
a certidão permanente junta com a Oposição à Injunção, como documento n.º ...2;
a confissão da Autora, ora Recorrida, registada na acta da audiência de julgamento;
e a contestação deduzida pela Ré, ora Recorrida, no Processo n.º 626/16.0T8GMR, cuja cópia ora se junta como ANEXO 1, nos termos do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 651.º do CPC,
impõem que a redacção do n.º 4.º dos factos provados seja substituída pela seguinte:
7.º - Os trabalhos descritos no auto de medição TM1 e TM3 não foram facturados pela sociedade C..., L.da nem pela sua massa insolvente.
Quinta: Os autos de medição TM1 e TM3 são documentos particulares emitidos pela C. Construtores, no dia 01-03-2007 e em data indeterminada do mês de Julho de 2007, e provam apenas que os trabalhos neles descritos não estão compreendidos na obra e no preço do contrato de empreitada do empreendimento turístico;
e não provam que os correspondentes créditos e débitos existissem quando a Autora emitiu as Facturas n.ºs ...96 e ...97, no dia 27-04-2021.
Sexta: A prova de que os descritos trabalhos a mais foram realizados foi feita pelo depoimento do fiscal da obra, eng.º BB, que validou os respectivos autos de medição; e pelo depoimento da testemunha CC, sócia da ora Recorrente e esposa do gerente e também sócio, DD; e por confissão da ora Recorrente;
mas nos mesmos depoimentos as testemunhas afirmaram que os trabalhos foram pagos pelo Sr. DD e mulher CC, com dinheiro dos próprios, a pedido do gerente da “C..., Lda.”, AA.
Sétima: O Tribunal a quo deu credibilidade aos depoimentos das testemunhas CC e Eng. BB, na parte relativa à realização dos trabalhos a mais;
mas negou-lhes credibilidade na parte relativa ao pagamento desses trabalhos, apesar de a sociedade “C..., L.da” e a respectiva massa insolvente não terem mencionado quaisquer créditos relativos a esses trabalhos nos momentos e lugares próprios, previstos no C.I.R.E., nem reclamado o seu pagamento, por ter dado credibilidade às declarações de parte do representante legal da Autora, Eng. EE, que, ouvido sobre esta matéria disse, além do mais, o seguinte:
00:22:58 LEGAL REP.: Não, não, mas o senhor BB, o fiscal, disse que não sabia se tinham sido pagos ou não, basta ouvir as... as... a... o depoimento dele, está gravado. (…) Eu ouvi porque eu estive na acareação…”
Oitava: Todavia, o Eng. BB, quando foi ouvido na acareação, a instância da meritíssima Juiz sobre os trabalhos a mais, disse:
00:08:45 Meritíssima Juíza: Admite no valor de cinco mil e tal, mais 5748, mais 6458,
admite que isto foram trabalhos a mais?
00:08:52 BB: Isso foram trabalhos a mais e pagos como tal.
00:08:54 Meritíssima Juíza: E foram?
00:08:55 BB: E pagos.
...

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